Os resultados parciais das eleições de domingo (25/05) retratam a clara insatisfação dos cidadãos europeus em relação ao rumo tomado pela União Europeia e pelos governos nacionais nos últimos anos, marcados pela crise financeira e pela austeridade econômica. Mas, apesar do grande aumento de votos de partidos eurocéticos e populistas, pouca coisa deve mudar dentro do Parlamento Europeu, situação um pouco diferente se considerarmos os cenários políticos nacionais.
O PPE (Partido Popular Europeu), grupo de centro-direita liderado pela chanceler alemã, Angela Merkel, sofreu um castigo nas urnas, perdendo grande número de deputados. Apesar disso, o PPE segue sendo a “família” política com maior presença na Eurocâmara e deve conseguir emplacar um político de suas filas na presidência da Comissão Europeia, seja ele o pré-candidato Jean-Claude Juncker ou uma surpresa ungida pelo Conselho Europeu.
Uma das causas da manutenção do grupo de Merkel como líder europeu foi a incapacidade dos socialistas, segunda maior força no Parlamento, de capturar os votos de insatisfação dos cidadãos do velho continente. Este fracasso dos socialistas em tomar o poder se deve sobretudo à inação de seus partidos em relação às políticas impopulares de saneamento orçamentário a nível nacional. Em países como França ou Espanha, os eleitores acreditam que os partidos de François Hollande e Alfredo Pérez de Rubalcaba são parte do problema, e não da solução.
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Resultados parciais da eleição deste domingo
Nessa busca por soluções diferentes para os problemas do dia-a-dia, notadamente desemprego e perda de direitos sociais, os eleitores europeus apostaram nos partidos da periferia política. Em alguns casos escolheram os velhos grupos populistas de extrema-direita (como a Frente Nacional na França) e, em outros, apostaram em novos partidos, nascidos de movimentos anti-crise ou anti-União Europeia.
Dentro deste cenário, muitos países da velha Europa tiveram algumas primeiras vezes políticas nas eleições terminadas no último domingo. Na França, o partido de Marine Le Pen ganhou uma eleição pela primeira vez desde a sua criação. Apelando para soluções simples para problemas complexos, Marine defende abertamente o fim do espaço de livre circulação dentro da Europa, além de culpar os imigrantes por boa parte dos problemas atuais do país.
O pleito de domingo também representou a primeira grande derrota dos dois principais partidos da Espanha. Desde 1982, socialistas e populares se alternam no governo e juntos conseguem mais da metade dos votos, o famoso bipartidarismo. Mas os resultados saídos das urnas ontem mostram que pela primeira vez os votos somados dos dois partidos não chegam a 50% do total, com grande destaque para o aumento do apoio aos partidos espanhóis de esquerda.
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Cenário parecido acontece no Reino Unido, onde o sucesso do grupo UKIP, anti-EU, representou a primeira vitória de um partido fora do eixo Conservadores-Trabalhistas desde 1910. Na Grécia, a estrela de Alexis Tsipras levou o SYRIZA à sua primeira vitória eleitoral e, na Alemanha, pela primeira vez um partido anti-europeu conseguiu emplacar deputados no Parlamento.
Impacto nacional
Apesar de os resultados não mudarem o perfil do Parlamento Europeu, que segue predominantemente pró-Europa, eles podem influenciar profundamente os cenários políticos nacionais. A Espanha viu o surgimento de uma nova força política com a grande votação do partido Podemos, criado há poucos meses por ativistas políticos anti-austeridade e que alcançou o posto de quarto partido mais votado em todo o país.
O aumento do apoio ao Podemos e à Esquerda Unida representa o fracasso do PSOE, que apesar da impopularidade do PP não conseguiu ultrapassar nas urnas o partido do atual presidente de governo, Mariano Rajoy. A imprensa espanhola especula que o resultado de domingo deve antecipar as primárias do partido socialista e o atual líder Alfredo Pérez de Rubalcaba pode deixar o cargo de secretário-geral do PSOE antes das eleições municipais de 2015.
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Na Grécia, a vitória do SYRIZA deve criar um ambiente de pressão no atual governo, liderado por Antonis Samarás, do partido Nova Democracia. A coalizão governamental conta com maioria sustentada por uma diferença de apenas dois deputados e o apoio cada vez maior à figura do líder da oposição Alexis Tsipras representará um desafio para o atual governo.
A vitória da extrema-direita francesa pode ser entendida como menos representativa que o fiasco eleitoral dos socialistas. Sem uma plataforma política clara, o partido de Marine Le Pen é beneficiado pela alta taxa de abstenção. Em um futuro pleito nacional a candidata pode aspirar, no máximo, com uma derrota no segundo turno, já que um possível sucesso no primeiro turno seria seguido por uma coalizão entre direita e esquerda nos moldes da eleição presidencial de 2002, quando o centrista Jacques Chirac teve o apoio dos socialistas e ganhou por ampla margem de votos de Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e fundador da Frente Nacional.
No Reino Unido, a vitória histórica de Nigel Farage também deve ser relativizada. Apenas 33,8% dos eleitores britânicos aptos a votar exerceram o seu direito no pleito europeu. Os milhões de votos do UKIP representam apenas 9% do eleitorado total. Com isso em mente, é bem provável que Farage veja o seu partido com alguma representação no Parlamento inglês no próximo ano, mas a verdadeira disputa eleitoral para 2015 vai pautar-se na habilidade de Ed Miliband em manter o seu Partido Trabalhista à frente dos Conservadores do atual primeiro-ministro, David Cameron.
Grande vencedor
Talvez o maior beneficiado destas eleições foi o primeiro-ministro italiano, Mateo Renzi. Em sua primeira prova eleitoral após assumir o cargo mais importante de seu país, Renzi levou o seu partido a incríveis 40% dos votos, quase o dobro do segundo colocado, o Movimento 5 Estrelas, do contestador Beppe Grillo. Além de vencer as eleições, o líder italiano conseguiu a legitimidade das urnas, já que apesar de ser primeiro-ministro, ele não tinha sido eleito para o Parlamento nacional.
O resultado final alça Renzi como o principal político de centro-esquerda da União Europeia, o único que conseguiu levar o seu partido a uma vitória esmagadora. Agora, o italiano precisa converter este apoio eleitoral em força política, fazendo sua voz ser ouvida em Bruxelas e possivelmente negociando a indicação de um político italiano para o cargo de presidente da Comissão ou do Parlamento Europeu. Que ninguém se surpreenda se o nome de Mario Draghi, atual presidente do Banco Central Europeu, for escolhido nas próximas semanas pelo Conselho Europeu para liderar esta nova fase da União Europeia.