Nos anos 1960 e 70, a urbanização crescente das cidades faz com que seja premente o seu abastecimento. No espaço urbano, aumentam, assim, as políticas de industrialização, enquanto no espaço rural se acentua a importância da propriedade da terra e a ampliação da fronteira agrícola. Apesar de se terem verificado, nestes anos, algumas melhorias técnicas, tal não significou, contudo, uma mecanização na agricultura.
Leia aqui o restante da série especial 'Colômbia: terra, história e violência':
O início do conflito armado colombiano
Colômbia: influência norte-americana, violência e questão agrária
História colombiana: conflitos entre liberais e conservadores
A terra, substrato da violência na Colômbia
Em 1964, a Colômbia contava com 17 milhões de habitantes e tinha uma economia altamente dependente da agricultura. O capitalismo financeiro, já então dependente, desenvolve-se, sobretudo, a partir de 1964, nomeadamente com as imposições do FMI, do BDI e do Banco Mundial. A violenta acumulação capitalista é paralela ao despojo da terra de camponeses e indígenas, iniciando-se um terrorismo de Estado aliado quer aos monopólios nacionais, quer ao imperialismo estadunidense (do qual aqueles dependiam). A Colômbia torna-se, igualmente, a partir dessa data, um laboratório de guerra contra-insurgente. Não é, assim, por acaso, que, contra os 48 de Marquetália, o Exército utilizou 16.000 soldados, aviação e guerra biológica.
Relativamente à produção de substâncias ilícitas, se, até à década de 1960, se produzia, sobretudo, maconha, é a partir da década de 1970 que se dá início à produção de cocaína e que nasce o primeiro Cartel: o Cartel de Medellín, de Pablo Escobar. O conflito agrário entre camponeses, por um lado, e o grande capital estrangeiro, aliado ao capital nacional, vai, a partir de então, conhecer um novo elemento – o narcotráfico -, o qual se vai aliar, sobretudo ao longo dos anos 1980, aos interesses da grande burguesia nacional (altamente dependente) e estrangeira.
Flickr/ CC/ Dj Lu- Juegasiempre
Grafite na cidade de Bogotá denuncia ação de paramilitares
Os desalojamentos massivos de camponeses e de indígenas e as ocupações do solo, quer pelos monopólios, quer pelos narcotraficantes, nos anos 1960 e 70, vai agudizar a luta de classes nas zonas rurais. Assim, em 1967[i], é criada a Asociación Nacional de Usuários Camponeses (ANUC), a qual, em apenas 9 meses, conseguiu organizar 600 ocupações de terra.
Em 1970, o ex-ditador Gustavo Rojas Pinilla (fundador do Partido Aliança Nacional Popular (ANAPO)) apresenta-se às eleições presidenciais e é dado como favorito. Na noite eleitoral, contudo, falha a luz e, no dia seguinte de manhã, é dado como vencedor o candidato do Partido Conservador, indicado pela Frente Nacional, Misael Pastrana Borrero (presidência de 1970 a 1974). Após esta fraude eleitoral, diversos sectores liberais, sobretudo da Aliança Nacional Popular (ANAPO), fundam, em 1974, o Movimento 19 de Abril (M-19).
Este grupo armado, ao contrário das guerrilhas das FARC-EP ou do ELN, defendia que o combate se deveria centrar, sobretudo, nas zonas urbanas.
Ambíguo ideologicamente, o M-19 organiza ações armadas populistas, espetaculares, e que têm uma grande aceitação entre os colombianos, sobretudo nas zonas urbanas. Das suas ações, destacam-se, entre outras, repartições de dinheiro e de comida, o roubo de 5000 armas ao Exército colombiano (1979), a ocupação do Palácio da Justiça em Bogotá (1985) e da Embaixada da República Dominicana (1980). Tinha presença, sobretudo, nos bairros populares de Bogotá.
Paralelamente, o narcotráfico tem uma necessidade exponencial de terras para os seus cultivos, pelo que uma forte e inquebrantável aliança é estabelecida entre narcotraficantes e latifundiários: esta aliança marca o nascimento de uma segunda geração de paramilitares, pelo que novos grupos se criam e fortalecem, sobretudo no Magdalena médio.
A partir dos anos 1970, os narcotraficantes assumem-se, desta forma, definitivamente, como um ator armado importante, cujo braço militar é o paramilitarismo. A insurgência, por seu lado, responde ora com o sequestro de latifundiários, ora com a cobrança de dinheiro a latifundiários e a monopólios.
Os anos 1970 foram, igualmente, marcados pela resistência operária – sobretudo o ano de 1977 –, enquanto o campesinato continuava a ser empurrado para regiões cada vez mais longínquas na montanha (zonas de fronteira agrícola).
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Por outro lado, se, nos anos 1940, uma das frentes de luta dos trabalhadores foi pela nacionalização das multinacionais petrolíferas que atuavam no país – a qual culmina com a criação da ECOPETROL, em 1948 -, nos anos 1970, o governo vai reverter essa situação, iniciando um processo de (re)privatização dos setores públicos produtivos:
O governo inicia o processo de privatização da Ecopetrol, em meados dos anos setenta, com a execução dos contratos de parceria, o que envolveu a reposição das multinacionais para a exploração dos recursos naturais do país, legitimada nos contratos impostos/regalias, uma reedição do contrato original de concessão que lhes permite a exploração do recurso até ao esgotamento ou, nos anos 90, com a venda de refinarias. O processo de privatização continua na década de noventa, com a venda de ativos, tais como refinarias e oleodutos, e, em 2007, com a abertura para venda de ações na bolsa de valores, convertendo-a de produtiva em especulativa, com as consequências futuras econômicas e sociais para o setor e para o país, as quais ainda estão por ser vistas (Hernandez, 2008, p. 130).
Ora, se de 1930 a 1970 a problemática é, essencialmente, agrária, a partir de 1970 as problemáticas sociais alargam-se a outras áreas (Saúde, Educação); surgem, então, as já referidas guerrilhas de Segunda Geração (Ex: Bogotá e Medellín) e assiste-se a uma inusitada violência estatal (torturas, prisões)[ii].
As FARC-EP vão, contudo, ganhar, sobretudo durante os anos 1980, uma força crescente. É assim que o tema guerrilheiro se torna, sob a presidência de Belisario Betancur (1982-1986), uma problemática que o Estado não pode ignorar. Em 1984, Betancur abre uma Mesa de Diálogo entre o Estado colombiano e os guerrilheiros das FARC-EP, a qual culmina com os Acordos de Uribe.
A mesa de diálogo abre novas perspectivas de atuação no plano político. É assim que, em novembro de 1985, sob o impulso das FARC-EP e do Partido Comunista Colombiano (PCC), é lançado um novo e massivo movimento, a União Patriótica (UP). Nas eleições de 1986, a UP consegue eleger 350 conselheiros municipais, 23 deputados e 6 senadores para o Congresso da República. Nas eleições presidenciais, alcançou 350 mil votos, algo inédito na história do movimento progressista colombiano.
Unión Patriótica
Acontecimentos com União Patriótica criaram um trauma político no país
As promessas de paz, no entanto, não são respeitadas pelo Estado colombiano. Segue-se uma guerra suja, na qual se assiste a um genocídio político sem precedentes: uma vaga de assassinatos é organizada pela oligarquia colombiana, através do paramilitarismo, com o apoio do imperialismo norte-americano, destruindo a vida de 4.000 dirigentes, quadros e militantes da UP e do PCC[iii]:
O genocídio cometido contra o movimento político colombiano União Patriótica (UP) é parte do processo de extermínio de forças políticas de oposição no mundo. É um caso paradigmático de aniquilação de membros e líderes de um grupo, em virtude de suas convicções ideológicas, assim como da perseguição de seus partidários e da destruição de seu entorno social. Este, certamente, não é o único caso de criminalidade massiva que tem sido praticado na Colômbia contra grupos e movimentos de oposição, e até mesmo contra os partidos políticos que exerceram tradicionalmente o poder. A repressão violenta dos adversários ideológicos operou continuamente na história contemporânea do país e impediu o surgimento de opções pluralistas e de uma participação verdadeiramente democrática. No entanto, o que aconteceu com a UP e com o Partido Comunista Colombiano – seu principal componente – tem características excepcionais e específicas (Cepeda Castro, 2006).
É, ainda, durante as décadas de 1970 e 80 que os paramilitares, partindo do Magdalena médio, se estendem a nível nacional. Aumentam, apesar disso, as mobilizações campesinas e as ocupações de terras, as quais serão fortemente reprimidas quer pela violência estatal, quer pela violência paramilitar.
O desrespeito dos acordos de paz, o genocídio da UP e o fortalecimento do paramilitarismo levam à formação, em 1987, de uma plataforma que tenta reagrupar as guerrilhas de segunda geração (FARC-EP, ELN, EPL, M-19, Movimento Indígena Quintín Lame, MIR, PRT) num espaço de coordenação comum – a Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar (CGSB). A Coordenadora, mesmo depois da entrega de armas por parte do M-19, EPL, e outras forças regionais de menor importância, como o Quintín Lame e o PRT, nos anos 90, sobreviveu, ainda que com dificuldades, graças à participação das FARC-EP e do ELN. Contudo, fruto de divergências entre ambos, acabou por se desagregar definitivamente em 1993.
Flickr/ CC/ Semanario Voz
Manifestação do V Congresso da Marcha Patriótica em 2013
Perante a deterioração das condições de vida dos camponeses e face à violência estatal e paramilitar, a insurgência campesina resiste e consolida-se nos finais da década de 1990.
Paralelamente, o capitalismo financeiro aprofunda-se, favorecendo a oligarquia colombiana, os grupos financeiros, as corporações transnacionais, os grandes industriais e latifundiários.
Referências bibliográficas:
AMPUERO, Igor e BRITTAIN, Jales J. “La cuestión agraria y la lucha armada en Colombia”, Recuperando la tierra. El resurgimiento de movimientos rurales en África, Asia y América Latina. Sam Moyo y Paris Yeros [coord.]. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2008, pp. 377-399.
CASTRO, Ivan Cepeda. “Genocidio político: el caso de la Unión patriótica en Colombia”, Revista Cetil (Colômbia), ano I, n° 2, septembro de 2006, pp. 101-112. Disponível em: http://www.desaparecidos.org/colombia/fmcepeda/genocidio-up/cepeda.html
HERNÁNDEZ, Luis Humberto. “América latina: petróleo y conflicto”. Ciencia Política (Colômbia), n° 8, janeiro-junho de 2008, p. 114-142.
[i] Entretanto, nos finais dos anos 60, fortalece-se a concepção maoísta, nascendo, no norte-oriente colombiano, o EPL e o PCC-mlm (ligados, sobretudo, ao PC Chinês).
[ii] A ELN aproxima-se da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador) e da Frente Sandinista de Libertação Nacional (Nicarágua).
[iii] A este propósito, afirmam Ampueri e Brittain (2008, p. 393): “É importante salientar que a administração Reagan, que governava na época destes assassinatos, foi fortemente contra o governo de Betancur e de seus métodos de negociação de um cessar-fogo com as FARC-EP (Scott, 2003). Embora o governo dos EUA nunca tenha sido envolvido nos crimes, revelar-se-ia mais tarde que, em 1984, a Escola das Américas d,os Estados Unidos da América, localizada no Estado da Geórgia, tinha treinado soldados colombianos em operações de contra-insurgência (Semanas e Gunson, 1991), entre os quais mais de uma centena e meia estiveram envolvidos em violações dos direitos humanos(Leech, 2002)”.