Quando as líderes da maior economia europeia e da maior economia do hemisfério sul se encontram, é preciso prestar atenção. Não há meio termo, é imperativo compreender a analisar o encontro bilateral entre Dilma Rousseff e Angela Merkel. A líder alemã veio exclusivamente ao Brasil, chegou na noite de quarta-feira (19/08) e partiu na tarde de quinta (20/08), acompanhada de grande comitiva formada por sete de seus ministros e cinco vice-ministros, além de líderes empresariais. Na pauta, política internacional, economia, meio-ambiente, concerto de discurso e política interna também. De ambas. O saldo final poderá ser visto em dois dos principais eventos internacionais do ano.
Dilma e Merkel possuem algumas semelhanças. Ambas passam por momentos de crise de prestígio doméstico; Dilma por uma crise política interna, Merkel pela cisão que o resgate do Eurogrupo causou, especialmente o cenário grego. As duas líderes foram pessoalmente espionadas pelo governo dos EUA, o que foi exposto no caso Snowden da NSA. Isso se soma a um cenário de relações consolidadas entre os dois países. Não é mera relação pessoal, entretanto. Alemanha e Brasil possuem longo histórico de cooperação política e econômica, intensificada desde o pós-guerra. Com o encontro, é possível que o status brasileiro na política externa alemã tenha aumentado.
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Agência Efe
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O Brasil é considerado, em conjunto com outros países emergentes como China, Índia e Turquia, um Ankerländer, “país âncora”, como são chamadas as nações que determinam os rumos de suas respectivas regiões. Em 2008, tivemos a assinatura do Plano de Ação da Parceria Estratégica Brasil-Alemanha, colocando as relações bilaterais em um patamar especial. Com o estabelecimento das Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, nome dado ao encontro diplomático desta semana, o Brasil entra no seleto rol de nove países com os quais a Alemanha possui relações tão elevadas e constantes. E, resgatando o caso Snowden, os países apresentaram proposta conjunta, na ONU, para governança na internet, em bases semelhantes ao Marco Civil da Internet brasileiro.
70ª Assembleia da ONU e COP-21
Os interesses políticos internacionais imediatos são ligados a dois eventos futuros. No próximo mês será aberta a 70ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Sua pauta principal é justamente a reforma da governança global e da própria ONU. Alemanha e Brasil são parceiros no G4, que inclui também Japão e Índia, fórum internacional que propõe uma mudança na representatividade do Conselho de Segurança da ONU, tanto em seus membros permanentes quanto no número de membros rotativos de cada continente. Ambos os países afirmam que o CS das Nações Unidas, fundado no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial, não mais reflete a representação internacional.
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Além de mudanças no Conselho de Segurança, Brasil e Alemanha também propõem reformas no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial, dois temas também presentes na recente Declaração de Ufá, dos países Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). As duas instituições econômicas, hoje, são vistas como desproporcionalmente representantes dos EUA, potência com a qual a Alemanha possui uma relação cética. O segundo evento de 2015 extremamente pertinente ao encontro é a Conferência de Mudança do Clima de Paris, a COP-21, a partir de 30 de novembro. A meta é a formulação de um acordo vinculante de abrangência global em temas como emissão de poluentes, desmatamento e desenvolvimento sustentável.
O Brasil é considerado um país essencial na pauta, especialmente pela floresta amazônica. Para estreitar as relações com o Brasil no tema, foram anunciados mais de 500 milhões de euros em empréstimos de longo prazo e juros reduzidos para temas como preservação ambiental e energia renovável. Uma das finalidades é a instalação de painéis de captação de energia solar em casas do programa Minha Casa, Minha Vida; os painéis, assim como em outras cooperações científicas no tema, serão de tecnologia alemã. Outro montante, de cerca de 23 milhões de euros, foi doado para regularização de imóveis rurais na fronteira agrícola brasileira, objetivando a preservação da floresta amazônica.
Se os dois eventos futuros explicam parte da agenda bilateral e a necessidade de articulação política, a economia explica o ímpeto e a intensificação das relações. A Alemanha é um gigante econômico, em constante expansão e com sólida base no Brasil. Atualmente, 1.500 empresas alemãs atuam no Brasil, gerando cerca de 250 mil postos de trabalho. A Alemanha também vê o Brasil como um líder na OMC (Organização Mundial do Comércio), ocupando o papel de representante dos países em desenvolvimento. Dessa base sólida, a Alemanha busca diversificar seus parceiros em um momento de crise.
A zona do Euro está, internamente, saturada e em momento delicado, com a expansão monetária e da União Europeia suspensa e casos como o da Grécia ainda nos jornais. Internacionalmente, a União Europeia articulou um tratado de livre comércio com os EUA e busca fazer o mesmo com o Mercosul. Dentre uma e outra alfinetada de Merkel na Argentina, a líder alemã sabe que dialogar com o Brasil é essencial, seja para encaminhar uma negociação entre os blocos, seja para suprir a falta dessa negociação com uma parceria bilateral. Outro fator que explica a diversificação por parceiros da Alemanha é a depreciação, após a crise da Crimeia, de sua relação comercial com a Rússia, tradicional parceira.
Agenda cheia
Um exemplo recente, de junho, é o da empresa alemã Basf, que inaugurou uma fábrica de quase R$ 2 bilhões na Bahia. A Alemanha também estaria interessada em participar dos consórcios e projetos de infraestrutura do Programa de Investimento em Logística, que soma cerca de R$ 200 bilhões em concessões. Após a vinda do premiê chinês, Li Keqiang, em maio, que visitou diversos países latino-americanos, Dilma também foi angariar apoio empresarial nos EUA e, agora, conta com o interesse de empresas alemãs. Para Dilma e seu governo, o benefício é evidente.
O aumento do intercâmbio econômico com a Alemanha coloca investimentos e ânimo na economia brasileira em um momento de tensão econômica e política. Em seis meses, Dilma recebeu ou visitou três líderes das quatro maiores economias do mundo. Já o estreitar das relações políticas entre Brasil e o governo alemão solidifica ainda mais o reconhecimento dos pleitos brasileiros na reforma da governança internacional. Pode colaborar para enfraquecer as críticas internas ao governo e também mostram que Dilma pode ter aprendido com seus erros na política exterior de seu primeiro mandato. Além de semelhantes, Merkel e Dilma podem beneficiar uma à outra.
* Filipe Figueiredo é redator do blog Xadrez Verbal