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Opinião

'Marielle, presente': a causa radical e sua apropriação pela mídia

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Estudiosos de linguística e comunicação teriam aqui um prato cheio para discorrer sobre essa manobra discursiva muito óbvia: um vídeo que circula “na internet” finalmente é apresentado a um país - e pela Globo

Sylvia Moretzsohn | Objethos

2018-03-17T13:20:00.000Z

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É um vídeo forte, poderoso, cortante: sobre a imagem noturna e estática do temporal na cidade, as vozes se sobrepõem para falar que o Rio de Janeiro CHORAVA com a notícia de “mais uma mulher ASSASSINADA”; porém, “não apenas uma MULHER”, “mas uma mulher NEGRA”, “uma MILITANTE”, que movia estruturas e foi “EXECUTADA a sangue frio”, e apela: “GENTE, PAREM DE MATAR GENTE, esse assunto é URGENTE. MARIELLE, PRESENTE”.

O vídeo original termina assim. Mas, ao final do Jornal Nacional do dia seguinte à execução da vereadora Marielle Franco, do PSOL, numa ação que vitimou também seu motorista, Anderson Pedro Gomes, esse vídeo foi exibido com o acréscimo deste texto: “Esta homenagem a Marielle Franco foi feita por Ana de Cesaro e circulou na internet. Agora está sendo mostrada para todo o Brasil. Para que seja uma homenagem e também um alerta. Tudo começa pelo respeito. À vida”.

Estudiosos de linguística e comunicação teriam aqui um prato cheio para discorrer sobre essa manobra discursiva muito óbvia: um vídeo que circula “na internet” – ou seja, potencialmente, no mundo inteiro – finalmente é apresentado a um país. Pela Globo, que é – com trocadilho – a voz do Brasil.

Mas isso é o de menos. O principal é o que essa manobra revela como apropriação do discurso de protesto contra a execução de uma vereadora jovem, negra, “cria da favela” (da Maré), que estreava na Câmara um mandato promissor, com votação surpreendente – foi a quinta mais votada em 2016, com mais de 46 mil votos – e se dedicava à denúncia da violência contra os marginalizados de modo geral, com uma atuação que expressava múltiplas causas identitárias associadas à questão fundamental do pertencimento de classe.

Cesar Lobo/Objethos

Certamente tudo começa pelo respeito à vida, mas estas serão apenas belas palavras se desprovidas de seu conteúdo concreto. O que significa, exatamente, respeitar a vida, quando se negam as condições objetivas de existência?

“Reforma trabalhista, PEC dos Gastos, reforma da Previdência”, essas medidas que jogam “um contingente de cidadãos e cidadãs para uma espiral de pobreza”, estão na base do tal “respeito à vida” por onde tudo começa, e por onde começou o artigo que Marielle enviou ao Jornal do Brasil – esse jornal recentemente ressuscitado em papel, numa iniciativa cheia de críticas, incertezas e suspeitas que não cabe aqui discutir, mas que se diferenciou dos demais no dia seguinte às manifestações de protesto que se espalharam pelo país. A edição, para quem tem memória, lembrou a do dia 12 de setembro de 1973, quando a censura da ditadura impediu manchetes ou fotos sobre o golpe no Chile de Allende, e o JB driblou brilhantemente a proibição com uma primeira página sem título, apenas com um texto em corpo maior, relatando o ocorrido, e com isso se destacou de todos os outros jornais.

Reprodução

JB de 1973 e o de 2018

O JB valoriza – e valoriza-se com – as “últimas palavras” de Marielle, destacando a sua condenação à intervenção militar na segurança do Rio, que é, na prática, uma intervenção no estado. Entretanto, publica no rodapé uma ressalva que conduz ao editorial, onde defende a intervenção até mesmo como “forma de honrar a memória da vereadora”, que estaria equivocada: os beneficiários da medida seriam justamente “os que ela supunha vítimas”.

Os demais jornais cariocas incorporaram o discurso de protesto: O Globo manchetou “MARIELLE PRESENTE” em maiúsculas, os outros repetiram a indignação da vereadora ao denunciar mais uma morte atribuída à polícia: “Quantos mais terão de morrer para que essa guerra acabe?”

Em tese, a imprensa abraça uma causa que é de “todos”. No entanto, nos editoriais e nos espaços de colunistas, usa esse episódio para inverter a lógica do argumento da vereadora/militante executada e esvaziar sua causa, reforçando a atuação do governo federal: a morte de Marielle e seu motorista seria, para O Globo, “um símbolo contundente do descontrole a que chegou a segurança do Rio, situação de anomia que levou à intervenção federal”. Considerando que o Rio é um “laboratório” – como declarou recentemente o general responsável pela intervenção –, não custa imaginar o que pode acontecer às cobaias. Diante da “insana escalada de violência”, por que não a decretação do estado de sítio?

É a mesma operação discursiva que, em 2013, transformou uma reivindicação contra o reajuste das passagens de ônibus – uma pauta claramente de esquerda, que tinha o alcance mais amplo da luta pela melhoria do transporte público e, no fim das contas, pelo direito à cidade – num protesto contra a corrupção na política, rapidamente identificada ao governo federal, e resultou nas primeiras manifestações de massa de direita desde o golpe de 64, que explodiriam em 2015 e dariam sustentação popular à derrubada de Dilma Rousseff.

A história se repete

Protestos genéricos contra a “violência” têm esse poder alienante. Em 2001, na esteira do episódio do ônibus 174 – um cerco policial a uma suposta tentativa de assalto que resultou no sequestro dos passageiros, transmitido ao vivo por mais de quatro horas, e que acabou com a morte de uma refém e do próprio pretenso assaltante –, criou-se o movimento “Basta! Eu quero paz!”, que convocava para um ato público encampado por toda a mídia. Rara voz dissonante acolhida nos jornais, o historiador Joel Rufino dos Santos escreveu no Jornal do Brasil de 11/7/2001 um artigo no qual rejeitava participar daquela manifestação porque a considerava uma forma de preparar o espírito da população para “indultar os produtores da violência” e dizia que não participaria daquele ato justamente porque os violentos dissimulados, porém mais importantes, também estariam lá.

“Há os que sofrem a violência e os que a produzem. Estes têm interesse em esvaziar a violência do seu conteúdo concreto. Num golpe inconsciente, mas de mestre, mobilizam as vítimas para ato cívico, altamente emotivo, contra a violência. Gritam e fazem a população gritar “Basta!”. Com isso, dão à violência, de que são os produtores, um caráter abstrato. Eximem-se de qualquer responsabilidade. Os violentos são os outros. Na verdade, não são ninguém. Podem, portanto, ser demonizados – livrando a cara deles, os reais produtores de violência. Põem, no lugar sua cara, a cara do pobre-coitado do ônibus 174”.

Hoje, a história se repete. No Jornal Nacional – que abriu sua edição de 15 de março com um editorial que reverberava a indignação dos “cidadãos de bem” –, o senador Jorge Vianna, do PT, aparecia para dizer que “nós não podemos estar nos dividindo, [discutindo] se a intervenção é boa ou não na área de segurança no Rio de Janeiro, eu queria uma intervenção no Brasil inteiro”. E o presidente Temer, como tantos outros políticos aliados, como tantos editorialistas e colunistas, diluía o assassinato de Marielle no caldeirão genérico da insegurança pública: “É inaceitável, inadmissível, como todos demais assassinatos que ocorreram no Rio de Janeiro, é um verdadeiro atentado ao Estado de direito e um atentado à democracia, por isso aliás nós decretamos a intervenção, para acabar com esse banditismo desenfreado que se instalou naquela cidade por força das organizações criminosas”.

A “afronta à democracia”, não por acaso, foi o título do editorial do Globo no dia seguinte.

Por isso é tão importante definir bem as coisas, nesse momento em que as emoções afloram e podem ser tão facilmente manipuladas. Ricardo Queiroz, mestre em Ciência da Informação que trabalha na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Bernardo do Campo, resumiu exemplarmente a questão num post no Facebook:

“Marielle Franco acreditou na via política. Morreu porque se posicionou claramente na luta de classes, demarcou sua posição e sabia quais eram seus inimigos. Impossível despolitizar a sua morte.

Portanto, não é com niilismo, desqualificação da política e discurso difuso, que vamos fazer o combate àqueles que mataram Marielle.

Se até Temer se diz indignado pela morte da jovem, é fundamental o discernimento dessas indignações todas. Para que os responsáveis não se passem por indignados”.

(*) Publicado em Objethos

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Guerra na Ucrânia

União Europeia terá plano emergencial de fornecimento de gás em julho

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Representante anunciou nesta quarta-feira (06/07) que a União Europeia terá plano emergencial para lidar com problemas no fornecimento de gás dentro de duas semanas

Redação Opera Mundi

São Paulo (Brasil)
2022-07-06T14:45:00.000Z

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou nesta quarta-feira (06/07) que a União Europeia terá um plano emergencial para lidar com problemas no fornecimento de gás russo dentro de duas semanas.

"É importante ter uma abordagem coordenada baseada em dois pontos: verificar onde há mais necessidade de gás e como fazer com que esse gás vá para essas áreas. Estamos preparando esse plano porque não queremos que, em caso de emergência, haja 27 diferentes intervenções em nível nacional, como aconteceu no início da covid", pontuou a líder do Executivo ao Parlamento Europeu.

Von der Leyen afirmou que é preferível que cada Estado-membro da União Europeia tenha seu próprio plano interno, "mas se reduzirmos a demanda de energia em alguns setores da economia, isso deve ocorrer sem obstáculos no mercado interno".

A presidente da comissão ainda acrescentou que "o gás e o petróleo devem ser distribuídos onde houver mais necessidade", e alertou que os países-membros devem estar "preparados" para novos cortes no fornecimento dos combustíveis fósseis russos, como vem ocorrendo nas últimas semanas por conta das sanções contra a o país, devido a guerra na Ucrânia.

"Precisamos nos preparar para novas interrupções do fornecimento de gás, até mesmo uma interrupção completa do fornecimento por parte da Rússia. Hoje, ao todo, 12 Estados-membros são diretamente afetados por reduções parciais ou totais no fornecimento de gás. É evidente que [Vladimir] Putin está usando a energia como arma. Por isso, a Comissão está elaborando o plano de emergência europeu", disse Von der Leyen.

Flickr
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, se manifestou sobre o possível corte do fornecimento de gás russo para a Europa

A presidente da comissão também apontou que todas os países europeus já estão "diversificando as fontes" de fornecimento de energia, usando outros parceiros e "se afastando da Rússia":

"Desde março, as exportações globais de GNL para a Europa aumentaram 75% em relação a 2021. Ao mesmo tempo, a importação média mensal de gás russo teve uma forte queda de 33% na comparação com o ano passado. E estamos fazendo mais progressos, mas isso tudo funcionará só se acelerarmos a nossa transição para os renováveis. As mudanças climáticas não vão esperar o fim da guerra de Putin", acrescentou a presidente da Comissão Europeia.

A representante ainda negou especulações de que, por conta do conflito e de questões de segurança, seria necessário "atrasar a transição verde" para focar na segurança do bloco:

"É exatamente o contrário. Se não fizermos nada além de limitar combustíveis fósseis, os preços vão explodir no futuro e vão reforçar Putin. A melhor saída, mais limpa e mais segura da nossa dependência são as energias renováveis", disse.

(*) Com Ansa.

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