Nos últimos dias, Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, sofreu quatro derrotas acachapantes. O Parlamento votou para o Reino Unido não sair da União Europeia sem um acordo. E, apesar de a Casa não aceitar as eleições propostas por Johnson, elas vão acontecer.
À primeira vista, parece que a derrota de Boris Johnson é total. Ele não só perdeu 100% das votações desde que chegou no poder, mas perdeu também sua maioria parlamentar.
Como disse no meu último texto, Johnson está apostando alto. E continua apostando. Mas a queda de braço entre o Executivo e o Legislativo vista nos últimos dias pode não significar uma derrota final. Principalmente considerando que as pesquisas de opinião põem Johnson mais de 10 pontos na frente de Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista.
O novo governo Conservador está quebrando todas as regras: as da constituição não escrita do Reino Unido e também do “gentleman’s agreement” – ou as regras implícitas do ‘acordo entre cavalheiros’ que regem a conduta política do país.
Isto é inédito, principalmente para o Partido Conservador, autodenominado guardião das tradições britânicas.
As perdas de Johnson já eram previsíveis, uma vez que ele incitou a ira dos legisladores suspendendo o Parlamento, não deixando tempo para os parlamentares deliberarem sobre o acordo (ou não-acordo) negociado com a União Europeia. Ele jogou duro, forçando os Conservadores que se rebelassem a escolherem entre apoiar o Primeiro Ministro ou sair do Partido.
O ex-Conservador (agora Liberal Democrat), Phillip Lee, se levantou, atravessou a distância de duas espadas que separam as bancadas de couro verde do governo e da oposição durante a fala do próprio Johnson, assim assinalando de maneira emblemática, que a maioria do primeiro-ministro (de um só parlamentar) se acabava naquele instante.
Para além disso, na terça-feira (03/09), 21 outros parlamentares votaram contra o seu próprio governo, entre eles, dois Conservadores históricos – o ex-ministro de Thatcher Kenneth Clarke, o neto de Churchill, Nicholas Soames, e o ex-ministro das Finanças de May, Philip Hammond.
UK Parliament
Johnson (dir.) em debate com Corbyn (esq.): queda de braço continua
Estes parlamentares foram expulsos do partido. E mais, no jogo de poder interno do partido, se a posição de Johnson prevalecer, estes parlamentares também não poderão representar os Conservadores nas próximas eleições.
Isso significaria a derrota de Johnson? Não necessariamente. Ele foi derrotado na Casa e foi impiedoso e implacável com os seus próprios parlamentares. E é bem verdade que estes ‘rebeldes’, como opositores, possam se tornar uma dor de cabeça eleitoral para o Partido.
Por outro lado, se Johnson ganhar a guerra partidária, ele poderá impor candidatos que farão com que o Partido Conservador esteja unido em relação ao Brexit.
Participei dos protestos em frente ao Palácio de Westminster. O que vi me deixou temerosa. O ato, que deveria ser multipartidário e abrangente, era formado principalmente pela esquerda e liderado somente pelo Labour Party.
As pesquisas de opinião mostram que, com eleições pendentes, os Conservadores têm grande chance de ganhar. Principalmente se o Brexit Party de Nigel Farage decidir se aliar aos Conservadores e não propor candidatos em distritos onde o partido do primeiro-ministro tiver maioria.
Johnson perdeu no parlamento, mas espera ganhar nas ruas. Porém esta é a mesmíssima jogada de May, que só conseguiu reduzir sua maioria nas eleições de 2017.
Além do mais, se há algo que Corbyn sabe fazer bem, é campanhas eleitorais, e também não se pode subestimar a força do exército de jovens apoiadores que asseguraram ao Partido Trabalhista a manutenção de seus distritos eleitorais.
Por outro lado, a oposição continua totalmente dividida, como o ato na frente do Parlamento demonstrou.
O futuro está muito incerto para previsões. Mas se nem Boris ou Corbyn fizerem maiorias, será necessária uma aliança entre os Trabalhistas, os Liberal Democratas e os Nacionalistas Escoceses para derrotar os Conservadores. Coisa difícil de se cogitar no momento.