Morreu nesta quinta (19/12) Alba Zaluar, autora de A máquina e a revolta e intelectual que enfrentou com coragem rara os discursos violentos que deram no que deram.
Alba foi ameaçada por conta do que escrevia publicamente. Não se curvava e mantinha-se no combate de ideias.
Tenho certeza que aquilo que escrevia semanalmente influenciou tantas pesquisas e enfrentamentos ao desrespeito aos direitos humanos quanto o seu trabalho na academia.
Nos últimos anos, discordei frequentemente de Alba, e ousei eventualmente manifestar essas discordâncias políticas.
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O que quer que tenha sido, não mudou essa imagem positiva que tenho dela: a da intelectual progressista, atenta e pública. Alba fazia sociologia e antropologia públicas, aberta democraticamente ao debate com a sociedade.
Depois de anos na vanguarda da defesa dos direitos humanos para além da classe média, me parece que o campo que ela no Rio representou tão bem quanto o NEV o fez em São Paulo vive um impasse: o projeto de reforma que defendiam foi derrotado, justamente por aqueles com que eram alvo de críticas honestas e propositivas.
A coluna que reproduzo abaixo dela, de 2007, representa bem essa essa constatação de derrota: talvez por ter sido escrita durante os anos Lula, ela até explique parcialmente o antipetismo militante de Alba nos últimos anos.
Não sei apontar uma saída tanto intelectual quanto política para o problema da violência, uma vez que não sou especialista na área, que acompanho como jornalista e cidadão.
Acho no entanto que é preciso compreender o que há de estritamente político e histórico na questão. Retomando um modo de falar antigo, diria que a análise sincrônica da violência, que parecia funcional para um debate com os setores que se queria reformar (polícia e justiça), se mostra, no momento, absolutamente ineficaz, e vivemos a angústia do bloqueio à pauta com as mais variadas falácias.
Para superar esse muro de incompreensões, talvez a gente tenha de recorrer a velhos métodos. Se me inspirar, falo disso outro dia. Compartilho, por enquanto, o texto da Alba.
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São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Pré-conceitos
“TODO FAVELADO é cúmplice dos traficantes”; “o usuário de drogas é o culpado pela violência nas cidades brasileiras”; “todo sociólogo e antropólogo defensor dos direitos do cidadão não entende nada do problema”. Com tal coleção de justificativas, é claro que não fica nada para criticar na ação da polícia nas favelas do Rio de Janeiro.
No entanto, nem toda favela tem comando de traficante armado até os dentes; nem toda cidade deste planeta, especialmente nos países onde há muito mais usuários de drogas ilegais, apresenta o quadro de violência daqui. Finalmente, em outros Estados da Federação, há colaboração entre a universidade e a polícia, entre sociólogos e policiais. Exageros à parte, não aproveitar o conhecimento adquirido por métodos científicos tem nome: obscurantismo.
E o que mostram as pesquisas realizadas? Que o conflito entre a Falange Jacaré e o Comando Vermelho já existe há décadas, sendo fruto de um sistema prisional falho. Este sistema permitiu que prisioneiros mais fortes, ricos e agressivos convivessem, na mesma cela, ala ou prisão, com pequenos delinquentes, que sempre foram oprimidos e extorquidos pelos primeiros. O Comando Vermelho surgiu para acabar com esta opressão dentro da prisão nos anos 1970. A Falange virou Terceiro Comando ainda no regime militar, quando o tráfico de cocaína começou a se espalhar pelo Brasil.
Pouco a pouco, os comandos descobriram que o tráfico de drogas ilegais era uma forma de ganhar dinheiro fácil e continuar a extorquir dos envolvidos, dentro e fora da prisão, tudo aquilo que é necessário para viver bem e dominar quem não for chefe. Inimigos, deixaram os assaltos para se tornar comerciantes em guerra mortal.
O dinheiro ganho nas bocas vai para os líderes dos comandos fora e dentro da prisão. Gerentes, vapores, soldados e olheiros, quando presos, não ganham nada; livres, ganham percentual ínfimo dos lucros. Uma “empresa” sem nenhum direito trabalhista. Já há muitos desiludidos que compreendem que se arriscaram para defender o que não era deles.
Nada disso justifica, portanto, que policiais cacem e matem quem deveriam prender para investigar melhor os meandros dessa empresa tão lucrativa e tão violenta. Fora os danos à imagem da polícia, há os prejuízos na informação acerca dos fornecedores de armas e drogas que, presos, dariam.
Como pode um policial se apresentar como defensor da lei se viola a lei, seja por se corromper, seja por matar até jovens desarmados? Não se trata de direitos humanos, mas dos direitos civis do favelado, inscrito na Constituição vigente.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.