Carta ao deputado Daniel,
Deputado Daniel Silveira, desculpe se eu me escuso aqui de usar o tratamento “nobre” deputado. As circunstâncias não o permitem, espero que compreenda. Por sua vez, o senhor citou o “excelentíssimo” ministro Alexandre de Moraes, que o senhor mesmo tão enfaticamente ofendeu com palavras também inapropriadas de reproduzir, ao apresentar suas desculpas por ter se “excedido” com as palavras: “emocionar-se”, disse o senhor, é “normal”.
Peço a licença para lhe informar: não, deputado, não é “normal” se exceder dessa maneira. E parece que o senhor descobriu que também não é legal. Não me refiro ao sentido de “não ser legal” como não ser bacana. O que também não o é nem um pouco, né, deputado? Preciso-me: exceder-se desse modo, além de imoral, é ilegal. Mesmo. Pode dar prisão. E acredito que o senhor não soubesse que sua imunidade não fosse tão absoluta quanto pensava. O senhor não pode sair por aí cometendo crimes. Sim, deputado, cometem-se crimes por meio de palavras. Já tentei explicar em artigo anterior: calúnia, difamação, assédio moral e sexual são crimes cometidos com palavras.
Enfim, o que o senhor fez foi testar os limites da democracia. Mas, como se diz por aí: “deu ruim”. O senhor julgou que poderia fazer uso das “garantias democráticas” para tentar angariar apoio para sua causa totalitária com o claro objetivo de abalar os fundamentos da democracia.
Mas a democracia não é a instituição idiota que o senhor julga. Hoje, um tanto cabisbaixo e acabrunhado, o senhor usou várias vezes, em sua defesa, a palavra “respeito”, cujo significado o senhor sempre pareceu desconhecer.
Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Deputado recorre a argumentos de autoridade para convencer o plenário de que a manutenção de sua prisão representaria um risco
Afinal, o senhor se sentiu um tanto empoderado desde que orgulhosa e espalhafatosamente quebrou a placa Marielle Franco com laivos de crueldade. E foi eleito! Quem sabe isso não o fez pensar que o senhor pudesse tudo, não?
Agora, o senhor aparenta humildade diante de sua frustrada certeza em uma “imunidade material e processual absolutas” e recorre a argumentos de autoridade para convencer o plenário de que a manutenção de sua prisão representaria um risco à imunidade parlamentar e à independência dos poderes. Boa jogada, hein, deputado?
De qualquer modo, eu me felicito com seu recuo, não porque acredite na sinceridade de suas palavras, que não acredito. Eu me felicito porque o senhor se sentiu obrigado a recuar. E o que o obrigou a recuar foram os limites previstos pelo Direito Democrático para defender a democracia de gente capaz de recorrer à baixeza moral e de insuflar o discurso de ódio para tentar abalar a própria democracia. Como, a propósito, o senhor fez. O senhor sabe.
O senhor disse que teve a oportunidade de refletir nesses dois dias de prisão. Eu, sinceramente, (sentimento que o senhor também desconhece) espero que lhe deem muito mais que dias, quem sabe, meses – eu sonharia anos -, para que o senhor pudesse refletir bastante mesmo. Pois, diante de suas atitudes e palavras, eu tenho pra mim que gente como o senhor precisaria, na verdade, de mais uma vida inteira para, de fato, refletir e aprender alguma coisa sobre valores democráticos, dignidade humana, respeito – esses princípios todos que, suas atitudes o revelam, o senhor despreza.
De qualquer forma, espero que aproveite a estada e o tempo que lhe for concedido. Que não seja breve!
Aquele abraço!