Guimarães Rosa tem um conto magnífico que começa com a frase “Aquela noite foi de Oh!”. Com isso expressava o maravilhamento infantil diante de uma noite extraordinária. Joseph Conrad usa, na sua obra mais famosa depois adaptada para o cinema, a expressão “O horror…, o horror…”, como clímax e resumo dos limites da degradação humana.
Esta semana mereceria as duas interjeições. Os dois países do mundo com maior número absoluto de infectados e mortos pela covid-19 atingiram patamares conradianos. Meio milhão de mortos nos Estados Unidos, um quarto de milhão de mortos no Brasil. Mais do que os mortos norte-americanos da segunda guerra mundial lá, mais do que os mortos da Guerra do Paraguai aqui.
Lá, a Casa Branca foi objeto e cenário de uma cerimônia de luto, com a decoração adequada e os dois casais, do presidente e da vice, vestidos – e obviamente com máscaras – de maneira adequada à ocasião.
Aqui o Bolsomóvel, a comitiva do capitão que nunca saiu da campanha pela reeleição, comemorou o quarto de milhão andando de lancha, promovendo aglomeração sem máscaras e achando normal que seu general amestrado confunda Amazonas com Amapá.
Lá, o luto se dá em meio à acentuada queda no índice de contaminação (ainda alto) e aceleração dos processos de vacinação. Num país que não tem nada parecido com o nosso SUS e em que estados e municípios tem enorme autonomia, os números já indicam que com apenas um mês, a remoção de Trump teve enorme efeito terapêutico.
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É pior do que incompetência. Chama-se genocídio doloso.
Aqui joga-se nas variantes do vírus a responsabilidade pelo colapso do sistema hospitalar em todas as capitais do país, as curvas de contaminação e mortes não param de subir e os cientistas avisam que o país está à beira de uma catástrofe que se mostrará com força nas próximas semanas.
Esta semana de horror começou com a divulgação de uma pesquisa feita por centros de excelência paulistas que decidiram perguntar o que acontece… depois que alguém recebe alta da doença.
Os resultados são até agora conradianos. Uma em cada quatro pessoas que receberam alta depois de internadas em UTI morreu nos seis meses seguintes. Os atendidos em enfermaria e mesmo os assintomáticos apresentam sequelas motoras ou cognitivas de toda ordem. Da já sabida perda de paladar e olfato até dificuldades motoras ou perda de memória.
Isso significa que a estratégia de imunidade de rebanho via contaminação adotada pelo governo brasileiro, além de um número ainda inimaginável de mortos, deixará um país de sequelados.
Falar em estratégia significa assumir que nem mesmo um governo de generais amestrados e que não sabem onde fica o Equador conseguiria ser tão incompetente. É pior do que incompetência. Chama-se genocídio doloso. E atingirá até mesmo os “maricas” que usam máscara e tentam se proteger.
Se a tudo assistimos, uns poucos felizes com os lucros indecentes, outros muitos deixando da mão de Deus e outros ainda, impotentes, é porque já somos um país de sequelados morais.
*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos