No emblemático embate entre o general franquista Millán-Astray e Miguel de Unamuno, de que falamos semanas atrás, havia um corolário para o slogan Viva la Muerte!
Para que este pudesse prevalecer, não apenas pela força das armas, mas pela conquista de mentes e corações, era preciso que a inteligência perecesse. Como sabia o reitor, para convencer há que persuadir.
Nos últimos anos foi demonstrado que toda crença ou convicção tem um forte viés de comprovação ou, em outras palavras, somos muito mais sensíveis e abertos a fatos, argumentos ou provas que venham confirmar nossas convicções prévias do que àqueles que as refutem.
Mas só visões apocalípticas consideram o viés de confirmação como dado absoluto. Se é verdade que nos extremos haverá quem negue a mais brutal das evidências, também o é que, no mundo real, os fanáticos existem, mas não são a totalidade dos seres humanos.
Ou seja, ainda existe sim, a possibilidade de que as pessoas mudem de opinião diante de evidências, denúncias, argumentos ou, melhor ainda, impactos diretos sobre sua vida.
Quando familiares e amigos estão desempregados fica mais difícil acreditar em quem diga que o desemprego diminuiu. Diante do caixa do supermercado fica mais difícil acreditar nos números da inflação. Quando amigos ou conhecidos jovens morrem de covid-19 ou estão intubados há semanas fica mais difícil aceitar o conto da gripezinha.
É por isso que para que a Muerte viva é necessário que a Inteligência morra ou seja amordaçada. É preciso anular os intelectuais e os cientistas que verbalizam o que não interessa ao poder e é preciso também eliminar os instrumentos que a inteligência usa.
Se o poder não puder destruir fisicamente os intelectuais – e as instituições em que se abrigam – pode tentar desmoralizá-los (sexo, drogas e balbúrdia) ou asfixiar as suas condições de trabalho (cortes orçamentários) ou pressioná-los ao exílio, por falta de opção ou simplesmente por ameaças de morte a suas famílias.
É por interesse, e não por ignorância, que as instituições e comunidades de inteligência – lembrando que a palavra também tem um sentido de informação – estão sob ataque permanente.
Asfixiar universidades, cortar milhares de bolsas de pesquisa, indicar blogueiras para dirigir instituições de patrimônio, desmoralizar a CAPES, desmontar os sistemas de controle de desmatamento ou simplesmente impedir a realização do Censo, isto é, de saber quem e quantos somos, onde e como vivemos os brasileiros, é a expressão do elogio à morte, mas é também o desespero de ver que a cada pesquisa diminui o número dos fiéis.
Só serve de alívio se esquecermos que animais raivosos e encurralados são muito perigosos.
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É por interesse, não por ignorância, que as instituições e comunidades de inteligência estão sob ataque permanente
*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos