Um dos banqueiros mais importantes do país teve, nesta semana, um áudio vazado de uma reunião em que escancara, mesmo que se dê algum desconto para um possível exagero da sua própria importância, a escandalosa promiscuidade entre o capital financeiro e as altas autoridades de nossa ex-República.
André Esteves é o principal acionista do banco BTG Pactual e não é irrelevante lembrar que o G da sigla é o de Guedes, que foi um dos sócios. Tampouco é irrelevante lembrar que, entre outras coisas, ele é o atual dono da Editora Abril, das revistas Veja e Exame, incidindo, portanto, de forma direta na composição da chamada opinião pública.
Numa conversa com investidores, cujo áudio está à distância de um clique na internet, ele desfila, com a arrogância dos donos do país, a familiaridade e a cumplicidade entre o grande capital financeiro e os principais responsáveis pela condução da política econômica do país.
E não é demais lembrar que essa expressão tão repetida quanto desnaturada é composta por três palavras que têm, cada uma, o seu próprio peso. Ou deveriam ter. Ou precisam urgentemente voltar a ter.
“Política”, isto é, não apenas negócio. “Econômica” quer dizer não apenas financeira ou especulativa. “Do país” significa, ou deveria significar, para toda a população e não apenas para os 0,01% que abocanham quase metade da renda nacional.
Nesse sentido, o áudio é particularmente instrutivo. A conversa em tom descontraído, a liberdade para fazer piadas com os governantes, o coloquialismo próprio dos poderosos, gira em torno dos investimentos deles. Taxa de câmbio, política de juros, os pontos da bolsa.
Wikicommons
Declarações vazadas de André Esteves mostra a cumplicidade entre capital financeiro e representantes públicos da Economia no país
Os milhões de desempregados, a fome atroz dos que disputam um osso nos sacos de lixo estão fora, para usar uma expressão que eles gostam muito, “fora do radar”. Mas em certos momentos se explicitam, sempre com o mesmo tom de naturalidade, a intimidade com as autoridades políticas ou, melhor, a subserviência das tais autoridades.
Assim é elucidativa a informação de que foi Arthur Lira, que telefonou para ele – e não o contrário – para perguntar o que fazer quando a equipe de Guedes “pulou fora do barco”.
O presidente da Câmara dos Deputados, que gosta de lembrar que estes são os representantes da população, pergunta a um banqueiro como lidar com uma questão eminentemente política, as defecções de uma parte da equipe do Ministro da Economia.
Igualmente elucidativo é a tranquilidade com que ele transmite aos seus investidores a segurança que a política “está dominada”. Afinal, diz ele, se o Lula ganhar, não tem problema, o (Roberto) Campos, presidente do Banco Central,” tem dois anos de mandato”. Essa, explica, “é uma grande conquista nossa”.
Sabíamos. Mas agradecemos que traduza de maneira tão clara o mantra da “independência do Banco Central”. Isso significa que o presidente eleito pelos brasileiros não manda no Banco Central. Quem manda são os banqueiros.
Se fosse um político e se estivéssemos num país em que o vazamento dessas confidências ainda tivessem algum impacto, talvez chamássemos de sincericídio. Em se tratando de um banqueiro, no Brasil de hoje, desconfio que ele esteja até se divertindo com a repercussão, como a turma do jantar que Naji Nahas ofereceu a Temer.
Não é sincericídio. É só a desfaçatez dos donos do mundo.
(*) Carlos Ferreira Martins é professor, com muito orgulho, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos