Mudam os governos dos republicanos e democratas na Casa Branca, mas as estratégias de tensão sistemática e de desestabilização do Estado profundo (a estrutura secreta que está acima das aparências democráticas e nas costas da opinião pública dos EUA) contra países considerados inimigos de Washington permanecem. Uma constante nas últimas duas décadas tem sido as políticas de mudança de regime contra a Venezuela. O objetivo: petróleo. E também para eliminar um modelo político alternativo ao domínio dos EUA na América Latina e Caribe.
Neste momento, seguindo o padrão do conflito ucraniano na Europa, o governo democrata de Joe Biden continua a política do seu antecessor, o republicano Donald Trump, utilizando a Colômbia como plataforma de agressão contra a Venezuela. Desde o final de 2021, Washington tem vindo a utilizar o governo mercenário de Iván Duque para ativar linhas de tensão na fronteira do rio Arauca entre a Colômbia e a Venezuela, uma importante região geopolítica e geoestratégica devido ao seu acesso a reservas de petróleo e gás, água doce, minerais, biodiversidade e outros recursos naturais.
A sucessão de acontecimentos violentos provocados por grupos armados colombianos paramilitares infiltrados no Estado venezuelano de Apure, limítrofe do departamento de Arauca, Colômbia, procura atrair o governo de Nicolás Maduro para uma guerra semelhante à que a Otan tem provocado na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Sobre isso, não se esconde a profunda relação entre o governo do “uribista” Iván Duque e os grupos narco-paramilitares Los Rastrojos, Los Urabeños, as Autodefensas Gaitanistas de Colombia e Águilas Negras – sob a supervisão da DEA e do embaixador dos EUA, Philip Goldberg, que desestabilizou a ex-Iugoslávia em 1999 e foi expulso da Bolívia em 2008 por conspirar contra o governo de Evo Morales – semelhante ao do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky com grupos paramilitares neonazis.
Em 2013, o então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, assinou um acordo com a Otan como “parceiro global” (ou “extra-Otan”), estabelecendo o país sul-americano como um cavalo de Tróia regional desta força militar multinacional comandada pelos Estados Unidos, que reclama o direito de intervir em qualquer parte do mundo.
Em janeiro deste ano, o Ministro da Defesa venezuelano, general Vladimir Padrino López, denunciou a projeção latino-americana da Otan com a Colômbia e a sua rede de bases militares como “peões” e a presença cada vez mais determinada dos meios militares e navais da aliança atlântica na zona de influência da Venezuela. Padrino referia-se não só ao acordo entre a Colômbia e a Otan, mas também ao segundo treinamento conjunto entre as forças armadas brasileiras e norte-americanas no âmbito da iniciativa Operações Combinadas e Exercícios Rotativos (CORE), assinada em outubro de 2020, para “aumentar a interoperabilidade” entre as suas forças armadas.
NATO
Paramilitares colombianos na fronteira buscam atrair Caracas para guerra semelhante à que a Otan tem provocado entre Rússia e Ucrânia
As recentes revelações sobre as manobras militares do Exército argentino em 2019, para uma invasão da Venezuela sob o comando do Comando Sul do Pentágono, demonstram que Trump e o seu trio de psicopatas – John Bolton, Mike Pompeo e Elliot Abrams – estavam à beira de gerar um conflito militar no coração da América do Sul. Nesse momento, após a fabricação do fantoche Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela (reconhecido pelo então presidente argentino, Mauricio Macri) e no âmbito de uma campanha de intoxicação propagandística dos meios de comunicação, típica de guerra híbrida e/ou de quarta geração – que empregou recursos diplomáticos, militares, de inteligência e econômico-financeiros – Washington, com o apoio da Otan e do Grupo de Lima, tentou derrubar o governo legítimo de Maduro através de um golpe de Estado fracassado que seria seguido de uma “intervenção humanitária” por parte de alguns exércitos da região. Uma manobra imperial para terceirizar a guerra, onde a tarefa do exército argentino era garantir a segurança de um “corredor humanitário” na fronteira da Colômbia e Venezuela, enquanto o seu homólogo brasileiro cobriria o corredor a partir das cidades de Boa Vista e Pacaraima, no estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela.
Como parte da atual estratégia de tensão, não é estranho a Washington o fórum anticomunista organizado em Bogotá pelo partido de extrema direita espanhol Vox, com a participação de setores conservadores de vários países da região e de dissidentes cubanos e venezuelanos. Washington também sabe que as reuniões são patrocinadas pela rede de lobby ultra-capitalista Atlas Network, que apoia os presidentes Duque, da Colômbia, e Guillermo Lasso, do Equador, bem como a Fundação Internacional para a Liberdade, do escritor Mario Vargas Llosa, e a Fundação Friedrich Naumann da Alemanha.
Estes encontros são utilizados pelos círculos de inteligência dos EUA para fabricar e promover agentes dos meios de comunicação social que servem suas campanhas de desestabilização contra a Venezuela, Cuba, Bolívia, México e Nicarágua. A título de exemplo, há o caso de Agustín Antonetti, um argentino de 21 anos promovido pela Rede Atlas em vários meios de comunicação regionais (Infobae, CNN, Radio Argentina, o jornal pró-Fujimori Expreso, no Peru) e nomeado a personalidade do ano pela Fundación Libertad, ligada a Macri, que desempenhou um papel importante nas campanhas do Twitter contra o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, com a hashtag #AMLOVeteYa; contra o governo cubano com #SOSCuba e #15NCuba; antes e durante o golpe de estado contra o ex-presidente boliviano Evo Morales com #EvoDictador; e o atual presidente Luis Arce, com #SOSBolivia.
Neste contexto, os EUA procuram reposicionar a narrativa da Venezuela como um Estado fracassado e utilizando o tráfico de droga colombiano como ponta de lança para gerar um conflito multifacetado no eixo fronteiriço Colômbia-Venezuela, justificando a presença da Otan com a vaga doutrina da Responsabilidade de Proteger (R2P).
*Carlos Fazio é jornalista e professor na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)
Publicado orginalmente em La Jornada