Recentemente Ibrahim Traoré, presidente de Burkina Faso, voltou aos noticiários internacionais ao aprovar uma nova legislação que criminaliza a homossexualidade. O ministro da Justiça do país, Edasso Rodrigue Bayala, anunciou que o novo Código Familiar “consagra a proibição da homossexualidade”.
Para compreendermos a complexa relação entre a África e as leis anti-LGBT é fundamental olhar para o período pré-colonial. Antes da chegada dos europeus, diversas sociedades africanas possuíam concepções de gênero e sexualidade bastante distintas das normas ocidentais. Muitas culturas africanas não aderiam a uma visão binária de gênero e não associavam a identidade de gênero exclusivamente à anatomia. A perseguição e a criminalização da diversidade sexual, características marcantes das leis anti-LGBT atuais, são produtos diretos da colonização e da imposição de valores europeus.
A história da sexualidade e da identidade de gênero é rica em nuances e contradições. Entre os séculos XVI e XIX, a Inglaterra criminalizava relações entre pessoas do mesmo sexo (os últimos homens a serem condenados à morte por enforcamento na Inglaterra foram em 1835, por se envolverem em sexo homossexual). Outras culturas, como a do antigo Egito, quase 5000 anos antes, celebravam tais relações e reconheciam a existência de um terceiro gênero. As tumbas de Niankhkhnum e Khnumhotep, um casal de homens abraçados enterrados juntos (2400 a.C.), encontradas no Egito, são um testemunho dessa aceitação.
A diversidade de expressões de gênero e sexualidade era comum em diversas partes do mundo africano. No século XVI, o povo Imbangala de Angola tinha homens que adotavam papéis femininos, enquanto no século XIX o rei Mwanga II de Buganda (atual Uganda) era abertamente gay e lutava contra a colonização. Povos africanos como os Igbo, Yoruba e Dagaaba possuíam sistemas de gênero mais fluídos, baseados em energia ou em escolhas individuais, desafiando a dicotomia masculino-feminino. Essa variedade histórica demonstra que as normas de gênero e sexualidade são construções sociais e culturais, sujeitas a mudanças ao longo do tempo e entre diferentes sociedades.
No entanto, a partir dos séculos XIX e XX podemos perceber não só o surgimento das primeiras leis anti-LGBT, atreladas ao domínio cristão-britânico, sendo a homofobia legalmente imposta por administradores coloniais e missionários cristãos em algumas de suas colônias, como o avanço da população cristã na África subsaariana, que salta de 9% em 1910, para 63% em 2010. Ainda que os processos de emancipação e independência tenham eclodido no continente africano a partir da década de 1960, o legado colonial arraigou na população de diversos países africanos a homofobia como parte da cultura.
No contexto econômico do mundo global, muitas nações ocidentais condicionam ajudas humanitárias e econômicas a atitudes voltadas para o respeito aos direitos humanos, o que em qualquer circunstância que não o paternalismo presente nas nações coloniais faria o maior sentido, por exemplo, quando o ex-primeiro-ministro inglês David Cameron ameaçou retirar a ajuda de Uganda, pois eles “não estavam aderindo aos direitos humanos adequados”, o conselheiro presidencial respondeu com “Mas esse tipo de mentalidade ex-colonial de dizer: ‘Você faz isso ou eu retiro minha ajuda’ definitivamente deixará as pessoas extremamente desconfortáveis em serem tratadas como crianças.”
A mudança legislativa em relação aos direitos LGBT na África não será simples ou linear. A resistência à imposição de valores ocidentais, aliada ao ceticismo histórico em relação ao colonialismo, cria um contexto complexo. Rejeitar leis pró-LGBT é, para muitos africanos, uma forma de afirmar sua autonomia e identidade cultural.
Essa resistência, no entanto, se entrelaça com outras questões, como a homofobia enraizada em contextos religiosos e a associação equivocada entre homossexualidade e HIV/AIDS. Essa última, agravada pela crise da AIDS na África, reforçou estigmas e preconceitos, dificultando ainda mais a luta por direitos. Essa crise levou os africanos a associar o HIV/AIDS e a morte como uma consequência de ser gay, semelhante às atitudes norte-americanas e até brasileiras em relação ao HIV/AIDS durante a crise da década de 1980.
Dessa maneira, como podemos perceber a mudança nas legislações anti-LGBT no continente africano? Principalmente: fora da influência externa do ocidente. O papel central dos movimentos sociais na construção das novas democracias aqui é fundamental. Tal qual no Brasil os movimentos Negro, Indígena, LGBT e outros conquistaram avanços importantes de dentro das estruturas políticas locais, o futuro do continente africano será definido pelo próprio continente e seus agentes; estes sim promoverão a mudança que o ocidente tanto anseia impôr.