As “Medidas do grupo de monitoramento dos impactos do Convid-19 pandemia” – assim mesmo, sem vírgula – apresentadas pelo ministro Paulo Guedes na tarde desta segunda-feira (16/03) formam um conjunto de fake oldies. Ou seja, medidas velhas com zero de dinheiro novo, empacotadas num power point tosco para ludibriar a platéia.
O centro do arrazoado consiste em enfiar goela abaixo do distinto público três imensas roubadas. Guedes e sua turma as chamam de “medidas estruturantes”, lugar-comum em economês de quinze anos atrás. São elas: o PL da Eletrobrás, o Pacto Federativo e o Plano Mansueto. E mais não se explica no PPT.
Vamos aos três tópicos. O Projeto de Lei da Eletrobrás trata da venda de uma das mais importantes estatais brasileiras, que conforma o coração de nosso sistema elétrico. Com o PL, o Estado perde qualquer capacidade de regulação e planejamento na área de energia e entrega mais um setor estratégico às hienas do mercado. É a grande esperança do financismo de extrema direita para angariar alguns caraminguás e realizar um voo de galinha numa economia que não decola por suas próprias forças.
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A proposta de emenda constitucional do Pacto Federativo atinge não apenas a Constituição de 1988, como tópicos consensuais na institucionalidade, estabelecidos desde a Carta de 1934. Através de uma pretensa autonomia dada a estados e municípios, quebra-se a vinculação orçamentária em áreas como saúde e educação, permitindo aos entes federados baixar os borderôs de tais áreas.
Por fim, o Plano Mansueto estabelece oito pré requisitos para que um estado ou município consiga aderir a um pacote de financiamentos federais. Entre seus pontos estão a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento e de gás. Além disso, torna-se essencial acabar com estabilidade e outros direitos do funcionalismo público.
São três medidas complementares de matriz ultraliberal que apresentam dificuldades de tramitação na Câmara. São medidas que desarmam o setor público em seus três níveis para atuar em situações normais e de crise. Nelas concentra-se a máxima guediana – externada em entrevista à Folha de S. Paulo – de “transformar a crise em reformas”. Chantagem da grossa.
Planalto
Guedes jogou palavras ao vento e explicou mal o ‘monte de letras’ que não pode ser chamado de ‘plano’
A partir desses pontos, passa-se mel na boca das forças vivas da nacionalidade, sem que exista um mísero tostão de dinheiro novo injetado na economia. Planeja-se – para “a população mais vulnerável” – antecipar a primeira parcela do 13º de aposentados e pensionistas do INSS para abril, reforço do bolsa-família (que visa tão somente reincorporar centenas de milhares de famílias que foram retiradas do programa e zerar a fila de espera) e transferência de volumes não sacados do PIS/PASEP para saques do FGTS entre outros. Repete-se: dinheiro novo, nem meia pataca.
Não há proposta para a geração de empregos, mas para sua “manutenção”. Todas são remanejamentos de verbas dentro do organograma orçamentário de maneiras a não furar o sacrossanto teto de gastos, como indicam 11 em cada dez economistas neoliberais ouvidos pela imprensa desinteressada.
Especificamento para o combate à pandemia, há algumas isenções tributárias para importação de equipamentos hospitalares e – again! – zero de dinheiro novo. Nada de injeção de verbas no SUS para a ampliação de leitos, aumento da capacidade hospitalar, uso do exército para a construção de hospitais de campanha etc. etc.
Guedes jogou palavras ao vento e explicou mal o “monte de letras” que não pode ser chamado de “plano”. É bolsonarismo em estado puro: anuncia-se uma coisa, desdiz-se em seguida e alardeia-se como grande esforço “estruturante”, para não mudar nada na atual política arrasa-quarteirão.
Dá para imaginar como essa salsicha foi produzida. Alguém incumbido por Paulo Guedes deve ter elaborado a coisa hoje cedo, entre o café da manhã e a primeira ida ao banheiro, para ser apresentada à tarde como salvação da lavoura. Para acabar com a saúva da hora, nada foi proposto.
*Publicado originalmente no Facebook do autor