Calendário eleitoral em curso, convenções partidárias e federativas realizadas, consenso e dissenso em pauta. A beleza do processo eleitoral é a possibilidade de fortalecer o diálogo entre as agremiações partidárias e federativas em atuação, vislumbrando cenários de comandos coletivos municipais.
A cidade é o território em que vivemos de verdade. Digo isso porque quando acordamos e colocamos nossos pés no chão, tocamos a terra do município, ente mais próximo de cada cidadão brasileiro. É o Município o nosso chão verdadeiro. O Estado e a União são construções histórico-políticas, são uma ficção jurídica criada em lei. São formados a partir de vários municípios, as pecinhas desse grande quebra-cabeças que é nosso país.
Sem a pecinha menor, o quebra-cabeça não existiria. Contudo, ainda é possível dizer que as pecinhas pequenas não têm seu valor reconhecido na grandeza da sua importância na conformação da Federação brasileira, situação que reverbera no funcionamento dos Partidos Políticos e das Federações Partidárias.
Acompanhando alguns cenários eleitorais municipais, é possível constatar como a realidade municipal vem sendo desconsiderada pelas instâncias nacionais das Federações Partidárias e dos Partidos Políticos.
As Federações Partidárias estatutariamente atuam por consenso, o que significa que as decisões têm que ser tomadas por unanimidade de seus membros. Isso aplica-se atualmente às três Federações Partidárias existentes: a Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV), a Federação PSDB Cidadania e a Federação PSOL-Rede.
O debate sobre o consenso é complicado nos contextos municipais, em vista das disputas de poder e representação existentes serem vivas nos territórios. Elas têm corpo, são muitas vezes decorrentes de processos históricos locais e exprimem as particularidades desse país diverso em que vivemos.
Em muitos casos, não há consenso dentro dos partidos que compõem a Federação, e é aí em que as instâncias superiores são acionadas e passam a decidir o rumo a ser tomado. O que tem sido verificado é que muitas vezes a decisão dessas instâncias superiores simplesmente não dialoga com a realidade local.
As instâncias municipais das Federações Partidárias não podem ser meras filiais das Comissões Executivas Nacionais, replicando no território onde a vida acontece ― os municípios ― as regras e acordos feitos no âmbito nacional. O caminho deveria ser o inverso: as instâncias municipais das Federações, por meio de mecanismos democráticos, deveriam ser ouvidas para que dessem elementos para a atuação das instâncias nacionais, valorizando as características de cada território e, por conseguinte, fortalecendo as lideranças locais na busca da elaboração de uma decisão de consenso.
As Federações Partidárias reafirmaram a verticalização da tomada de decisões, evento já conhecido da prática de muitos partidos políticos, com pouca transparência, criando, no âmbito municipal, muitas vezes, a fragilização dos partidos mais fortes que as compõem, e facilitando arranjos locais com agremiações políticas partidárias que existem apenas formalmente, mas não possuem atuação política e tampouco militância.
É preciso alterar essa lógica, que desconsidera as lideranças locais, as articulações e os arranjos do lugar em que vivemos. Ter ousadia de escutar as bases partidárias, de construir coletivamente as propostas e os acordos e valorizar os protagonismos que surgem no território, por formas democráticas de participação, sempre respeitando os princípios e objetivos partidários e federativos partidários estatutários.
A mudança que se faz necessária é da cultura político partidária, e neste caso discutida, das Federações Partidárias, já que são os estatutos delas que estabelecem esse regramento, que determina de forma descendente a vinculação das decisões políticas tomadas no âmbito nacional para os municipais, sem ouvir e dialogar com as lideranças locais, deixando de discutir os detalhes e as minúcias da realidade política do território de vida de todos nós, de forma a possibilitar a elaboração conjunta de novos rearranjos políticos.
A forma atual com que os dissensos vêm sendo decididos desestimula a participação política, fragiliza as lideranças locais com atuação reconhecida e possibilita a ação de partidos políticos sem efetiva atuação nos territórios, meras criações formais, enfraquecendo a democracia brasileira. Se é nos municípios que a vida acontece, é neles em que a participação e as decisões político partidárias devem ser disputadas, ouvidas previamente, e discutidas em conjunto, antes que a decisão final seja tomada. A autonomia municipal partidária e federativa partidária não deveria ser substituída por uma decisão nacional tomada sem a sua escuta, o seu convencimento prévio ou a construção de um rearranjo local político dialogado.
(*) Renata Martins Domingos é advogada, Mestre em Direitos Humanos e já trabalhou em várias campanhas eleitorais assessorando juridicamente candidaturas. Também já foi gestora pública e exerceu o cargo de Secretária de Saúde da Prefeitura do município de Conde, na Paraíba.