Já comentei neste espaço sobre o documento que “celebra” os 75 anos de existência da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Na ocasião, destaquei a ênfase dos membros da OTAN em uma política de contenção da aliança sino-russa e as reiteradas manifestações de receio quanto à expansão do poder econômico e militar da China, bem como quanto à progressiva ampliação da influência política e cultural do país asiático no mundo, em especial no próprio continente asiático e na África, bem como na América Latina.
Em outra ocasião, ao comentar a ampliação do financiamento para armamentos e a escalada bélica na Ucrânia e o perigo nuclear, nomeei a OTAN de “clube da guerra”, enfatizando o caráter expansionista e agressivo da aliança, a despeito de seu discurso defensivo. Os fatos seguem confirmando nossas conclusões: agora o clube prepara a articulação de sua marinha de guerra, posicionando-se na sensível região do mar ao Sul da China, local que envolve disputas entre esse país e seus vizinhos que já foram inclusive objeto de debates no Tribunal do Mar – com decisão desfavorável à China, que não reconhece a jurisdição da corte.
Notícia do portal de notícias Sputnik dá conta de que “os países europeus que fazem parte da OTAN estão aumentando suas forças no oceano Pacífico para apoiar os EUA caso haja uma ameaça da China”. A Itália recentemente despachou para a região seu porta-aviões Cavour. E, segundo a matéria do portal Sputnik, também o porta-aviões britânico HMS Prince of Wales deve chegar na região em 2025, enquanto França, Alemanha e Países Baixos já estudam o envio de embarcações.
Conforme matéria vinculada na Bloomberg, a decisão dos membros europeus da OTAN deve-se ao fato de que a marinha dos EUA anda “ocupada” em outros mares. É uma explicação duvidosa, tendo em vista que recentemente os EUA anunciaram o deslocamento de cinco porta-aviões para o Pacífico Ocidental, ainda que haja, de fato, uma parte do efetivo nos EUA para manutenção e outros deslocados para “regiões sensíveis”, como o Oriente Médio. Com relação a isso, uma notícia da semana informa que os EUA estão com dois porta-aviões na região do Oriente Médio, em suporte a Israel e com o objetivo de “dissuadir” (ou ameaçar?) o Irã. O Atlântico Sul também conta com a “atenção” dos mariners estadunidenses, desde a reativação da 4a Frota e com a colaboração das próprias forças armadas dos países latino-americanos – em maio iniciaram-se os exercícios militares denominados Southern Seas 2024 das Forças Navais do Comando Sul dos EUA/4ª Frota. Conforme notícia do site da embaixada dos EUA no Brasil, “esse exercício contará com intercâmbios de especialistas e compromissos agendados com Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai. Membros da Marinha brasileira estarão a bordo do navio como parte da equipe internacional”.
Enquanto isso, por terra o clube da guerra faz suas articulações e organiza formas de incentivar conflitos regionais no entorno da China. As provocações buscando incentivar o separatismo de Taiwan não cessam e somam-se às gestões cada vez mais evidentes junto aos países banhados pelas águas do Pacífico na região ao sul da China. É o que denuncia Zhang Xiaogang, porta-voz do Ministério da Defesa chinês. Conforme publicado na conta oficial do Ministério da Defesa da China na rede social WeChat e noticiado pelo site Sputnik, os EUA têm realizado visitas recorrentes às Filipinas. Recentemente, membros da Câmara do Deputados dos EUA, em uma reunião com o presidente filipino Ferdinand Romualdez Marcos Jr. em Manila, apresentaram sua “disposição de fornecer financiamento militar adicional para conter a China”. Conforme a notícia, isso gerou protestos do porta-voz chinês, que afirmou que “Pequim acredita que a cooperação em defesa entre países não deve ser direcionada contra terceiros e não deve perturbar a paz e a estabilidade regionais”. Para além das gestões junto às Filipinas para que mantenha sua política de contestação dos direitos da China sobre o Mar do Sul, vem crescendo a pressão dos atores externos – como, além dos EUA, também o Japão – para intensificar as disputas pela soberania das águas da região.
A combinação é explosiva. Não é preciso ter poderes sobrenaturais para fazer a leitura das mentes dos arquitetos dessa empreitada. O que está explícito no documento dos 75 anos da OTAN, somado à observação dos movimentos diplomáticos dos EUA (e aliados, como o Japão e a Coreia do Sul) no entorno da China – oferecendo apoio às contestações da soberania chinesa nos mares meridionais – e o acompanhamento da crescente organização de uma frota de guerra da OTAN em mares do Pacífico (não era a OTAN uma organização do Atlântico?) só pode levar a uma conclusão: o clube da guerra organiza-se para mais um conflito armado ou, no mínimo, para levar a um novo patamar a ameaça de um conflito, a fim de obrigar a China a uma retração de sua atual política para o mundo.
(*) Rita Coitinho é socióloga e doutora em Geografia, autora do livro “Entre Duas Américas – EUA ou América Latina?”, especialista em assuntos da integração latino-americana.