O escritor e jornalista Tomás Eloy Martínez morreu neste domingo (31), aos 75 anos, depois de uma longa batalha contra o câncer. O homem que misturou duas formas de narrativa com resultados extraordinários, como em O Romance de Perón e Santa Evita, também trabalhou nos jornais La Opinión e Primera Plana e foi o criador do primeiro suplemento literário do jornal argentino Página 12.
As casualidades do jornalismo aproximaram-no do tema da morte. Era meados dos anos 1960, observou, em Hiroxima e Nagasáqui, que “um homem pode morrer indefinidamente e que a morte é uma sucessão, não um fim” – como escreveu no prólogo de um de seus melhores livros, Lugar Comum a Morte, publicado durante seu exílio em Caracas, em 1978.
Com menos de dez anos, escreveu seu primeiro conto para escapar de um castigo imposto pelos pais, que o tinham proibido de ler. Pouco a pouco, o jovem encontrou na ficção uma maneira de rebelião extrema. Para ganhar a vida, começou se arriscando no jornal La Gaceta de Tucumán, na cidade em que nasceu, em 1934. Mas também passou por muitas redações, como o semanário Primera Plana, a revista Panorama, dirigiu o suplemento cultural do La Opinión e o suplemento literário Primer Plano, no Página 12.
A fama de impetuoso e obstinado se confirmou com uma piada que contou ao Página 12 há dois anos, quando publicou seu último romance Purgatório, no qual explorou pela primeira vez os anos da última ditadura militar argentina. O narrador do livro confessa, em um determinado momento, que havia gostado de ser poeta. E Tomás, sem dúvida, também.
Quem não começou escrevendo poemas? Aos 14 anos, como era um menino “muito ousado”, inscreveu-se em um concurso de poesias em Tucumán. “E eu ganhei de poetas extraordinários, que admirava e admiro muito agora”, lembrou na entrevista. “Por sorte, me detiveram neste caminho. Ninguém provavelmente se lembra desta história. Terminei um livro de poesia e me apresentei em um concurso quando tinha 17 anos. Conhecia muito bem María Elena Walsh e contei a ela que ia apresentar um livro no concurso. Ela me disse: ‘Olha que eu sou uma jurada muito rigorosa’. ‘Melhor’, disse eu. Apresentei o livro e não ganhei. Venceu um outro poeta, de Córdoba. Naquela época, eu pensava que meu livro era melhor. E eu disse a ela: ‘María Elena, você premiou um poeta que me parece muito menor!’”. Nunca deixou de acreditar que Walsh foi a responsável por “um mau poeta” ter abandonado a tempo a poesia.
O escritor dirigiu durante muitos anos o Programa de Estudos
Latino-Americanos da Universidade Rutgers, em Nova Jérsei, e foi um dos
criadores da Fundação Novo Jornalismo Ibero-Americano, ao lado de seu
amigo Gabriel García Márquez.
Eloy Martínez levou até as últimas consequências a sua convicção de que a atividade jornalística é um ato de liberdade. Quando era diretor da revista Panorama, em 1972, recebeu a ordem de publicar somente a versão oficial sobre o massacre que aconteceu na cidade de Trelew, no sul do país, quando 16 guerrilheiros foram fuzilados. A falsidade da versão oficial era tão evidente que se recusou poderia cometer uma falta de respeito com o jornalismo.
“Apesar de não desmentir a versão oficial, escrevi que, se neste ato houvera derramamento de sangue, sem um julgamento justo ele iria terminar em sangue. Lamentavelmente, a previsão foi verdadeira”, contou. O escritor só foi despedido de um veículo de comunicação uma única vez, por “danos à empresa”.
Exílio e retorno
O jornalista viajou a Trelew para investigar, em primeira mão, o que havia acontecido. “Eu me deparei com a primeira manifestação pública contra o regime militar daquela época. Cerca de 12 mil pessoas se levantaram contra a tomada de prisioneiros dentro do povoado e formaram uma espécie de comuna”. A Paixão segundo Trelew, publicado em 1974, foi queimado durante a ditadura em uma praça de Córdoba e proibido durante muito tempo.
Em 1975, ameaçado pela Aliança Anticomunista Argentina, Eloy Martínez teve de se exilar em Caracas, onde fundou o jornal El Diario. “Ao ser condenado ao exílio, tive de trabalhar como oleiro, pior, como carpinteiro, escrevendo livros assinados por outros para poder sobreviver e mandar algum dinheiro para os filhos que tinha aqui”, queixou-se.
Sua primeira obra de ficção, O Romance de Perón (1985), deslanchou como um trabalho de investigação jornalística “muito ágil”, que nasceu da necessidade de “corrigir os escritos sobre Perón”.
No ano passado, lançou a Biblioteca Tomás Eloy Martínez, com uma reedição de toda sua obra, pela editora Alfaguara. O escritor se deu conta de que Perón estava escondendo fatos importantes de sua vida. “Estava me usando para construir sua obra pessoal”, lembrava Martínez. “Disse a mim mesmo que tinha que explorar o que havia por trás de tudo isso que Perón contava e o que estava certo e errado”. Toda essa investigação é contada em As Memórias do General (2004).
“Quando comecei a escrever O Romance de Perón, durante o exílio, tinha discussões frequentes com um matemático que vivia em frente à minha casa, Manuel Sadoski. Eu dizia a ele que meu desafio era revelar a verdade da mesma forma que [Domingo Faustino] Sarmiento escreveu Facundo, que agora sabemos que é de Sarmiento e não o Facundo real; eu queria que o Perón que as gerações futuras conhecessem fosse o do meu romance. 'Você não quer pouca coisa', dizia-me Manuel. Perón consome tudo porque tem sua própria lei de importância. Mas, para mim, bastava que meu romance o desafiasse”, destacou.
Prêmios e amargura
Críticos e leitores costumam classificar automaticamente os escritores, não importa que em seu trabalho muitos deles, como Eloy Martínez, tenham dedicado a vida, os sonhos e as energias. Ainda que já estivesse com Santa Evita na cabeça, antes de sua publicação (1995), preferiu avançar no romance A Mão do Amo (1991), para evitar que o considerassem “um peronólogo ou, pior que isso, um peronista, com todo respeito pelo peronismo”, ironizava o escritor.
Em 2002, Tomás Eloy Martínez recebeu o prêmio Alfaguara pelo romance O Voo da Rainha. Depois vieram o prêmio Ortega e Gasset de Jornalismo em 2009, concedido pelo jornal espanhol El País (do qual foi colunista), e a sua inclusão, em junho do ano passado, na Academia Nacional de Jornalismo argentina.
Eloy Martínez talvez conservasse um pouco de amargura por “certa falta de reconhecimento como escritor” como se cada romance tivesse que se submeter a “uma prova de qualidade” por “cometer o pecado de ser um excelente jornalista”. Estava convencido de que as melhores críticas a seus livros vinham de Alemanha, Inglaterra, EUA, França e Itália. Curiosamente, nesta lista não estava a Argentina.
“Como fui crítico, também sei que muitas vezes se lê com simpatias e antipatias pessoais”, dizia o autor de Réquiem para um País Perdido (2003) e O Cantor de Tango (2004). “Agora, fazem o mesmo comigo, mas eu não me importo. Sei que vão ler minhas obras com o bom ou mau humor do dia. Eles vão me ler como quiserem me ler”.
Publicado originalmente no jornal argentino Página 12.
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