A gasolina foi um dos destaques da inflação de 2024. Fechou o ano com alta de 9,71% no IPCA, depois de alta de 12,09% em 2023. A alta do preço da gasolina tem gerado questionamentos sobre a mudança na política de preços da Petrobras: em maio de 2023, o presidente Lula anunciou o fim da política de Paridade de Preços de Importação (PPI), e a Petrobras apresentou alguns detalhes de sua nova política de “Custo Alternativo ao Cliente” (CAC) que geraria preços “abrasileirados”, sem vinculação direta com os preços internacionais.
Esta situação tem gerado desentendimentos sobre o que mudou e o que é possível esperar da atuação da Petrobras e do governo federal. Este texto tenta colocar as questões em ordem, explicando conceitos e esclarecendo o que é possível fazer.
O que é a Paridade de Preços de Importação (PPI)?

A política de Paridade de Preços de Importação vigorou de outubro de 2016 até maio de 2023. Nessa política, a Petrobras considerava apenas o custo do combustível importado para definir seu preço de venda na refinaria. Na PPI, os preços de venda chegaram a ser ajustados até diariamente segundo a referência internacional, o que foi um fator muito importante para a eclosão da greve dos caminhoneiros, por exemplo.
Esse custo incluía apenas o custo internacional do combustível e o custo de “internalização” (transporte internacional, armazenamento, seguros). Repare que, nessa política, o custo de produção e a realidade do mercado brasileiro não são considerados.
O que significa “abrasileirar” os preços de combustíveis?
Primeiro, é importante deixar claro o que “abrasileirar” não significa: abrasileirar o preço nunca significou definir o preço de venda apenas com base no custo de produção da Petrobras, o que sempre ficou claro nos comunicados da empresa. O custo de produção local é apenas um dos vários fatores considerados.
Segundo a própria empresa, o novo modelo de precificação considera “a participação da Petrobras e o preço competitivo em cada mercado e região, a otimização dos nossos ativos de refino e a rentabilidade de maneira sustentável”. A Petrobras não divulga muitos detalhes de sua modelagem para não facilitar a vida dos seus concorrentes, mas, a partir do que foi divulgado, é possível desenhar alguns parâmetros que entram nos cálculos da empresa.
A empresa considera em seus cálculos como cada região do país é abastecida, avaliando como aquela região seria abastecida caso os distribuidores não tivessem acesso ao combustível vindo das refinarias da Petrobras. Aqui, importam muito as características do mercado: quem e quantos são os importadores? Os distribuidores? Os revendedores? Saber essas informações é essencial para determinar qual é o efeito de um aumento ou redução de preços da gasolina A vendida pela Petrobras na porta da refinaria.
Outra questão importante é avaliar os elementos do preço da gasolina e do diesel que não são controlados pela Petrobras: a gasolina que usamos leva no mínimo 18% e no máximo 27,5% de etanol, que teve alta de 17,58% em 2024. O mesmo vale para o biodiesel que é misturado no diesel. Com a transição energética, já está programado o aumento desses percentuais, reduzindo o peso do preço da Petrobras na determinação do preço final ao consumidor.
Além do custo da Petrobras, do preço de etanol e biodiesel, ainda entram no preço final ao consumidor os impostos estaduais e federais e a margem de lucro dos distribuidores, que compram o combustível na refinaria e entregam para os postos de abastecimento, além da margem dos postos.

A Petrobras não está mantendo um “PPI disfarçado”? Por que a Petrobras não baixa mais o preço do combustível?
Diante desse modelo complexo e opaco muitas pessoas têm afirmado que a Petrobras ainda mantém um PPI disfarçado. Ou seja, ainda que a empresa não faça mais reajustes semanais ou diários seguindo o preço internacional, ela tem se mantido próxima do que seria o preço caso mantida a política anterior. Em alguns momentos desde maio de 2023, o preço praticado pela Petrobras chegou a ficar acima do da paridade de preço de importação.
De fato, a Petrobras ainda leva em consideração os preços do mercado internacional, mas não pratica mais uma paridade. Para entendermos o que de fato acontece hoje, temos que olhar para três aspectos da realidade do mercado brasileiro atual de combustíveis (leia o diagnóstico completo do Ineep sobre o setor).
Primeiro, a Petrobras continua olhando para preços internacionais (dentre outros fatores) porque o mercado brasileiro depende de importações de combustíveis.
E continua fazendo isto porque, como dissemos, “abrasileirar” o preço é levar em conta a realidade brasileira
Antes, é importante termos consciência sobre algumas questões relevantes do mercado brasileiro atual de combustíveis. Em 2023, o Brasil dependeu de importações de diesel que corresponderam a 23% do mercado naquele ano, e de gasolina o equivalente a 8% do mercado no mesmo período. Desde o início do governo Lula, a Petrobras tem batido recordes de produção de combustíveis justamente para diminuir a dependência de combustíveis internos.
Nas gestões anteriores, a política era o contrário: adotar o PPI e, ao igualar o preço da Petrobras ao importado, permitir que os importadores tomassem o mercado da Petrobras. Era uma política deliberada de diminuição do peso da empresa.
Segundo, as privatizações de refinarias feitas no governo Bolsonaro reduziram a capacidade da Petrobras de determinar os preços da gasolina A. Essa política de desinvestimento das refinarias resultou em uma diminuição da participação da Petrobras no parque brasileiro de refino de 98% para 79%. A Petrobras continua sendo a empresa com maior poder para definir preços, exceto na região Norte, onde a privatização da Reman para o grupo Atem (que também é o maior importador da região) tirou o controle da Petrobras. Ainda assim, o poder da Petrobras de forçar os importadores a reduzir suas margens caiu, pois as refinarias privatizadas hoje praticam preços mais altos e próximos da PPI.
Terceiro e mais importante, a Petrobras vendeu totalmente a BR Distribuidora. Com essa privatização, a Petrobras não tem mais poder para determinar o preço da gasolina C, aquela que nós usamos. Isso quer dizer que, mesmo que a Petrobras corte preços da gasolina A, o corte pode não chegar ao consumidor, virando apenas um aumento de margens da distribuidora ou dos postos.
Aqui, é importante estar atento para a concentração de mercado: ainda que existam 125.438 postos cadastrados na ANP, 60% do mercado de distribuição são controlados por apenas três empresas (Raízen com a bandeira Shell, Vibra com a bandeira BR e Ipiranga). Com o controle da BR Distribuidora, a Petrobras conseguia ignorar a concentração do mercado de distribuição e forçar os postos da sua bandeira a aceitarem seu preço. A concorrência forçava as demais distribuidoras e postos a aderir para não perder mercado.
Conhecendo a realidade do mercado de combustíveis, podemos entender dois elementos da dinâmica de preços da Petrobras: 1) o motivo para a Petrobras não praticar um preço baseado apenas no seu custo de produção; e 2) o motivo para a Petrobras não reduzir seu preço sempre que o preço internacional cai.
A Petrobras poderia, em tese, adotar uma política simples de “custo + margem”: depois de determinar seu custo de produção, a empresa acrescentaria uma remuneração adequada para o capital dos acionistas (aproximadamente 36% do governo e 64% privado) e entregaria os combustíveis a esse preço.
No entanto, como a Petrobras não controla mais o preço de venda ao consumidor final e esse preço depende do preço do combustível importado, ao definir seu preço apenas por uma margem de lucro em cima do custo, a Petrobras poderia apenas estar entregando lucro para os distribuidores. Do ponto de vista do bem-estar público (que se beneficia do preço baixo e de parte do lucro da Petrobras que vai para o governo), o correto é estimar quanto a empresa pode se distanciar do preço internacional sem começar a simplesmente perder dinheiro para que as distribuidoras ganhem.
O comunicado da Petrobras sugere que a empresa faz essa conta ao dizer que considera o “valor marginal”. Hoje, dada a realidade do mercado de combustíveis, exigir que a Petrobras pratique preços muito baixos é, na realidade, pedir que a empresa dê dinheiro de graça para as distribuidoras.
Essa é a mesma razão pela qual a Petrobras não repassa a volatilidade do preço internacional, mesmo quando os preços caem. A concentração do mercado de distribuição facilita o repasse de altas de preço internacional, mas limita o potencial de redução de preço dos combustíveis ao consumidor quando os preços caem. Limitar a volatilidade é importante para não criar situações nas quais o oligopólio da distribuição consegue aumentar suas margens às custas da Petrobras. Ocasionalmente, isso pode implicar até preços acima da paridade de importação. Esse sobre-lucro, no entanto, deveria ser utilizado para balancear períodos em que a companhia evita subir preços e opera com uma margem menor.
O que pode ser feito para controlar os preços de combustíveis?
Isso quer dizer que a empresa não pode fazer nada? Não. Há várias ações possíveis. Primeiro, tudo o que foi falado acima opera em termos de elasticidades, não de absolutos. Reduzir o preço na refinaria quase sempre terá algum efeito no preço final. A questão é determinar quando o efeito no preço ao consumidor é o maior possível com a menor perda para a Petrobras.
A principal medida, no entanto, é aumentar a produção de combustíveis e o controle sobre o mercado. A Petrobras tem negociado lentamente a recompra da RLAM, refinaria da Bahia, mas as negociações parecem ter esfriado. A Vibra e a Atem não têm interesse em vender de volta os ativos que compraram e a própria Petrobras não parece interessada em buscar um negócio.
A alternativa é a retomada dos investimentos em refino, que já está nos planos estratégicos da Petrobras. No entanto, essa política só terá efeitos de mais longo prazo e, ainda assim, não deve acompanhar o crescimento da demanda por diesel do país. É importante que a companhia acelere suas medidas de médio e longo prazo, nas quais tem tido mais dificuldades: acelerar os investimentos em refino e em combustíveis alternativos (biodiesel, diesel verde, querosene de aviação sustentável).
No curto prazo, a Petrobras tem dado o principal passo: colocar suas refinarias para funcionar com a maior capacidade possível e evitar volatilidade dos preços. Isso reduz a dependência externa e fortalece a posição da empresa. Além disso, cabe ao governo federal atuar.
Como sugerimos em uma coluna anterior, a atuação do governo federal pode ser feita por meio de um fundo de estabilização de preços de combustíveis: quando os preços internacionais do petróleo sobem, o governo deveria cobrar um imposto sobre a exportação de petróleo cru, que hoje é o principal item da nossa pauta de exportação. Esse imposto não reduziria a competitividade internacional justamente por só ser cobrado quando preços estão excepcionalmente altos (ou seja, são lucros com os quais as petroleiras não contam para fechar suas contas).
As receitas obtidas com essa tributação seriam transfedas para distribuidores e revendedores (na forma de créditos tributários, por exemplo) condicionadas à manutenção de preços dentro de limites estabelecidos pelo governo. É importante impor condicionalidades para não cair no erro de subsídios que só servem para engordar as margens de oligopólios, como foi feito em governos anteriores.
Essa proposta tem histórico positivo mesmo no atual governo Lula: Haddad já implementou um imposto excepcional sobre petróleo cru e Alckmin já operou um programa de subsídios para a indústria automobilística que condicionava o acesso ao cumprimento de metas de preços e eficiência energética.
(*) Pedro Faria é petroleiro, economista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em história pela Universidade de Cambridge. Diana Chaib é economista e pesquisadora das relações sino-brasileiras pela UFMG.
(*) Este é um artigo de opinião. As opiniões dos autores não representam posições das instituições em que trabalham.