Nos últimos dias, a mídia e o mundo esportivo se viram abalados pelo ataque à bala contra a delegação do Togo, que seguia para a Copa Africana de Nações com franca aspiração a sucesso no torneio. Os rebeldes da região do Enclave do Cabinda, mobilizados através da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), sacudiram a segurança do torneio e obtiveram, após ataque bem sucedido, uma oportunidade única de se lançar nas notícias mundiais.
A FLEC obteve sucesso nos seus objetivos (descredibilizar o governo angolano com relação à segurança de estrangeiros e eventos que projetem a imagem positiva do país no exterior, responsáveis por atrair mais investimentos), inclusive por conta da opção da seleção do Togo em não seguir as recomendações da organização do evento para se movimentar e concentrar nas áreas seguras do país. Não tomados os cuidados prévios, galvanizaram-se as condições favoráveis à FLEC.
Mas o que é preciso elucidar, em corte histórico, é a trajetória de Angola nos últimos 50 ano, que pode nos ajudar a lançar luz sobre os problemas locais.
Os últimos 50 anos da história angolana caracterizaram-se, a grosso modo, por um conflito entre facções políticas que durou mais de duas décadas: a Guerra Civil de Angola (1975-2002). Esse conflito, que deixou mais de 500 mil mortos, esteve ligado às guerras de libertação coloniais na África e ao contexto da Guerra Fria (1945-1991). Estimativas mais avançadas consideram um saldo de um milhão de mortos e quatro milhões de refugiados.
O conflito teve três atores históricos básicos no tabuleiro político:
– Movimento Popular de Libertação de Angola ( MPLA) : inicialmente movimento irregular de tendência marxista-leninista, o MPLA foi apoiado pela URSS e com a independência de Angola, em 1975, se inclinou à via partidária regular, ainda que mantivesse grupos e facções regionais que se valessem pelo uso de práticas políticas irregulares. Desde essa independência, hoje é o partido que está no poder no país, assim como a sua aliada histórica, a SWAPO (South-West Africa People's Organisation), que está no poder na Namíbia. Ambos são alinhados à Internacional Socialista. É liderado por José Eduardo dos Santos, sucessor de Agostinho Neto, criador do MPLA.
– União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA): surgida como nacionalista de centro-esquerda, progressivamente transviando pela via democrata-liberal, a UNITA foi apoiada pelos EUA – que ofereciam ajuda tática e militar -, China, França, Israel e África do Sul, entre outros, para se lançar como uma alternativa aoMPLA. Apoiava-se fortemente na figura de Jonas Savimbi, falecido em 2002. Savimbi sabia articular muito precisamente o apoio de atores não-estatais como empresas (Chevron) e ONGs enquanto ativista internacional. A morte do líder carismático abriu caminho para a pacificação do país, sendo a UNITA convertida emartido político regular, e assim perdendo a sua força política antes baseada nas guerrilhas, no apoio de ONGs e da CIA, do serviço secreto sul-africano, além das divisões raciais (humbundos vs. Kimbundos) remanescentes no país.
– Frente Nacional de Libertação de Angola ( FNLA): sob a liderança de Holden Roberto, a FNLA tinha tendências notadamente nacionalistas de direita e voltadas para o uso irrestrito da violência como instrumento político. Teve a sua origem a partir da União Popular de Angola (UPA), da década de 1950. Bem como a UNITA, também era apoiada por países do ocidente interessados em demover a influência soviética sobre a região. Tornou-se partido político em 1992, ainda que com influência minoritária. Sua desmobilização pode estar relacionada à ascensão da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) Todos esses movimentos tinham um forte conteúdo anti-colonialista (com a exceção da FNLA), ainda que posteriormente se encontrassem tragados pela dinâmica dos chamados ‘conflitos de baixa intensidade’ da Guerra Fria.
Paulatinamente foram dados passos para a paz, com a assinatura do Acordo de Lusaka (1994), mas ainda assim persistiram conflitos como a crise de 2001, quando a UNITA retornou a atacar a MPLA e sofreu um contra-ataque fatal culminando na morte de Savimbi. Após a morte de Savimbi, a UNITA ainda realizaria ataques no norte do país, mas posteriormente às conversações de paz mediadas pela ONU, obtiveram sucesso.
Endemicamente, persiste uma forte tradição de corrupção e resolução de controvérsias através do conflito entre facções políticas no país, inclusive sendo uma fragilidade muito criticada do atual governo de Eduardo Santos. Ainda, o nepotismo, o clientelismo exacerbado e o viés coercitivo das forças policiais e militares no país são motivos de muita preocupação. Fundamental foi também a eleição para o legislativo ocorrida em setembro/2008, com uma vitória esmagadora do MPLA sobre o resquício da UNITA.
Economia
A descoberta de grandes reservas on-shore em Cabinda (cinco vezes maiores do que se especulava) agitou ainda mais os interesses em torno do país exportador. Para a sorte do governo de Eduardo Santos, a paz coincidiu com a explosão dos preços do produto (o petróleo representa aproximadamente 60% do PIB nacional 1, ainda que com perspectiva de fluxo caia progressivamente até 2012).
Especula-se que os blocos off-shore localizados em Cabinda e ao norte de Luanda estão avaliados em nove bilhões de barris que, com os atuais ritmos de exploração, acabarão em 2028. Há grande influência chinesa e saudita no país, especialmente o primeiro, que investe na construção de infra-estrutura. Existem, ainda, planos para que o sul do país seja exemplo de desenvolvimento agro-industrial, tendo o Brasil como referência.
Nesse sentido, deve-se atentar para os desafios de converter essa riqueza nunca antes vista (PIB do país tem aumentado em mais de 20% anuais) com justiça social e desenvolvimentos a fim de reduzir assimetrias socioeconômicas gritantes. A desigualdade é hoje uma argamassa fundamental para fixar a presença de um movimento autonomista/separatista na região rica de Cabinda (Congo Português, protetorado assinado em 1885), a FLEC, que já afirmou através do seu porta-voz Joel Batila que continuará a agir em conformidade com interesses estrangeiros anti-MPLA, buscando justificativas culturais, políticas e socioeconômicas para fazer o boicote às eleições e continuar atacando funcionários estrangeiros na região.
A agenda do FLEC critica a atual movimentação do apoio do MPLA no Congo para a caçada aos cabindas, bem como tem por tática o uso de emboscadas e assaltos com armas de fogo em baixa intensidade. Um bom conselho seria proteger as plataformas off-shore contra eventuais ataques terroristas e piratas, que causariam impactantes danos ambientais e intimidariam consideravelmente investimentos e técnicos estrangeiros.
Artigo publicado originalmente no blog do pesquisador Daniel Santiago Chaves, do Tempo Presente/UFRJ.
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