Neste sábado, 30 de novembro, completam-se quatro anos do desaparecimento forçado de Carmen Elizabeth Oviedo Villalba, a menina “Lichita”. Trouxemos este tema para a coluna por ocasião do Dia Internacional de Vítimas de Desaparecimento Forçado, mas novos fatos alarmam o movimento em defesa dos direitos humanos na América Latina.
Lichita, uma menina de apenas 14 anos, filha de uma das figuras mais simbólicas da resistência camponesa no Paraguai, Carmen Villalba, desapareceu após ser cercada pela Força-Tarefa Conjunta (FTC). O destacamento de elite das Forças Armadas do Paraguai realizava operações nas áreas de conflito agrário com o Exército do Povo Paraguaio (EPP). Segundo testemunhas, Lichita tentou fugir para salvar sua vida, mas foi capturada. Organizações de direitos humanos classificam o desaparecimento como uma grave violação dos direitos das crianças e do direito internacional.
O governo paraguaio assina o atestado de culpa por não investigar o desaparecimento da menina, reprimindo quem procura por respostas, e o caso de Lichita continua como uma ferida aberta, refletindo a brutalidade de um Estado que criminaliza quem luta por justiça.
Enquanto a ausência de Lichita permanece uma dolorosa lembrança, sua mãe, Carmen, e sua tia, Laura Villalba, enfrentam novas condições de opressão. No dia 12 de outubro, ambas foram transferidas, junto de Francisca Andino, para a Penitenciária de Minga Guazú, um presídio de segurança máxima. Agentes encapuzados as retiraram de suas celas no meio da noite.
Tortura e condições degradantes
A transferência para um presídio de segurança máxima foi recebida com preocupação. Segundo advogados das irmãs e organizações de direitos humanos, a medida agrava a situação das detentas, expondo-as a condições ainda mais restritivas e degradantes. O traslado foi realizado sem aviso prévio à família ou à defesa.
Chegando ao presídio de Minga Guazú, as irmãs Villalba foram submetidas a um tratamento que desafia qualquer padrão de humanidade. Além do isolamento imposto, há denúncias de tortura física e psicológica. Relatos de Salvador Sánchez, advogado que conseguiu visitá-las, apontam que elas são mantidas em condições degradantes, com restrições severas de contato, sem receber visitas, sob regime de 23 horas em cela e acesso restrito a comida e água. No Paraguai, não basta prender quem luta por justiça; é preciso esmagá-los até na dignidade.
Mas a tortura das Villalba não é novidade em um sistema que já demonstrou seu desprezo pelos direitos humanos. A presença de agentes encapuzados, a falta de transparência e o ambiente de violência são elementos saídos dos manuais que regem a atuação de um Estado que não fez o ajuste de contas com mais de 35 anos de ditadura militar de Stroessner.
Uma história marcada por resistência
As mulheres da família Villalba são figuras centrais na luta pela reforma agrária no Paraguai, enfrentando a exploração das terras por grandes proprietários e corporações. Carmen está presa há mais de duas décadas e cumpriu sua pena em 2021, mas através de uma manobra jurídica, permanece encarcerada. Laura foi detida em 2020, quando tentava retornar à Argentina, onde estava refugiada com o restante das crianças da família. A manutenção de suas prisões e as condições desumanas que enfrentam são claras violações de direitos humanos. O governo usa a prisão dessas mulheres como uma mensagem de intimidação para quem ousar desafiar o modelo de exploração vigente no Paraguai.
Outro elemento que demonstra a perseguição à família Villalba é a situação dos parentes de Carmen e Laura, que haviam obtido status de refugiados na Argentina. Recentemente, o governo de Javier Milei retirou essa condição. As irmãs María Rosa, Mirian, Tania e José Villalba Ayala e as crianças foram obrigadas a fugir para a Venezuela. Mirian chegou a ser detida pela Interpol, sob pedido de extradição do governo paraguaio. Ela é mãe de uma das crianças assassinadas pela FTC em 2020, Lilian Mariana, de apenas 11 anos. Nesse momento, a família está pedindo asilo político ao governo venezuelano.
A luta por justiça continua
Neste 30 de novembro, delegações internacionais, organizações de direitos humanos e diversos movimentos sociais realizaram um ato na Praça dos Desaparecidos, em Assunção. É preciso responsabilizar o estado pelo desaparecimento forçado da menina Lichita e colocar fim às prisões políticas de Carmen e Laura Villalba. A luta das mulheres Villalba ecoa por toda a América Latina, como um grito por justiça e pela defesa dos direitos humanos, pelo fim da perseguição ao povo que luta. Essa é a força de quem não se curva.