O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, continua mantendo um prudente silêncio e diz que “não será um obstáculo para as candidaturas que hoje estão irrompendo” e uma e outra vez insiste que o que deve ser reeleito é a ‘segurança democrática’, a ‘confiança inversionista’ e a ‘coesão social’, bandeiras políticas de seu duplo mandato de matiz conservador. Essa postura levou o ministro da Agricultura, André Arias e o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos a se lançarem candidatos à sucessão presidencial. No entanto, todos os caminhos que hoje se colocam no cenário político conduzem à continuidade de Uribe no poder em 2010, o que seria o terceiro mandato consecutivo.
Porque, além do cogitado referendo popular, da depuração do registro eleitoral, da eleição dos novos magistrados da Corte Constitucional, instituto que regerá o processo referendário e as eleições, e que hoje é composto por maioria uribista com a recente indicação de cinco novos magistrados, começa a gestar-se no Congresso um projeto de decreto legislativo que, sem titubeios nem meias tintas, põe sobre a mesa a segunda reeleição imediata.
No auge da popularidade de Álvaro Uribe, em meados de 2007, seu partido “de la U” [de la Unidad] nomeou um comitê promotor com o propósito de recolher assinaturas de eleitores em número suficiente, com o fim de propor um projeto de lei de referendo de iniciativa popular que permitisse uma terceira eleição de Uribe. A coleta teve êxito. Mais de quatro milhões de cidadãos eleitores subscreveram a proposta. O projeto foi levado à Câmara de Representantes que no apagar das luzes da legislatura de 2007, em tumultuada sessão, interpretou a seu modo a iniciativa popular e aprovou a reeleição para um terceiro período mas não imediato, podendo Uribe, no caso, concorrer somente em 2014.
Houve recurso para a Corte Constitucional que decidiu que o Congresso não poderia tornar a reformar a figura da reeleição, posto que anos antes já havia decidido reformar a Constituição para introduzir a figura da reeleição e apenas uma. Ou seja, o Congresso já tinha esgotado sua faculdade de aprovar outra reforma para permitir uma nova reeleição imediata. Contudo deixou uma válvula de escape dizendo que, como se tratava de um referendo cuja iniciativa e decisão final é popular, o tema escapava da iniciativa e decisão única do legislativo.
Passou-se um ano de idas e vindas quanto às intenções de Uribe para um novo mandato. Entre as várias manifestações de que seria importante que novas figuras assumissem a presidência, desde que garantissem manter as bandeiras de seus oito anos de duplo mandato, declarou que “terceiro mandato só se houver uma hecatombe”. Pois chegou a ‘hecatombe’. Há uma disputa intestina entre os partidários de Uribe, mas nenhum deles consegue entusiasmar os eleitores e se abre a perspectiva de que uma divisão permitiria à oposição chegar ao segundo turno e ganhar as eleições.
Agora está decidido. Dirigentes da coalizão de governo, escudeiros do presidente, parlamentares uribistas e ministros estão montando a estrutura legal para que Uribe seja re-reeleito. Por outro lado, o fato do próprio mandatário ter enviado sua ‘guarda pretoriana’ para trabalhar e fazer avançar o referendo permite pensar que já há uma decisão definitiva na Casa presidencial de Nariño. O argumento esgrimido pelos ‘pretorianos’ é de que não se pode negar ao país esta possibilidade e que todos devem contribuir para que a Constituição consagre instrumentos que permitam uma nova reeleição. Insistem que todo o esforço será para aprovar em consulta popular o referendo com a emenda de reeleição imediata e não em 2014 como diz o texto atual.
Perguntado se pesaria a favor o fato da iniciativa da segunda reeleição ser de origem popular, o presidente da Corte Constitucional, Nilson Pinilla, notório uribista, respondeu que o interesse do povo deve ser atendido e se manifestou a favor do referendo popular, que “é um sistema muito superior ao sistema da vontade popular representada através do Congresso”.
O assunto está agora no Senado que trata de formular a pergunta que irá a referendo. Os membros da comissão redatora estão dispostos a votar a modificação do texto do referendo para pôr fim à polêmica gerada pela redação anterior e fixar um precedente claro: a reeleição é para 2010 e não para 2014. A ideia é modificar o artigo primeiro do projeto que diz: “Quem tenha exercido a Presidência da República por dois períodos constitucionais poderá ser eleito para outro período”. A emenda consiste em substituir a expressão “tenha exercido” por “tenha sido eleito”. Para esta 'cirurgia' está garantida a maioria dos 19 integrantes da comissão. O objetivo é claro: postulação contínua e indefinida.
Mas nem tudo é céu de brigadeiro para Uribe. A coalizão uribista está fraturada, os conservadores e outras vertentes dizem acompanhar a Uribe somente até 7 de agosto de 2010, quando se encerra seu segundo mandato. Grandes poderes pedem a gritos que Uribe propicie a alternância a caras novas no poder, como receita para preservar a democracia. Pronunciaram-se nesse sentido o episcopado católico, os jornais El Tiempo e El Colombiano, o proprietário da revista Semana.
Por outro lado, não é fácil que o grande empresariado tolere uma longa instabilidade política, em meio à crise internacional, própria do referendo reelecionista. Como se fosse pouco, o governo dos Estados Unidos mantém o Tratado de Livre Comércio no congelador porque as explicações de Uribe quanto ao paramilitarismo e o contínuo assassinato de sindicalistas não o convence. E por cima vem aí uma crise econômica e social de proporções imprevisíveis.
A presidência da Comissão redatora do Senado deu aos seus membros 15 dias para a entrega dos trabalhos. O debate formal começaria logo depois da Semana Santa. A intenção é ter a matéria aprovada o mais tardar em maio. O texto subirá então para revisão pela Corte Constitucional, o que deverá ocorrer entre maio e agosto. Para que a reforma constitucional surta efeito, 25% das pessoas que compõem o censo eleitoral, ou seja, cerca de 7,2 milhões de pessoas precisam votar. As eleições presidenciais deverão acontecer em maio de 2010. Se houver 2º turno, será em junho.
Resta uma questão: teria a oposição alguma chance de concorrer pela terceira vez seguida contra Uribe? Poucas, segundo as pesquisas, porque ele segue montado na popularidade que lhe conferiu principalmente o combate às Farc. Entretanto não custa lembrar que Carlos Gaviria candidato do Polo Democrático Alternativo de centro-esquerda obteve 2,7 milhões de votos, ou 22% dos votantes. Ele deverá novamente ser candidato pelo PDA. O Polo rechaçou repetidamente qualquer vínculo com a insurgência armada. Vem combatendo o terrorismo, a extorsão, o seqüestro e que a luta armada não faz parte de seu repertório.
Mas também se opõe duramente ao paramilitarismo, aos ‘falsos positivos’ – o assassinato pelas forças armadas e policiais de inocentes para apresentá-los como membros das Farc ou da ELN e assim ganhar prêmios e promoções –, a narcopolítica, a yidispolítica – menção a parlamentar Yidis Medina que denunciou a compra de votos que permitiu a primeira reeleição de Uribe – e se oferece para mudar a política sócio-econômica. César Gaviria pelo Partido Liberal deverá ser outro candidato de certo peso. A possibilidade de um segundo turno não está descartada mas hoje parece uma meta distante.
Na década de 1990 vários países da região adotaram a reeleição: Peru (1993), Argentina (1994), Brasil (1996), Venezuela (1999). Mais recentemente, Colômbia (2004) e, em meio a processo de elaboração de novas constituições a Bolívia e o Equador. Em 15 de fevereiro passado, Chávez conseguiu aprovar em referendo a postulação contínua. Talvez tenha sido uma senha para Uribe se decidir também pela reeleição imediata e indefinida. Ambos, com definições ideológicas opostas, pretendem manter e defender seus processos políticos. Setores de oposição e as oligarquias de ambos os países reagem de acordo com os seus interesses ideológicos, políticos e materiais.
* Max Altman é advogado, jornalista e presidente do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas
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