Em 2010, a defesa da tese de doutorado O Mundo Negro: Relações Raciais e a Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil, de Amílcar Araújo Pereira, se tornou um marco fundamental para os estudos sobre relações raciais no Brasil. A pesquisa, que aprofundou a compreensão sobre o movimento negro brasileiro e sua atuação política, social e cultural, abriu caminho para novas investigações e debates sobre a questão racial no país.
Quinze anos após sua defesa, a tese de Pereira continua sendo uma referência indispensável para pesquisadores, ativistas e todos aqueles interessados em compreender a complexidade das relações raciais no Brasil. A obra, que se tornou um clássico da historiografia brasileira, contribuiu significativamente para a descolonização do conhecimento histórico e para a valorização da história e da cultura afro-brasileiras. Este artigo tem como objetivo celebrar os 15 anos da defesa da tese O Mundo Negro e analisar seu legado para o campo dos estudos raciais no Brasil. A partir da análise da entrevista concedida por Amílcar Araújo Pereira, serão discutidos os principais avanços e desafios da pesquisa sobre o movimento negro nos últimos anos, bem como as perspectivas futuras para o campo.
Quando Amílcar Araújo Pereira defendeu sua tese de doutorado, o campo dos estudos raciais no Brasil ainda enfrentava diversos desafios. A despeito dos avanços conquistados pelo movimento negro nas décadas anteriores, como a promulgação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, a pesquisa sobre relações raciais ainda era considerada marginal dentro do universo acadêmico.

A produção de conhecimento sobre a história e a cultura negra era limitada, e os poucos estudos existentes frequentemente se concentravam em temáticas como a escravidão e a abolição. A intersecção entre raça, classe e gênero, por exemplo, era pouco explorada nas pesquisas, o que limitava a compreensão da complexidade das experiências negras no Brasil.
A tese de Amílcar Araújo Pereira representou um marco fundamental para a superação desses desafios. Ao analisar a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil, o autor contribuiu significativamente para a descolonização do conhecimento histórico e para a valorização da história e da cultura afro-brasileiras.
A pesquisa de Pereira destacou a importância de considerar as múltiplas dimensões da experiência negra, incluindo a luta por direitos civis, a construção de identidades negras e a produção cultural. Ao problematizar a categoria racial e a noção de “raça”, o autor contribuiu para a desnaturalização do racismo e para a compreensão de que as relações raciais são
construídas socialmente.
O legado da tese O Mundo Negro é evidente na proliferação de pesquisas sobre o movimento negro e as relações raciais no Brasil nas últimas décadas. A obra inspirou novas gerações de pesquisadores e ativistas, que passaram a investigar temas como a história da negritude, o racismo institucional, a desigualdade racial e as políticas públicas para a população negra.
Nos últimos 15 anos, a pesquisa sobre o movimento negro no Brasil experimentou um crescimento exponencial. A proliferação de programas de pós-graduação em história, sociologia, antropologia e outras áreas afins, aliada à crescente demanda social por estudos
sobre a questão racial, contribuiu para a consolidação do campo.
A entrevista concedida por Amílcar Araújo Pereira evidencia essa evolução. O autor destaca o aumento do número de pesquisas sobre o movimento negro em diferentes áreas do conhecimento, como a história, a geografia, a educação e as ciências sociais aplicadas. Além disso, observa-se uma maior diversidade de temáticas abordadas, incluindo a história do antirracismo, as experiências de negros em diferentes contextos sociais e a interseccionalidade entre raça, gênero e classe.
No entanto, o autor também nos mostra a dificuldade em encontrar linhas de financiamento específicas para pesquisas sobre relações raciais, o que limita a produção de conhecimento na área, a exemplo da ausência da categoria de pesquisa antirracista nas sub-áreas da educação, o que faz com que algumas pesquisas atuais precisem se adaptar para a discussão curricular.
Atualmente, Amílcar marca a importância da interdisciplinaridade para a compreensão das relações raciais, abrindo novas possibilidades de pesquisa em áreas como a matemática, a biologia e as ciências humanas. Na entrevista, exaltou uma pesquisa em que esteve presente na banca, que apresenta o antirracismo a partir do uso de raízes e plantas num projeto educacional em curso no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Ao fim de nossa entrevista, Amílcar Araújo Pereira aponta a necessidade de aprofundar as pesquisas sobre a resistência negra, compreendendo como essa resistência moldou a sociedade brasileira e como ela continua a se manifestar nas lutas contemporâneas, e essa segue sendo sua principal agenda de luta na academia.
Quem conhece bem Pereira sabe a importância simbólica que a frase “estamos aí, na luta!” tem para ele. Fica o convite para que o(a) leitor(a) (re)visite O Mundo Negro: Relações Raciais e a Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil, publicado em 2013 pela Editora Pallas, e realinhe suas pesquisas, agora tendo em vista os desafios, os atravessamentos e as conquistas de nosso tempo, para assim buscarmos a construção de uma sociedade mais justa, plural e igualitária.
(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.