O que fica nas entrelinhas da especulação sobre mais esse dia fatídico do governo Bolsonaro é o seguinte: avançar e recuar para avançar de novo (o famoso esticar a corda) tem sido a tônica da estratégia bolsonarista. As instituições, contudo, principalmente o STF, sabem bem disso.
Todos já estão carecas de saber que o objetivo de Bolsonaro é testar o limite de sua própria ação. Alexandre de Moraes que o diga, com o perdão do trocadilho. Ou seja, a estratégia aqui é cruzar uma nova linha a cada ação radical, recuar para não sofrer as consequências e depois tentar cruzar a linha novamente. A cartilha do tal “The Movement” (a tal Internacional Fascista criada por Steve Bannon) segue esse preceito como pedra lapidar para questionar os limites e, portanto, a regra como um todo. A democracia e suas instituições funcionam, historicamente, a partir dos limites. Meus filhos, e acredito que a grande maioria dos filhos do Brasil, também.
Ou seja, para florescer a estratégia de questionamento e interdição supostamente orgânica das instituições é necessário que a possamos vê-las “nuas”. Isto é, precisamos enxergá-las em seus limites para que os questionamentos, autoritários ou não, se coloquem sob a égide de “novos limites” (leia-se aqueles que se quer colocar). Esses “novos limites” seriam o que podemos chamar de uma nova (ou velha) moral que daria a base para uma nova ética, que justifique um novo tempo e uma nova sociedade.
A democracia, como toda sociedade minimamente estável, só se consolida a partir da legitimidade. Sem legitimidade, não há estabilidade, qualquer que seja o modelo político de sociedade. A democracia como a conhecemos, contudo, se funda a partir desse critério que a Revolução Francesa inaugurou a partir da beleza (instituição) e do horror (falência) jacobinos. E esse critério se dá, antes de tudo, em eleições livres e diretas e se consolida positivamente partir das leis e direitos dos homens, construídos a partir do processo legítimo e, ah, vocês sabem o resto…
Não é por menos que Bolsonaro, guiado por Bannon, mira exatamente no questionamento da democracia como formação institucional, primeiro mirando no seu processo eleitoral (a suposta legitimação) e depois no STF, que é o legítimo guardião da formação institucional no Brasil.
Planalto
O que devemos aprender com a última arregada de Bolsonaro
O STF, que se justifica a partir desse ordenamento ou arranjo institucional, conhece o coração dessa argumentação teórico-prática. Estudantes de Direito, ou de um certo barbudo, teoricamente também compreendem isso minimamente (estrutura, superestrutura etc.). Ou seja, visto questionado em sua legitimidade como instituição fundadora, o STF compreende-se, ideal e materialmente, por dever como trincheira final. Portanto, sabe bem, ou deveria saber, os limites do tal “esticar a corda”.
Moraes, como um excelente professor, joga e muito bem, pois sabe exatamente qual é a fronteira entre o limite constitucional e o limite moral (passível de questionamento). É literalmente professor disso. Ou seja, quando Bolsonaro escolhe jogar esse jogo está jogando no território do inimigo. O baile de Moraes, portanto, tem fundamento pois, como ministro da Suprema Corte (vejam só este nome, Supremo!), ele está amparado no limite que tem para si e na história de sua própria razão. Em questões de fundamento, ou ontológicas, quem pode ou não pode esticar a corda é ele e não Bolsonaro. Sabendo disso, Moraes samba na cara do inimigo, que perde a linha e se consome até chegar ao fim. Em linhas gerais, é ele quem define o jogo em última instância.
Pelo menos chegamos ao derradeiro final desta saga. Um final cansativo, ainda que breve (olhando em tempos históricos) e chato. Fim tosco, digno de um final que não chega a ser nem trágico pelo seu final, mas por todo o seu processo, como uma briga perdida entre uma onça e sua presa. Bolsonaro foi engolido. O STF pode pedir música, meus caros.
Mas o espetáculo é digno de mais uma tragédia kafkaniana tupiniquim.
*Antonio Neto é presidente municipal do PDT de São Paulo