Aquele que não podia ser contrariado: um perfil de Kwame Nkrumah
A trajetória de Kwame Nkrumah, de jovem estudante nos Estados Unidos a líder revolucionário e presidente de Gana
Em 1935, Kwame Nkrumah (1909-1972) chegou a Londres para obter seu visto para estudar nos Estados Unidos. Nas ruas da capital do Império Britânico, Nkrumah ouviu um vendedor de jornais gritar, animado, algo ininteligível. Ele olhou para a banca de jornais e viu um cartaz que dizia: “Mussolini invade a Etiópia”. A Etiópia era um dos poucos países no continente africano que não haviam sido colonizados pelo Ocidente. Nkrumah, que nasceu na vila costeira de Nkroful, na Costa do Ouro, realizou seus estudos na Escola Achimota, mas se influenciou principalmente pelo contato com o Congresso Nacional da África Ocidental Britânica (fundado em 1917), reagiu intensamente à notícia. Em sua autobiografia, escrita em 1956, Nkrumah lembrou sua reação:
“Naquele momento, foi quase como se toda Londres tivesse, de repente, declarado guerra contra a minha pessoa. Nos minutos seguintes, eu não conseguia fazer nada além de olhar fixamente para cada rosto impassível, perguntando-me se aquelas pessoas eram capazes de perceber a maldade do colonialismo, e rezando para que chegasse o dia em que eu pudesse desempenhar meu papel na queda de tal sistema. Meu nacionalismo veio à tona; eu estava pronto e disposto a ir até o inferno, se necessário, para alcançar meu objetivo.”
Nkrumah, em seus 20 e poucos anos, fervendo de raiva e determinação, já se definia como um inimigo do colonialismo. Ele tinha certeza da importância do nacionalismo anticolonial não apenas para sua terra natal, mas para toda a África e, de fato, para o mundo colonizado.
Antes de Nkrumah
A partir do final do século XV, comerciantes europeus entraram no negócio do ouro, razão pela qual nomearam essa vasta extensão da África Ocidental de Costa do Ouro. A ganância transformou o comércio simples em violência, à medida que os europeus estabeleceram fortes ao longo da costa e mudaram do comércio de ouro para o comércio de ouro e seres humanos e, mais tarde, para o comércio de óleo de palma e cacau. Nos 400 anos seguintes, a Europa sugou a riqueza da Costa do Ouro; seus habitantes foram forçados a trabalhar em condições e com salários que impediam o desenvolvimento social das várias comunidades, de Pulmakom, no Norte, a Axém, no Sul. Quantidades mínimas da vasta riqueza da Costa do Ouro foram destinadas à educação e à saúde, e muito pouco foi utilizado para desenvolver a infraestrutura do interior do país. A população da zona rural de Gana viu seu sustento oscilar seguindo o ritmo dos preços mundiais do ouro, dos seres humanos, do óleo de palma e do cacau.
O colonialismo produziu sua antítese, que emergiu de dentro da dinâmica da história de Gana. Mesmo com uma longa história de tentativas de subjugar a soberania do povo ganês, os europeus enfrentaram desafios significativos para se estabelecerem no território. O Império Ashanti resistiu às quatro guerras anglo-ashanti (1823-1831, 1863-1864, 1873-1874 e 1895-1896), até que o território se tornou um protetorado britânico em 1897.
A resistência dos antigos poderes se deslocou do combate frontal para batalhas legais, por meio da Sociedade Protetora dos Direitos dos Aborígenes da Costa do Ouro, formada para confrontar a tentativa britânica de tomar terras por meio da Lei de Terras da Coroa, de 1896, e da Lei de Terras, de 1897.
Homens como John Mensah Sarbah (1864-1910) e Joseph Ephraim Casely-Hayford (1866-1930) eram profissionais (advogados e jornalistas) que argumentavam que a identidade africana estava ligada à terra e seu desmembramento minaria o senso de identidade e unidade dos africanos.
Em 1903, Casely-Hayford publicou o livro Gold Coast Native Institutions: With Thoughts Upon a Healthy Policy for the Gold Coast and Ashanti [Instituições nativas da Costa do Ouro: pensamentos sobre uma política saudável para a Costa do Ouro e Ashanti], que defendia o autogoverno.
Em 1951, o filho de Casely-Hayford, Archie, ingressou no Partido da Convenção do Povo (PCP), de Nkrumah, e trabalhou no seu governo como ministro da Agricultura e Recursos Naturais, ministro das Comunicações e, posteriormente, ministro do Interior. Esses primeiros nacionalistas, muitos deles limitados por sua crença na virtude do Império Britânico, prepararam o terreno para Nkrumah e seus pares.
Em 1914, Casely-Hayford e o médico nigeriano Akinwande Savage discutiram sobre a formação de um Congresso Nacional da África Ocidental Britânica (NCBWA), que foi criado três anos depois. Este se baseou em iniciativas anteriores, ilustradas pelo papel de homens como Kobina Sekyi, advogado e neto do chefe-regente da Costa do Cabo. Como ex-presidente da Sociedade Protetora dos Direitos dos Aborígenes, ele se recusava a usar roupas europeias e vestia apenas ntama ou batakari (vestimenta que Nkrumah usava ao declarar a independência, em 1957). Quando era professor na Escola Primária Católica Romana, em Axém, em 1931, Nkrumah visitou S. R. Wood, o secretário do NCBWA. Três anos depois, Wood viajou para Londres para apresentar uma petição às autoridades coloniais. Naquela época, Wood conheceu o notável pan-africanista e comunista George Padmore (1903-1959), o que mostra as conexões entre as várias vertentes do anticolonialismo daquela época. Em agosto de 1935, quando a invasão italiana da Etiópia inflamou Nkrumah, pan-africanistas (como Padmore), organizações de estudantes africanos (incluindo aquelas criadas pela iniciativa do NCBWA) e comunistas britânicos criaram os Amigos Africanos Internacionais da Abissínia.

(Foto: Goldenwabbit / Wikimedia Commons)
Nkrumah saiu de Londres em 1935 para estudar na Universidade Lincoln, uma faculdade historicamente negra na Pensilvânia, Estados Unidos. Além de seus estudos, Nkrumah se envolveu em uma série de atividades políticas, incluindo o desenvolvimento de sua própria sensibilidade pan-africana ao lado de Nnamdi Azikiwe (1904-1996), que se tornaria o primeiro presidente da Nigéria em 1963. Nkrumah e Azikiwe vivenciaram o racismo grotesco da Jim Crow (incluindo a recusa em lhes fornecer água no Sul dos Estados Unidos) e entraram no mundo das organizações políticas afro-americanas, cujo trabalho espelhava o de grupos como o NCBWA.
“Meu objetivo era aprender a técnica de organização desses grupos”, refletiu mais tarde.
Nkrumah e Azikiwe escreveram para os jornais de suas faculdades e para veículos da imprensa negra (como Baltimore Afro-American e The Crisis) e conheceram figuras importantes da luta pela libertação negra nos Estados Unidos. Durante esse tempo, Nkrumah leu muito, buscando uma teoria que melhor explicasse o horror do colonialismo:
“Concentrei-me em encontrar uma fórmula pela qual toda a questão colonial e o problema do imperialismo pudessem ser resolvidos. Li Hegel, Karl Marx, Engels, Lenin e Mazzini. Os escritos desses homens influenciaram muito minhas ideias e atividades revolucionárias; particularmente, Karl Marx e Lenin me impressionaram, pois senti que a filosofia deles era capaz de resolver esses problemas.”
Nkrumah ficou impressionado com o impacto que W.E.B. Du Bois (1868-1963) e Marcus Garvey (1887-1940) tiveram na população afro-americana. Du Bois, um dos grandes pensadores revolucionários, esteve presente em Londres durante uma conferência pan-africana em 1897, organizada pelo advogado das Índias Ocidentais Henry Sylvester-Williams. E foi Du Bois quem manteve viva a chama do pan-africanismo nas quatro conferências subsequentes (de Paris, em 1919; de Londres, Paris e Bruxelas, em 1921; de Londres e Lisboa, em 1923; de Nova York, em 1927). O slogan de Garvey, “África para os africanos”, levou essas ideias pan-africanas às massas, evocando a possibilidade de uma forte consciência anticolonial. Em 1945, quando retornou a Londres, Nkrumah estava preparado para a intensa atividade política na qual se concentraria pelo resto de sua vida.
O pan-africanista socialista
Um mês após sua chegada a Londres, Nkrumah estava ocupado na organização do quinto Congresso Pan-Africano, realizado em outubro, ao lado de Padmore, R. Ras Makonnen (1909-1983) e Peter Abrahams (1919-2017). Os principais organizadores do congresso vieram de todo o mundo do Atlântico Negro: Nkrumah, da Costa do Ouro; Abrahams, da África do Sul; Padmore, de Trinidad; e Makonnen, da Guiana Britânica. Mais de 200 delegados compareceram ao congresso e endossaram tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto a doutrina do socialismo africano. A declaração final continha o Manifesto aos trabalhadores, agricultores e intelectuais coloniais da África, redigido pelos principais organizadores, incluindo Du Bois e Nkrumah. O tom do texto carrega a sensibilidade do pan-africanismo anticolonial que os inspirou e explica a orientação de Nkrumah:
“Acreditamos no direito de todas as pessoas de se autogovernarem. Afirmamos o direito de todos os povos coloniais de controlarem seus próprios destinos. Todas as colônias devem ser livres do controle imperialista estrangeiro, seja político, seja econômico. Os povos das colônias devem ter o direito de eleger seu próprio governo, um governo sem restrições de um poder estrangeiro. Dizemos aos povos das colônias que eles devem lutar por esses objetivos por todos os meios ao seu alcance.
O objetivo dos poderes imperialistas é a exploração. Ao conceder o direito aos povos coloniais de se autogovernarem, eles estão derrotando esse objetivo. Portanto, a luta por poder político pelos povos coloniais e subjugados é o primeiro passo, e o pré-requisito necessário, para a completa emancipação social, econômica e política.
Portanto, o quinto Congresso Pan-Africano conclama os trabalhadores e agricultores das colônias a se organizarem de forma eficaz. Os trabalhadores coloniais devem estar na vanguarda da batalha contra o imperialismo. Suas armas – a greve e o boicote – são invencíveis. O quinto Congresso Pan-Africano conclama os intelectuais e as classes profissionais das colônias a despertarem para as suas responsabilidades. A longa, longa noite acabou. Ao lutar pelos direitos sindicais, pelo direito de formar cooperativas, pela liberdade de imprensa, de reunião, de manifestação e de greve; [ao lutar] pela liberdade de imprimir e ler a literatura necessária para a educação das massas, vocês utilizarão os únicos meios pelos quais suas liberdades serão conquistadas e mantidas. Hoje, há apenas um caminho para a ação eficaz – a organização das massas. Povos coloniais e subjugados do mundo, uni-vos!”
O manifesto contém muitos avanços políticos: a necessidade de romper com a visão de que o colonialismo tem algum benefício; a exigência da independência política como o primeiro passo para a soberania; a necessidade de organizar as massas – lideradas pelos trabalhadores – como o único instrumento da luta anticolonial; e o reconhecimento de que o poder político deve ser o instrumento para construir a democracia econômica. Enquanto ajudava a organizar o Congresso Pan-Africano, Nkrumah começou a redigir um texto sobre o imperialismo (que se assemelhava à dissertação que ele havia iniciado em Lincoln, “A história e filosofia do imperialismo, com referência especial à África”). Esse texto, Towards Colonial Freedom, argumentava que “a base da dependência territorial colonial é econômica, mas a base da solução do problema é política. Portanto, a independência política é um passo indispensável para garantir a emancipação econômica”. Contra os nacionalistas liberais que desejavam somente a independência política, Nkrumah precisava mostrar a verdadeira natureza do imperialismo e argumentar a favor da democracia econômica ao lado da soberania política. Sua avaliação do imperialismo se baseia no Imperialismo, estágio superior do capitalismo, de Lenin, escrito em 1916, e em “As raízes africanas da guerra” de W.E.B. Du Bois, de 1915, e ela a expõe em Rumo à libertação colonial:
“As colônias são assim fontes de matérias-primas e mão de obra barata, e um ‘depósito’ para mercadorias supérfluas vendidas a preços exorbitantes. Portanto, essas colônias se tornam caminhos para investimentos de capital; não para o benefício e desenvolvimento dos povos coloniais, mas para o benefício dos investidores, cujos agentes são os governos envolvidos. Por isso é um absurdo incoerente dizer que a Grã-Bretanha ou qualquer outra potência colonial tem a ‘boa intenção’ de desenvolver suas colônias para autogoverno e independência. A única coisa que resta aos povos coloniais é conquistar sua liberdade e independência dessas potências coloniais.”
Para isso, Nkrumah delineou uma agenda em três partes:
- Liberdade política: independência completa e absoluta do controle de qualquer governo estrangeiro;
- Liberdade democrática: liberdade de tirania política e o estabelecimento de uma democracia na qual a soberania pertença às amplas massas do povo;
- Reconstrução social: o fim da pobreza e da exploração econômica e a melhoria das condições sociais e econômicas do povo, para que este possa encontrar melhores meios de subsistência e afirmar seu direito à vida humana e à felicidade.
Desde, pelo menos, 1945, Nkrumah fez três rupturas decisivas em relação a muitos de seus contemporâneos na luta da Costa do Ouro. Primeiro, ele expôs a ideia de que a soberania política sem uma orientação socialista apenas trocaria um conjunto de tiranos por outro. Essa demanda por liberdade econômica é articulada de forma clara na agenda, composta por três partes, que aparece em Rumo à libertação colonial e, em seguida, é delineada precisamente em Neocolonialismo (1965). Em segundo lugar, a soberania política para a Costa do Ouro era necessária, mas não suficiente. Em 1935, Nkrumah havia visto que a independência política da Etiópia não era garantia de poder político ou de democracia social. Uma perspectiva pan-africana adequada exigia a independência de todo o continente, não apenas de uma parte dele. Em seu discurso de independência em 1957, Nkrumah disse: “Nossa independência é insignificante a menos que esteja vinculada à libertação total do continente africano”. Os líderes anticoloniais de seu tempo entendiam a necessidade do regionalismo e do internacionalismo – razão pela qual 29 países africanos e asiáticos foram a Bandung, Indonésia, em 1955, para se comprometerem com uma agenda anticolonial global. Em terceiro lugar, ficou claro para Nkrumah, no início de sua carreira política, que, como ele escreveu em A África deve unir-se:
“os efeitos sociais do colonialismo são mais insidiosos do que os políticos e econômicos. Isso porque eles penetram profundamente na mente das pessoas e, portanto, demoram mais para serem erradicados. Os europeus nos relegaram à posição de inferiores em todos os aspectos de nossa vida cotidiana.”
Nkrumah, que havia vivenciado racismo nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e de funcionários coloniais na Costa do Ouro, entendeu que foi somente quando a validade da inferioridade “foi questionada que os movimentos de revolta começaram e toda a estrutura do domínio colonial foi atacada”. Por essa razão, os movimentos anticoloniais precisavam combater diretamente a ideia de inferioridade, e as nações pós-coloniais precisavam de uma política educacional robusta e antirracista, cujo centro seria a alfabetização. Em suma, essas três rupturas moldaram a orientação política de Nkrumah quando ele retornou à Costa do Ouro em 1947.
Rumo à liberdade
Quando Nkrumah desembarcou do navio em Takoradi, o oficial de imigração pegou seu passaporte e disse: “Então você é Kwame Nkrumah”. Ele sentiu que tudo acabaria ali, que seria preso. Mas isso não aconteceu. O oficial, um africano, chamou outros trabalhadores e saudaram Nkrumah com empolgação. Eles disseram que tinham ouvido falar dele e estavam “esperando ansiosamente por minha chegada dia após dia”. Ao viajar para se encontrar com as forças políticas e fazer discursos, ele descobriu que o clima em seu país havia mudado. Grande parte da população não acreditava mais nas possibilidades de progresso por meio do regime colonial britânico.
Em dezembro de 1947, um grupo liderado por Paa Grant – um comerciante de Sekondi-Takoradi – formou a Convenção Unida da Costa do Ouro em Saltpond “para garantir que, por todos os meios legítimos e constitucionais, o controle e a direção do governo passem, no menor tempo possível, para as mãos dos povos e dos chefes locais”. Nkrumah rapidamente descobriu que a UGCC “não tinha o apoio das massas e de alguns dos chefes locais”. Um ano depois, ele foi convidado a assumir o posto de secretário-geral da UGCC. Embora Nkrumah reconhecesse que a entidade era “apoiada quase inteiramente por reacionários, advogados da classe média e comerciantes”, ele, no entanto, viu sua utilidade. A UGCC foi o primeiro instrumento ao qual Nkrumah se juntou para “organizar as massas”, seguindo o Manifesto de 1945. A maré da história se intensificou logo após Nkrumah voltar para casa. O chefe Nii Kwabena Bonne III formou o Comitê de Campanha Anti-Inflação para combater a alta inflação na Costa do Ouro. O comitê informou à Câmara de Comércio colonial e à United Africa Company (uma subsidiária da Unilever) que, se os preços não fossem reduzidos, começaria uma campanha de boicote. Esta começou em 26 de janeiro de 1948, mas foi encerrada em 20 de fevereiro após a intervenção do governo colonial, pois este percebeu que a campanha havia feito a cabeça do povo. A campanha do comitê testou as possibilidades anticoloniais na Costa do Ouro e se deparou com o povo pronto. No dia em que ela terminou, Nkrumah falou em Acra sobre “As batalhas ideológicas de nosso tempo”. A resposta a esse discurso, ele escreveu mais tarde, mostrou que “a consciência política do povo da Costa do Ouro havia chegado ao ponto em que era hora de se unirem e lutarem por sua liberdade e independência”.
Uma semana depois, um estalo mostrou até onde o povo estava disposto a ir. Homens que haviam lutado nos exércitos da Grã-Bretanha ao redor do mundo assumiram a liderança. Soldados da Costa do Ouro que haviam lutado na Primeira Guerra Mundial retornaram para casa com queixas sobre o tratamento que lhes foi dado. Em 1919, eles formaram a União dos Ex-Combatentes da Costa do Ouro. Esse grupo foi avivado por B.E.A. Tamakloe em 1946 e cresceu rapidamente devido ao racismo vivido pelos quase 30 mil soldados da Costa do Ouro que serviram o Império Britânico na Ásia e no Oriente Médio. O jornal do grupo, Ex-Service, documentou o fracasso do regime colonial britânico no tratamento desses ex-combatentes. Em fevereiro de 1948, a União liderou uma marcha para o Castelo de Christiansborg (ou Castelo de Osu), a sede do regime colonial. A polícia atirou na marcha, matando duas pessoas. Esse incidente provocou protestos generalizados pelo país. A UGCC mostrou-se insuficiente, como Nkrumah havia previsto, embora tenha apoiado esse levante popular. Isso lhe mostrou que uma organização mais firme seria necessária para avançar nas demandas do povo. O apoio de Nkrumah à revolta foi a razão pela qual o Estado colonial o prendeu pela primeira vez e o manteve preso por alguns meses.
Quando saiu da prisão, ele agiu decisivamente para estabelecer uma plataforma mais radical. Primeiro, fundou o jornal Accra Evening News, que noticiava o estado da insatisfação pública com o regime colonial. Depois, ele ajudou a criar o Comitê de Organização Juvenil (COJ) como ala juvenil da UGCC, mas que rapidamente foi além dela para exigir “autogoverno já”; o COJ atraiu o que Nkrumah sabia serem as três seções mais radicais da sociedade da Costa do Ouro – mulheres feirantes, ex-combatentes e estudantes. Em nome da COJ e da UGCC, Nkrumah viajou por toda a Costa do Ouro, realizando grandes reuniões e incubando uma nova cultura de libertação nacional (incluindo a adaptação de antigas canções religiosas em canções de libertação, com novas letras). “Todos os líderes do pensamento e ação política da África Ocidental são estigmatizados como agitadores”, ele escreveu, precisamente o que ele havia se tornado.
No início de 1948, Nkrumah sabia que a UGCC não duraria. As tensões do novo radicalismo da população da Costa do Ouro se refletiam em desentendimentos políticos dentro da executiva. Em vez de cindir a UGCC, Nkrumah se apressou em construir uma base de massas com o COJ e por meio do Accra Evening News, para que a nova organização fosse capaz de transcender, em vez de cindir, a UGCC. Em junho de 1949, a executiva da UGCC expulsou Nkrumah e o COJ. Preparados para isso, Nkrumah e a direção do COJ formaram o Partido da Convenção Popular (PCP), que atraiu a base de massas da UGCC que Nkrumah havia ajudado a construir. “Vocês devem, pessoalmente, tentar romper com essa perigosa apatia que tomou conta de alguns membros da comunidade durante os longos anos de dominação imperialista”, escreveu Nkrumah no dia seguinte. A apatia seria quebrada por uma “ação positiva”, que Nkrumah definiu em seu primeiro grande panfleto político escrito e publicado na Costa do Ouro (“O que quero dizer com ‘ação positiva’”, 1949). Baseada em sua avaliação da “não violência” que havia moldado a luta pela liberdade na Índia, a “ação positiva” era, no entanto, um apelo para a agitação política em todas as esferas da vida – desde a redação de artigos anticoloniais em jornais até boicotes econômicos. Nenhuma tática foi deixada de lado, pois diferentes táticas atrairiam diferentes pessoas, e o objetivo era atrair toda a população da Costa do Ouro contra o regime colonial. O PCP anunciou um Dia de Ação Positiva em 8 de janeiro de 1950 – o que se transformou em uma greve geral. Nkrumah foi preso em 20 de janeiro e condenado a três anos de prisão. Ao se darem conta de que Nkrumah e o PCP haviam conquistado o espírito do país, o Estado colonial anunciou uma concessão – uma eleição em fevereiro de 1951 para eleger um conselho legislativo para o Estado colonial.
O PCP decidiu participar dessas eleições, apesar de seu escopo limitado. Foi um excelente teste do poder político do partido, que conquistou 34 das 38 cadeiras (a UGCC conquistou três cadeiras). Da prisão, Nkrumah concorreu à eleição para a zona eleitoral de Acra e venceu com 90% dos votos. Ele foi solto e se tornou o primeiro-ministro do novo governo.
Criando Gana
De 1951 a 1957, Nkrumah liderou o governo na Costa do Ouro, ainda sob domínio britânico, e o PCP por meio de dois eixos: primeiro, continuar a luta pela independência total (Gana surge em 6 de março de 1957); e, segundo, construir a base para o futuro de Gana. A questão-chave de 1951 até o golpe contra Nkrumah, em 1966, foi a educação. Quando ele retornou à Costa do Ouro, em 1947, a taxa de alfabetização no país era de apenas 10%. Por isso, o PCP havia impulsionado um Plano de Desenvolvimento Acelerado para a Educação (1951), que buscava modernizar rapidamente a educação nacional por meio da descentralização do controle da educação para os conselhos locais e pela abolição das taxas de matrícula como um incentivo para a Educação Primária universal.
Sem um programa de educação acelerado, Nkrumah reconhecia que seu projeto falharia, porque ele precisava construir uma população educada para administrar o serviço civil (que permaneceu nas mãos dos britânicos até 1957) e para desenvolver a economia. A política educacional não se limitava às cidades, mas também se estendia às áreas rurais, onde Nkrumah havia trabalhado para construir a UGCC e, posteriormente, o PCP. Foi nessas regiões que ele se uniu aos protestos por direito à terra e compartilhou da indignação do povo diante do descaso colonial com sua saúde e educação.
Dois anos após ele se tornar primeiro-ministro, o Estado colonial foi forçado a aceitar um novo processo constitucional que exigia a independência total, precedido por outra eleição em 1953 para um Parlamento ampliado e pela devolução do poder a essa assembleia. Em 11 de julho de 1953, Nkrumah fez o que talvez seja seu discurso mais importante, que mais tarde foi chamado de “The Motion of Destiny” [A moção do destino]:
“Nossa demanda por autogoverno é uma demanda justa. É uma demanda que não admite concessões. O direito de um povo de governar a si mesmo é um princípio fundamental, e comprometer esse princípio é traí-lo […]. De acordo com o lema do valente Accra Evening News: ‘Preferimos o risco do autogoverno à tranquilidade da servidão’. Sem dúvida cometeremos erros, como todas as outras nações. Somos seres humanos e, portanto, falíveis. Mas também podemos tentar aprender com os erros dos outros para que possamos evitar os maiores abismos em que eles caíram. Além disso, os erros que possamos cometer serão nossos próprios erros, e será nossa responsabilidade corrigi-los. Enquanto formos governados por outros, atribuíremos nossos erros a eles, e nosso senso de responsabilidade permanecerá enfraquecido. A liberdade traz responsabilidades, e nossa experiência só pode ser enriquecida pela aceitação dessas responsabilidades.”
Quando Nkrumah terminou esse discurso, “os membros saltaram de suas cadeiras. Eles aplaudiram, bateram palmas e cantaram a canção do partido. Fizeram tanto barulho que as multidões esperando na rua do lado de fora ouviram e também começaram a aplaudir”. Nas eleições realizadas em 1954, o PCP conquistou 72 das 104 cadeiras, e novamente conquistou a maioria em 1956, o que levou à declaração final de independência no ano seguinte.
Em 1957, o movimento liderado por Nkrumah atingiu o primeiro de seus objetivos: a independência política, um feito significativo. Agora, ele precisava aprofundar o trabalho que já havia começado em 1951: impulsionar uma agenda para a educação e para a ciência e tecnologia, construir infraestrutura e diversificar a economia. O compromisso com o socialismo era claro. No Segundo Plano Quinquenal, o governo de Nkrumah propôs uma agenda política para “abolir as doenças, a pobreza e o analfabetismo”. Essa era a prioridade. Para isso, o governo precisava intervir na economia para modernizar a agricultura e a indústria, bem como avançar em direção ao controle dos processos produtivos pelos trabalhadores e camponeses. Gana – como um novo Estado pós-colonial – tinha poucos recursos para implementar uma agenda estritamente socialista. O país precisaria atrair investimentos e, devido ao caráter do sistema mundial, esse financiamento provavelmente viria dos detentores de títulos ocidentais e de países ocidentais.
“Nós queremos indústrias em Gana”, disse Nkrumah ao Parlamento em 4 de março de 1959, “e estamos sempre prontos para fazer acordos razoáveis com qualquer governo, instituição ou indivíduo que possa nos trazer uma proposta sólida. Em suma, pretendemos, como no passado, seguir uma abordagem prática e de bom senso para o desenvolvimento industrial”. Gana precisava de novas fábricas (para processar óleo e farinha e para fabricar cimento), precisava de nova infraestrutura para energia e transporte, e necessitava de sua própria infraestrutura de comunicações (uma nova estação de televisão, por exemplo). Construir infraestrutura – como o imenso Projeto do Rio Volta – era ao mesmo tempo caro e complicado, e o governo lutava para concluir esse projeto devido aos baixos níveis de alfabetização resultantes da maldade do domínio colonial. Nkrumah entendia essa realidade e reconhecia que o antídoto para isso era criar um partido forte, o PCP, e fortalecer a formação política entre seus quadros. O projeto político de construir uma população consciente e um quadro vital era a base para construir uma economia avançada. Isso incluía a criação de um novo funcionalismo público: “Sempre tive a convicção de que, após qualquer revolução política, não violenta ou violenta, o novo governo deve, imediatamente ao assumir o poder, limpar do funcionalismo público todos os seus antigos líderes”.
Mas fortalecer o partido e desenvolver expertise exigiria um esforço imenso – um esforço contra as seduções da corrupção para uma população pobre, agora confrontada com a riqueza de recursos do país e com corporações multinacionais dispostas a subornar para conseguir o que queriam, e um esforço contra as instalações educacionais mínimas construídas pelo Estado colonial. Não são tarefas fáceis – desviar uma parte substancial da riqueza social para a educação e construir uma bússola moral dentro do partido e da burocracia estatal para superar as tentações da corrupção. Gana, como a maioria dos países do Terceiro Mundo, viu que essas barreiras eram muito difíceis de superar.
Uma nova consciência não poderia ser simplesmente importada para a nova sociedade. Ela precisava ser construída com base em fontes de conhecimento do continente: o pensamento tradicional africano, o pensamento islâmico e as heranças ocidentais (principalmente o marxismo). O socialismo moderno, derivado do marxismo, animaria o antigo comunalismo socialista do tradicionalismo africano e a ideia islâmica de comunidade igualitária (ummah). Essas questões preocuparam Nkrumah quando ele escreveu seu livro Consciencism [Consciencismo] (1964) e em um discurso que proferiu no Cairo dois anos depois:
“Sabemos, obviamente, que a derrota do colonialismo e até mesmo do neocolonialismo não resultará no desaparecimento automático dos padrões importados de pensamento e organização social. Pois esses padrões estão enraizados e são características sociológicas de nossa sociedade contemporânea em graus variados. Tampouco um simples retorno à sociedade comunal da antiga África oferecerá uma solução. Advogar um retorno, por assim dizer, à rocha de onde fomos extraídos é um pensamento encantador, mas estamos enfrentando problemas contemporâneos, que surgiram da subjugação política, exploração econômica, do atraso educacional e social, aumento populacional, da familiaridade com os métodos e produtos da industrialização, de técnicas agrícolas modernas.”
Vários discursos neste volume contêm a avaliação de Nkrumah sobre a necessidade de construir uma nova Gana a partir da Costa do Ouro que emergira do domínio colonial. As condições materiais que se apresentaram delinearam restrições significativas contra as quais ele teve que construir projetos em massa ao mesmo tempo em que lidava com as tendências contrarrevolucionárias dentro de Gana, instigadas pelas forças imperialistas.
Construindo a África
A Conferência de Berlim de 1884-1885 dividiu o continente africano entre várias potências coloniais europeias – os únicos países que não foram colonizados foram Etiópia e Libéria, o que explica a forte reação de Nkrumah em 1935, quando a Itália invadiu a Etiópia. Desde o início de sua trajetória política, ele estava comprometido com o pan-africanismo, o que significava não apenas uma consciência da identidade africana, mas a necessidade de projetos de libertação africana e, posteriormente, de Estados africanos pós-coloniais trabalharem em conjunto para produzir uma África unida.
Em dezembro de 1951, Nkrumah reuniu as forças envolvidas no quinto Congresso Pan-Africano, de 1945, para se encontrarem, pela primeira vez, no continente africano. Era conveniente que se reunissem em Kumasi, a capital do Império Ashanti, e igualmente conveniente que Azikiwe e Padmore estivessem entre os delegados. A reunião se comprometeu a defender o novo Estado na Costa do Ouro e a “cultivar a amizade dos Estados interessados no destino da África”. Aí estavam dois elementos do pan-africanismo: a defesa contra o imperialismo e a necessidade de forjar a unidade africana.
Após a formação de Gana em 1957, Nkrumah foi além, realizando duas conferências complementares em Acra. A primeira, em abril de 1958, foi a Conferência dos Estados Africanos Independentes, que reuniu os oito Estados independentes do continente, e a segunda, em dezembro de 1958, foi a Conferência dos Povos Africanos, que reuniu as organizações de libertação nacional que ainda estavam lutando contra os governantes coloniais. A união dos Estados foi acelerada quando a França penalizou a Guiné por seu voto contra o referendo de 1958 para aderir à Comunidade Francesa. Nkrumah convidou Sékou Touré (1922-1984), da Guiné, para trabalhar com ele na criação de uma união entre Gana e Guiné (o Mali se juntou a esse processo em 1960). Na Conferência dos Povos, Nkrumah encontrou-se com Patrice Lumumba (1925-1961), líder do Movimento Nacional Congolês, e discutiu a entrada do Congo na união quando eventualmente conquistasse sua independência.
Dessas duas conferências e das discussões que Nkrumah teve com Estados pós-coloniais e movimentos de libertação nacional, surgiu a Organização de Estados Africanos em maio de 1963. Essa organização adotou várias das importantes diretrizes desenvolvidas por Nkrumah, como coordenar o trabalho dos Estados pós-coloniais para melhorar a vida do povo africano e lutar pela erradicação do colonialismo (por meio de um Comitê de Libertação baseado na sede da organização, em Adis Abeba).
Na Conferência dos Povos Africanos, Nkrumah conheceu Lumumba e um intelectual altamente respeitado da Martinica e da Argélia, Frantz Fanon (1925-1961), e viu neles o futuro. Se o movimento de Lumumba conseguisse sucesso no Congo, o país estrategicamente importante poderia fornecer a base para a liberdade da África. E se a sabedoria aguçada de Fanon sobre o colonialismo, a violência e as armadilhas da libertação nacional pudesse ser assimilada, então nada poderia deter o continente inteiro. Nkrumah cultivou o relacionamento com Lumumba, ajudando seu movimento incipiente com apoio material e ideológico, e enviou funcionários ganeses para auxiliá-lo quando ele se tornou primeiro-ministro do recém-libertado Congo em 1961.
Ao final da Conferência dos Povos Africanos, Fanon sentiu que todas as partes do continente africano seriam livres até 1960. Havia bravura nisso. “A independência nunca é concedida”, disse Lumumba ao Chicago Daily News em julho de 1960. “Conquistamos nossa independência com nosso próprio sangue e esforço.”
O Congo conquistou sua liberdade como Fanon previu, e a Argélia conquistou sua independência em 1962, luta na qual Fanon participou ativamente, reafirmando seu otimismo. Essas não eram apenas palavras de Fanon e Lumumba, mas ideias que tinham um caráter de massa. Em 1962, Maria Dulce Almada Duarte (1933-2019), membro do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), disse à Organização das Nações Unidas (ONU) que “o povo cabo-verdiano está cada vez mais consciente de que a pobreza do país é um mito” – eles viviam em um país rico cuja riqueza social estava sendo sugada por Portugal; com o fim do domínio português, o povo floresceria. Amílcar Cabral (1924-1973), líder do PAIGC, montou campos de formação em Gana, com permissão de Nkrumah, para dar continuidade às descobertas de Duarte. Quando seus convidados deixaram Acra, Nkrumah refletiu: “A Revolução Africana começou de verdade”.
Nos anos subsequentes, a realidade do que Fanon chamou de “bloco de granito” se estabeleceu. Este era a ordem socioeconômica rígida que concedia algumas coisas, mas se recusava a alterar sua estrutura básica de dominação sobre a propriedade e os privilégios. O governo democraticamente eleito de Lumumba foi derrubado por um golpe engendrado por belgas, americanos e britânicos, apoiado por setores da elite do Congo. Era intolerável permitir que uma nação soberana controlasse a mina de Shinkolobwe, de onde os Estados Unidos obtiveram o urânio para as bombas de Hiroshima e Nagasaki em 1945. Lumumba foi brutalmente assassinado em 1961. “Viva o Congo! Viva a África!”, escreveu Lumumba em sua última carta para sua esposa, Pauline.
Seu mentor, Nkrumah, assistiu a tudo, desolado, de Acra. Não havia nada que ele pudesse fazer. Quatro anos depois, o embaixador britânico em Gana, A. W. Snelling, escreveu: “No geral, é do interesse da Grã-Bretanha que Nkrumah deixe de governar Gana”. Os Estados Unidos já haviam iniciado planos para derrubá-lo. Eles odiavam sua defesa da liberdade no continente e se sentiam ofendidos pelo livro Neocolonialismo: o último estágio do imperialismo, uma acusação muito contundente do imperialismo na África. Robert Smith, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, mais tarde disse que o livro, publicado em outubro de 1965, era “simplesmente ultrajante […]. Fomos culpados por tudo no mundo”. Como consequência, a ajuda dos Estados Unidos a Gana foi cortada. O livro, e a política de Nkrumah, levaria à sua queda. Em 1989, Smith revelou que o livro “pode ter contribuído de maneira material para sua derrubada logo depois”. Em 1966, Nkrumah foi destituído do poder enquanto estava em uma viagem que incluiria a República Popular da China e o Vietnã do Norte.
Até 1966, os golpes no Congo e em Gana impediram a esquerda de se manter no poder. Outros menos conhecidos – como o contra Louis Rwagasore, de Burundi, em 1961 e contra Modibo Keita, do Mali, em 1967 – também definiram a África como um continente golpeado. Muitos destes, realizados pelos militares em nome dos imperialistas, foram estudados cuidadosamente pela comunista sul-africana Ruth First em seu livro de 1970, O cano da arma: poder político na África e o golpe de Estado, que argumentava que esses golpes – agora quase uma cena familiar – ocorreram porque o militarismo era uma herança do período colonial, outras instituições estatais eram fracas, e as forças radicais estavam muito fragmentadas para impulsionar uma agenda. O colonialismo não tinha produzido instituições liberais que pudessem controlar os militares, e o ataque pós-colonial à esquerda desorientou as bases populares que poderiam ter evitado uma tomada militar.
Nkrumah refugiou-se na Guiné, onde em 1968 escreveu seu relato sobre o golpe, chamado Dias sombrios em Gana. “Seria possível dar outros exemplos da atividade da CIA e do trabalho de outras organizações de inteligência estrangeiras na África. Eles forneceriam material para um livro inteiro”. Mas mesmo ali, tendo sido deposto em um golpe, com uma visão clara sobre o imperialismo e exilado na Guiné, Nkrumah escreveu: “Se por um tempo os imperialistas parecerem estar ganhando terreno, não devemos desanimar. Pois o tempo está ao nosso lado. A permanência das massas é o fator decisivo, e nenhum poder na terra pode impedir seu efeito decisivo final na luta revolucionária”. Duas frases são marcantes aqui: “o tempo está ao nosso lado” e “a permanência das massas é o fator decisivo”. Nkrumah, no exílio, não permitia que seu espírito fosse detido. Seus amigos o chamavam de Kasapreko, “aquele que não podia ser contrariado”. Isso não era apenas um traço de personalidade; mas também porque Nkrumah, como tantos outros líderes das lutas de libertação nacional, entendia as leis do movimento da história.
No exílio na Guiné, Nkrumah começou a pensar seriamente sobre as estratégias para a libertação nacional. O caminho da democracia eleitoral funcionou por um tempo, mas o continente marcado por golpes sugeriu a ele que o poder político precisava ser alcançado por uma força enorme; às vezes, essa força enorme tinha de ser construída por meio da luta armada. Isso não era uma ilusão em sua época. Em seu entorno, a libertação nacional havia mudado de ação cívica para a luta armada, não apenas nas colônias portuguesas, mas também na África do Sul. Em suas últimas obras, é central sua avaliação madura do imperialismo e sua tentativa de encontrar a estratégia e as táticas adequadas para minar o sistema mundial neocolonial.
Em 23 de setembro de 1960, a União Soviética apresentou uma resolução para a descolonização imediata. Essa resolução foi contestada por todo o bloco ocidental, liderado pelos Estados Unidos. Alguns meses depois, 43 países da África e da Ásia afirmaram os princípios de Bandung e apresentaram sua própria resolução. Por fim, em 14 de dezembro, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução, a “Declaração sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais” – originalmente apresentada pela União Soviética, depois reformulada por Estados africanos e asiáticos. Oitenta e nove países – incluindo a União Soviética – votaram a favor, ninguém votou contra, mas nove países se abstiveram: Austrália, Bélgica, França, Portugal, Espanha, República Dominicana, União Sul-Africana, Reino Unido e Estados Unidos. Os Estados Unidos se aliaram às antigas potências coloniais e à África do Sul contra uma declaração que dizia: “O processo de libertação é irresistível e irreversível”. Essa declaração é fundamental para o pensamento de libertação nacional, que era central para Nkrumah. Durante seu mandato, ele ficou conhecido como Osagyefo, que significa “o redentor” na língua Akan. Esse era um nome preciso: ele passou sua vida tentando libertar a humanidade. Nkrumah morreu em Bucareste, na Romênia, em abril de 1972.
Este livro não tem a intenção de ser uma antologia acadêmica abrangente de sua obra. É uma amostra da amplitude de seus compromissos e ideias. Existem lacunas importantes aqui; por exemplo, não estão incluídos seus escritos jornalísticos, nem muitos dos discursos importantes durante seus anos no poder. No entanto, esta obra – que começa em 1949 e termina em 1966 – oferece um panorama do pensamento de libertação nacional de um líder extraordinário.

(*) O livro “Kwame Nkrumah – Discursos Pan-Africanistas”, que inclui este prefácio escrito por Vijay Prashad, faz parte do Clube da Expressão.
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