A semana passada foi de correção de previsões das principais variáveis macroeconômicas para o ano de 2024. As correções vieram na esteira de dois eventos anteriores: primeiro, a divulgação do PIB do segundo trimestre de 2024, que surpreendeu os analistas de mercado e até mesmo as instituições governamentais. Em seguida, o Banco Central aumentou a taxa de juros para 10,75%, iniciando um ciclo de alta.
Nesse contexto, tanto o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) quanto o Banco Central corrigiram suas previsões de inflação para o fim de 2024. O Ipea corrigiu sua previsão do IPCA de 4,0% para 4,4% na edição mais recente da Carta de Conjuntura. Já o Banco Central corrigiu sua previsão de 3,96% para 4,31% no Relatório Trimestral de Inflação de setembro.
Apesar das correções similares nas previsões, o diabo mora nos detalhes. O Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central é um comunicado mais amplo do que a Carta de Conjuntura, dada a centralidade do banco no controle de preços. Ainda assim, as decisões sobre quais fatores enfatizar na análise e previsão de inflação indicam como a Economia não é uma ciência unificada.
Para o Banco Central, o foco da análise dos determinantes da inflação são os fatores de demanda e as expectativas de inflação. A oferta de crédito, a redução do desemprego e os gastos do governo aparecem com destaque. A conclusão da análise é a revisão do “hiato de produto” para o lado positivo. O hiato de produto mede quão aquecida está a economia: quando está positivo, a economia está crescendo acima do seu potencial de longo-prazo; quando está negativo, está abaixo do seu potencial de longo prazo. Porém, esta medida, como o próprio Banco Central reconhece, é bastante incerta. As expectativas, extraídas de uma amostra de economistas predominantemente vindos do mercado financeiro, completam a perspectiva.
Já a análise do Ipea dá ênfase aos efeitos de preços internacionais, do câmbio e da oferta de alimentos e energia. Ainda que reconheça que a economia está de fato em um momento de aquecimento, a previsão de inflação sequer menciona o “hiato de produto”. Pelo contrário, em sua análise do PIB do segundo trimestre, o Ipea nota que o fato da economia estar operando com menos capacidade ociosa e desemprego baixo tem o efeito positivo de estimular o investimento em ampliação da produção e, consequentemente, o crescimento de longo-prazo.
Estas diferenças de ênfase revelam o embate típico entre os economistas brasileiros: de um lado, temos os economistas “do mercado”, chamados de “ortodoxos”, aos quais o Banco Central em geral se alinha. Do outro, temos os “heterodoxos” – incluindo este colunista – que hoje definem mais a linha do Ipea.
Estas escolas de pensamento também se refletem na posição quanto à inflação que viveremos nos próximos trimestres: como coloca o Ipea, devemos viver uma troca de inflação de custos – aumento nos preços dos alimentos e das commodities e insumos industriais – por uma inflação ligada ao custo do trabalho. Esta última é causada pelos ganhos salariais dos trabalhadores: como relata o “salariômetro” da Fipe, mais de 80% das negociações salariais de 2024 resultaram em aumentos acima da inflação.
Do ponto de vista dos economistas ortodoxos, a reação correta é inibir qualquer tipo de inflação. Se o aquecimento da economia está gerando aumentos de salários, que se refletem nos preços, é hora de subir juros para conter esse efeito. Sem meias palavras, deixar mais gente desempregada e sem renda para reduzir a inflação.
Do ponto de vista heterodoxo, a inflação puxada pelo aumento de salários é positiva, dentro de certos limites. Esta inflação em geral significa que, apesar dos preços de bens e serviços estarem aumentando, a renda do trabalho está aumentando mais. Os trabalhadores e trabalhadoras estão se apropriando de uma parte maior da riqueza produzida. Além disso, é esse aquecimento da economia que serve de caldo de cultura para os efeitos positivos de longo-prazo.
Para os leitores e as leitoras, que não se envolvem nas brigas teóricas dos economistas, cabe ficar atento e identificar quem está de cada lado. Não há uma única teoria universalmente aceita e as diferentes teorias geram recomendações de políticas econômicas que favorecem diferentes setores e classes da sociedade.