Se a relação comercial entre Brasil e China mostra evidências de interdependência e assimetrias notáveis, o intercâmbio de IED (Investimento Estrangeiro Direto) as consolida e expande, estabelecendo uma perspectiva pouco promissora para o Brasil.
Como já é de conhecimento público, a China é tanto uma grande receptora de IED quanto uma grande emissor. De acordo com a UNCTAD, em 2022, a China era a terceira maior investidora de IED no mundo, com um total de US$2.9 trilhões, ainda muito atrás dos EUA, que alcançaram US$8.04 trilhões. No mesmo ano, o Brasil ficou em 22º lugar entre os maiores investidores de IED (US$ 327 bilhões), mas entre os países emergentes ficou em segundo lugar (US$ 25,2 bilhões), atrás da China (US$ 146,5 bilhões) e da Rússia e da Índia.
A principal orientação do IED global chinês é que ele é direcionado ao setor terciário da economia, no qual as atividades de “aluguel e atividades profissionais” têm a primazia, com 40% do total, seguidas por “comércio atacadista e varejista” (13,3%) e “atividades financeiras e de seguros” (10,8%). O IED direcionado ao setor de transformação representa apenas 9,5% e as atividades extrativas, 6,5%. Isso não é coincidência, já que os chineses se reservam o direito de ser a “fábrica do mundo”.

(Foto: Cadu Gomes/VPR)
IED chinês no Brasil
O IED da China no Brasil, em contraste com sua orientação global, concentra-se em atividades extrativistas, eletricidade e gás. Entre 2010 e 2022, o investimento chinês no Brasil cresceu exponencialmente de US$8 bilhões (2010) para US$37,1 bilhões (2022). Nesse período, a China passou da 17a para a 8a posição entre os maiores investidores no Brasil, deixando para trás o Japão.
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As características do investimento chinês no Brasil privilegiam o longo prazo, em cuja perspectiva adquire preponderância o formato de parceria (participação acionária) com empresas brasileiras que estão em plena operação, enquanto, em um segundo plano bem distante, abrem suas próprias empresas. Entre 2010 e 2022, seu número aumentou de 126 para 239 unidades de negócios em ambas as modalidades.
De acordo com os dados disponíveis, o investimento chinês em empresas brasileiras (participação de capital) totalizou US$ 36,7 bilhões (2022), concentrado em dois setores estratégicos: Eletricidade e Gás (40,3%) e Indústrias Extrativas (39,4%), respondendo por 79,6% do estoque de capital investido no Brasil. Enquanto isso, em setores como tecnologia da informação e comunicação, finanças e indústrias de transformação, o investimento é irrelevante: 0,7%, 3,8% e 7,1%, respectivamente, percentuais muito inferiores aos que a China investe, em média, no mundo: 5,8%, 10,8% e 9,5%, respectivamente.
Sem ser alarmista, esse é um risco importante que não pode ser ignorado por uma política de Estado. Talvez, em vista das tendências, seja aconselhável apelar para a urgente perspectiva nacionalista ou pró-industrialista do Brasil. Não fazer isso no curto prazo é um caminho quase certo para a dependência brasileira do capital e da tecnologia chineses. Ainda mais quando o gigante asiático representa 18,3% de todo o investimento estrangeiro no setor extrativista, enquanto em eletricidade e gás ele detém 33,1%, por meio das empresas estatais State Grid e China Three Gorges, o que o torna o principal investidor nesse setor.
O investimento chinês em infraestrutura tem um lugar de destaque no Brasil, pois o Brasil ocupa o primeiro lugar entre os países do continente americano com o maior número de projetos de investimento chinês nesse setor, sem fazer parte da Iniciativa Cinturão e Rota. Globalmente, o Brasil ocupa a quarta posição entre os países com mais projetos (35 obras) com capital chinês em infraestrutura: principalmente em Energia, Transporte e Construção Industrial. Mais um motivo de alerta, considerando os perfis de uma relação de dependência.
Investimento da China no Brasil
Assim como a China, o Brasil utiliza intermediários financeiros para fazer IED no país asiático, situação que dificulta o conhecimento confiável dos destinos do IED brasileiro. De acordo com o Banco Central do Brasil, dos US$ 477 bilhões que as empresas brasileiras investiram no exterior, mais de 60% foram colocados na Holanda, nas Ilhas Virgens Britânicas, nas Ilhas Cayman e nas Bahamas, o que torna muito difícil estabelecer o destino final desse capital, especialmente na China.
Oficialmente, o investimento brasileiro acumulado na China é de US$ 755 milhões e em Hong Kong é de US$ 318 milhões. Esses números são claramente irrisórios quando comparados aos valores atribuídos à China pelo próprio governo chinês e suas empresas, bem como por empresas privadas daquele país. Esse tipo de informação heterogênea, para dizer o mínimo, reflete os problemas de rastreamento e monitoramento do uso e do destino desse capital.
De acordo com outra fonte (ORBIS), entre 2019 e 2023, as empresas brasileiras anunciaram investimentos GreenField no exterior no valor de US$ 11,4 bilhões, dos quais a Ásia (especialmente a Indonésia) teria sido o destino de quase 56% sob a modalidade de joint venture. De acordo com os estudos realizados até o momento, foi constatado que grande parte dos investimentos do Brasil na China não consegue se conectar às cadeias globais de valor das quais os países asiáticos participam, exceto pelo fornecimento de matérias-primas. Por que isso acontece? Essa é uma pergunta que também merece uma resposta imediata.
No mesmo período, o ORBIS identificou 11 anúncios de investimentos greenfield de empresas brasileiras na China, com um total de US$ 267,8 milhões, o que coloca a China como o quinto maior receptor de investimentos de empresas brasileiras. Por sua vez, o Brasil é o principal investidor na China entre os países latino-americanos.
O que foi dito até agora é preocupante, ainda mais quando o Banco do Brasil, ou o próprio Conselho Empresarial Brasil-China, não conseguem monitorar a “origem real” dos investimentos chineses no Brasil, uma vez que grande parte deles está protegida como “remessas financeiras trianguladas” em centros financeiros que operam sob condições tributárias altamente favoráveis e com reservas que a tornam inacessível a qualquer processo de investigação ou rastreamento do capital que se movimenta nesses “paraísos fiscais”.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.