A austeridade e os interesses de alto nível constituem uma equação que o neoliberalismo, puro e simples, adora. Campos Neto não apenas exibe sua ortodoxia neoliberal, mas também traça paralelos na política interna com a gestão de Lula. A pergunta é: o Banco Central do Brasil (BC) quer ancorar a inflação ou a economia brasileira?
A Política Monetária (PM) de um país é um conjunto de medidas adotadas pela autoridade monetária com a finalidade de influenciar o custo do dinheiro na economia e, através delas, o desempenho da economia. No caso do Brasil, sua autoridade monetária é o BC, que elabora e executa a PM.
PM pode ser expansionista ou contracionista. É expansionista quando tem como objetivo aumentar a liquidez monetária da economia por meio da redução das taxas referenciais (Selic), que busca estimular o consumo e a reativação econômica. É contracionista quando busca reduzir a oferta monetária no mercado, com o objetivo de combater a inflação, que reduz o consumo e a economia se contrai.
O mecanismo de transmissão da PM à economia contempla, entre outros: 1) a modificação da taxa Selic; 2) alterações nas taxas de juro do mercado monetário; 3) a transferência de juros do mercado financeiro para o financiamento de governos, empresas e famílias; 4) os custos do crédito bancário com hipotecas e o impacto nos rendimentos dos depósitos bancários; 5) alterações nos custos de financiamento da poupança e do investimento dos agentes econômicos. Todos estes procedimentos são acionados junto da PM e têm impacto na economia em geral.
Desde março de 2021, o BC optou por implementar uma PM contracionista com o objetivo principal de controlar a inflação, que naquele ano fechou em 10,06% (quase o dobro da meta), caindo substancialmente em 2022 para 5,79% e 4,62% em 2023. Para 2024 estima-se 3,8%. Ou seja, pode-se dizer que a inflação estava “sob controle” e a sua tendência à baixa se baseava na queda dos preços dos principais itens de alimentação, energia e bebidas.
Contudo, o BC tem permanecido impassível diante desta evolução da inflação. Enquanto a taxa referencial era de 2% (março de 2021), passou para 13,75% (agosto de 2023) e 10,50% (junho de 2024). Ou seja, uma tendência exatamente oposta à da inflação que, segundo os dados disponíveis, teria ficado ancorada no intervalo da meta nos anos de 2022 e 2023, enquanto as previsões para 2024 a colocavam no meio do intervalo da meta.
A nível internacional, as taxas de juro de referência são as seguintes: Nos EUA, 5,25% (Jun 2024); Brasil, 10,5% (maio de 2024); Canadá, 4,75% (junho de 2024); Chile, 5,75% (junho de 2024); Colômbia, 11,75% (maio de 2024); Costa Rica, 4,75% (abril de 2024); Equador, 11,40% (junho de 2024); Guatemala, 5% (abril de 2023); Peru, 5,75% (maio de 2024); Paraguai, 6% (março de 2024); entre outros. Apenas a Colômbia e o Equador excedem a taxa do BC, pois ainda enfrentam ameaças de uma inflação disparada.
Por que, então, o BC insiste na manutenção de taxas de referência contracionistas?
Se se admite que o objetivo principal de uma PM é alcançar a “estabilidade de preços” e, portanto, evitar processos inflacionários, deve-se admitir também que, atingido esse objetivo, perde o sentido manter uma taxa Selic que, em meio a fatores externos adversos e a devastação das enchentes no sul do país, não contribui para melhorar as taxas de crescimento e desenvolvimento que o Brasil necessita. A evidência mostra que o impacto mais notável de uma taxa de referência elevada é o aumento do custo do dinheiro para a atividade produtiva (investimento) e financeira (empréstimos, hipotecas, etc.) que, inevitavelmente, é repercutido nos consumidores finais, afetando severamente o consumo interno.
No Brasil, em 2023, foram normalizadas as cadeias produtivas e os padrões de consumo das famílias, cujo impacto se notou na redução dos preços, tendo desacelerado o processo inflacionário para fechar no final do ano em 4,6%, ou seja, dentro da sua meta de alcance. Segundo estimativas do Boletim FOCUS, a inflação para 2024 será de 3,9%; até 2025, 3,8%; até 2026, 3,6%. Mais uma vez surge a questão: por que manter as taxas de referência no nível em que se encontram?
PIB e Política Monetária (PM)
Apesar da PM contracionista do BC, estimativas pessimistas (incluindo as do BC em 2023) dizem que o PIB-2024 crescerá entre 2,5% e 3%. Isto, embora positivo para o país, não é suficiente para promover o desenvolvimento, gerar emprego e muito menos para uma melhor distribuição da riqueza.
Roberto Campos Neto, presidente do BC, culpa a Política Fiscal por este “crescimento fraco” e não admite que sua PM contracionista subtraia 1,5 ponto percentual do crescimento da economia. Se a PM interagisse com a Política Fiscal pensando no país, o nível de crescimento seria diferente.
Nessas circunstâncias, a PM estaria sendo desenhada com uma abordagem política típica de quem tem interesse em ser candidato no próximo processo eleitoral. Por isso, Campos Neto não esconde o desejo de destaque e a ansiedade pelo “benefício político” que a PM poderia lhe trazer. Ele sabia perfeitamente, desde meados de 2023, que a inflação cairia e atingiria a meta. Foi assim que aconteceu. Então, parece razoável baixar a taxa Selic a ponto de ela deixar de ser um fator de resfriamento da economia. Por enquanto, o Brasil tem uma das taxas mais altas do hemisfério, longe dos 5,25% que o FED possui, uma referência quase colonial para os Bancos Centrais.
Não são coincidência as recentes declarações de Campos Neto (Poder 360) dizendo que, ao manter a taxa Selic naquele patamar elevado, “ele está mais interessado na sustentabilidade da dívida que os EUA têm” como uma estratégia que “beneficiará a dívida local”. Nem mais nem menos. Mas ele, e qualquer economista, sabe que uma Selic alta reduz o nível de consumo e gera desânimo no investimento. Se há alguém que está muito feliz com a Política Monetária do BC é Bolsonaro, o ex-presidente, porque sabe que acabar com seu arquiinimigo Lula significa criar dificuldades em sua gestão, principalmente em tempos de crise derivada das enchentes que não param no sul do país.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.