Brasil em disputa: uma nova história da economia brasileira é o último livro de Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp e um dos principais jovens economistas do país. Com apenas 112 páginas, o livro mostra como a história econômica brasileira dos últimos 22 anos foi marcada pelo embate entre duas posições teóricas, ideológicas e políticas antagônicas: a “agenda distributiva” e a “agenda neoliberal”.
A “agenda distributiva” caracteriza os governos Lula (2003-2010, 2023-2024) e Dilma 1 (2011-2014). Nos governos Lula, a agenda foi caracterizada pela tentativa de se conciliar o sistema de política econômica herdado de FHC com uma forte agenda redistributiva. A redistribuição de renda foi feita por meio de políticas como o aumento real do salário-mínimo, o programa Bolsa Família e a política de acesso ao crédito para consumo. Esta redistribuição de renda puxava a expansão da economia, acelerando a indústria.
Para Rossi, a contradição entre os programas de redistribuição e manutenção do “tripé macroeconômico” dá sinais de exaustão no primeiro governo Dilma, levando à tentativa de inaugurar um novo “industrialismo”: o governo Dilma utilizou políticas industriais e de subsídio, política cambial e de controle de preços para tentar, ao mesmo tempo, manter a agenda redistributiva e sustar o processo de desindustrialização.
A tentativa de Dilma não satisfez os capitalistas brasileiros, levando à perda da base política dos governos do PT, calcada no apoio de setores industriais e da classe trabalhadora. Aqui, cabe ressaltar que o livro de Rossi é bastante enriquecido por outras obras que tratam do período, como Valsa Brasileira, de Laura Carvalho, e A Crise do Lulismo, de André Singer, ambos citados por Rossi. Como se trata de uma obra curta e voltada para um público mais amplo, a complexidade deste momento requer apoios externos.
A “agenda neoliberal” caracteriza os governos Dilma 2 (2015-2016), Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022). No cerne da agenda neoliberal está a ideia de que cortes de gastos primários gerariam crescimento econômico por meio do aumento de confiança dos investidores. No segundo governo Dilma, o ajuste fiscal de Joaquim Levy foi combinado com a escalada dos preços administrados, que tinham sido represados no governo anterior. Essa combinação gerou uma das maiores crises econômicas da história brasileira. A vitória da agenda neoliberal no governo Dilma lhe custou a popularidade.
Rossi considera o governo Temer uma intensificação da agenda neoliberal que predomina no segundo governo Dilma. Além da política de austeridade, entram a reforma trabalhista, o teto de gastos e as privatizações, muitas delas disfarçadas, como o desmonte da Petrobras. O governo Bolsonaro intensifica ainda mais a agenda neoliberal: entram a reforma da previdência, a ampliação do desmonte da Petrobras e a venda da Eletrobrás em uma negociação escabrosa.
O lado fiscal da agenda neoliberal entra em quarentena com a pandemia em 2020. Contra a vontade de Paulo Guedes, o governo Bolsonaro é forçado pelo Congresso a voltar a gastar. A partir daí, temos uma retomada da política fiscal expansionista. Em 2022, a quarentena da austeridade continua por conta da eleição.
O livro se encerra com uma breve análise do terceiro governo Lula: as duas agendas continuam na disputa em 2023. De um lado, o governo Lula consegue espaço orçamentário para retomar a agenda redistributiva. Bolsa Família e crescimento real do salário-mínimo voltam ao centro. No entanto, o novo arcabouço fiscal limita a expansão dos gastos do Estado brasileiro e mantém o “efeito achatamento” do Teto de Gastos de Temer: gastos obrigatórios continuarão comprimindo gastos discricionários, incluindo alguns gastos discricionários essenciais, como as bolsas de pesquisa científica e os investimentos em infraestrutura.
Rossi encerra sua análise enfatizando a centralidade do terceiro governo Lula, que ainda não tem uma agenda econômica clara. Ainda não está claro se, na próxima edição do livro, o governo Lula 3 aparecerá apenas como uma atenuação da agenda neoliberal ou como uma retomada da agenda redistributiva.
Sem prognosticar sobre o futuro, o livro é um passeio rápido, mas denso e bem referenciado, no nosso passado econômico recente. Serve bem ao propósito de informar leitores e leitoras para que possam participar da disputa pelo caráter do governo em curso.
(*) Pedro Faria é economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em História pela Universidade de Cambridge