Brasil, o país sobremesa no século XXI
Precisamos encarar a situação do Brasil como é: uma crise civilizatória sem saída no capitalismo periférico. Precisamos, para ontem, da Revolução Brasileira
Na dinâmica imperialista global, os países de capitalismo dependente, como o Brasil, têm como lugar reservado a posição de consumidor de ciclos de inovações tecnológicas e produtivas gestados nos centros hegemônicos do sistema. A absorção destas inovações acontece de acordo com o interesse dos monopólios estrangeiros, de forma contraditória, seletiva e monstruosa, aprofundando a dependência tecnológica, a transferência de riqueza para fora e a sub-soberania do país. A classe dominante interna, confortável e organicamente ligada ao centro do sistema imperialista, dorme tranquila com a situação.
O resultado prático disso é trágico e meio cômico. É um consenso, na fala de todo político burguês, grande empresário, acadêmico e jornalista, que precisamos “investir em ciência e tecnologia”, e fortalecer a educação, a partir do mito de que Japão e Coreia do Sul desenvolveram-se a partir da educação. A tecnologia, com seu efeito de maravilhamento, é um consenso. Todos acham que o Brasil precisa de mais ciência, tecnologia e inovação. Nem o mais imbecil dos bolsonaristas vai dizer que precisamos manter o país atrasado e sem capacidade de inovação.

Em breve teremos cem anos completos de uma famosa frase de Oswald de Andrade que segue atual. Disse o paulista sobre o Brasil: “país de sobremesa. Exportamos bananas, castanhas-do-pará, cacau, café, coco e fumo. País laranja! (…). Os nossos economistas, os nossos políticos, os nossos estadistas deviam refletir sobre este resultado sintético da história pátria. Somos um país de sobremesa.”
(Foto: percursodacultura / Flickr)
A despeito disso, em breve teremos cem anos completos de uma famosa frase de Oswald de Andrade que segue atual. Disse o paulista: “país de sobremesa. Exportamos bananas, castanhas-do-pará, cacau, café, coco e fumo. País laranja! (…). Os nossos economistas, os nossos políticos, os nossos estadistas deviam refletir sobre este resultado sintético da história pátria. Somos um país de sobremesa. Com açúcar, café e fumo só podemos figurar no fim dos menus imperialistas. Claro que sobremesa nunca foi essencial”. Poucas mudanças são necessárias para atualizar esta reflexão de 1937: tirar a castanha-do-pará e colocar a soja no lugar.
O capitalismo dependente brasileiro, deixado a livre curso, nos manterá na condição de pária tecnológico. A construção de um sistema nacional de inovação no Brasil passa necessariamente por uma questão de poder político: conquistar o poder contra o imperialismo e a classe dominante interna, criando os fundamentos da nossa emancipação tecnológica num projeto socialista. Neste objetivo estratégico, é claro, precisamos desde já criar uma consciência nacional e popular revolucionária acerca da incapacidade estrutural do capitalismo de resolver esta questão fundamental.
Deveria ser claro para todo socialista e comunista do Brasil que, com o poder político nas mãos da burguesia e do imperialismo, as nossas escolas vão continuar caindo aos pedaços, com professores adoecidos; as universidades vão viver eternas crises orçamentárias; os setores estratégicos da economia serão cada vez mais desnacionalizados; o financiamento para ciência e tecnologia seguirá capturado para engordar o lucro das grandes empresas; a nossa legislação e o sistema de registro de patentes seguirá antinacional; e os órgãos públicos de fomento à inovação se manterão como um grande nada, considerando as grandes disputas globais pela liderança das novas fronteiras das mudanças tecnológicas.
O problema não é só quanto a como estamos distantes de uma conjuntura onde a conquista do poder esteja na ordem do dia. A coisa vai além. A maioria do que se entende hoje como esquerda simplesmente não debate com seriedade o problema da dependência tecnológica. Isso é simplesmente uma não-questão. Um não-assunto. Os novos problemas vão se acumulando — como o colonialismo digital e de dados —, e os velhos não são resolvidos.
Olhamos para a disputa entre China e Estados Unidos nas áreas de 5G, Inteligência Artificial, produção de chips, semicondutores, energias renováveis, carros elétricos, indústria aeroespacial e afins, e tal confronto não motiva um debate coletivo sobre o nosso lugar na divisão internacional do trabalho. A impressão que fica é de um país anestesiado, acostumado com seu lugar de buraco de mineração, como campo de plantação de soja e cassino para especulação financeira.
Colocar no centro da agenda política a dependência tecnológica e a incompetência genética da burguesia brasileira para enfrentar o tema é fundamental. Vivemos uma época histórica de radicais transformações, com muitos perigos, mas também diversas oportunidades. Temos fartas possibilidades geopolíticas para deixarmos de ser o “país sobremesa”, com a maioria do nosso povo vivendo em subempregos, atolado em dívidas, com dificuldade de alimentar-se e definhando no caos urbano, violência, exploração e humilhações de todo tipo.
Precisamos encarar a situação brasileira como é: uma crise civilizatória sem nenhuma saída no capitalismo periférico. Precisamos, para ontem, da Revolução Brasileira. Um ótimo começo é enfrentar o deserto de ideias neoliberal e recolocar como tema de massa as grandes questões estratégicas do nosso tempo, como a dependência tecnológica. Sem encarar desafios como esse, não temos futuro. Essa fome de futuro pode matar o país.