No apagar das luzes de seu mandato, o presidente Joe Biden tomou algumas decisões polêmicas, como a autorização para a Ucrânia atacar território russo com mísseis norte-americanos ou o vergonhoso indulto vitalício concedido ao seu filho, Hunter Biden, acusado pela justiça de sonegação fiscal de mais de 1 milhão de dólares. No entanto, o que mais chamou a atenção dos latino-americanos na virada do ano foi a retirada de Cuba da lista oficial de países patrocinadores do terrorismo, elaborada pelo Departamento de Estado, que serve de guia para a política externa yankee em questões de segurança internacional.
Trata-se de um gesto covarde, já que a posse de Donald Trump pode reverter esta medida em poucos dias, tornando-a inócua na prática. Como dizem os americanos, “too little, too late”. O diário Granma, jornal oficial do Partido Comunista Cubano, celebrou a medida cautelosamente, lembrando que o importante mesmo é acabar com o bloqueio econômico que (também covardemente) impede o pleno desenvolvimento da economia cubana e gera imensos desafios à ilha caribenha em termos de acesso à tecnologia, infra-estruturas, fontes de energia, mercados exportadores, investimentos e muito mais.
Vale lembrar que os manuais de Diplomacia consideram que sanções econômicas, incluindo embargos e bloqueios, são ações de guerra nas relações internacionais.[1]

(Foto: UN Photo / Jean-Marc Ferré)
Imposto pelo presidente John F. Kennedy, em 1962, mesmo ano da “Crise dos Mísseis” que abalaria a Guerra Fria, o bloqueio criminoso contra Cuba é rechaçado anualmente pela Assembleia Geral da ONU por esmagadora maioria, embora já perdure por mais de 60 anos.[2] Logo, é uma política ilegal, além de imoral. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores cubano, o prejuízo causado por esta medida unilateral ultrapassa, no acumulado das últimas seis décadas, os 144 bilhões de dólares. Uma quantia estupenda para qualquer nação do Caribe! Nesta região, Cuba aparece como o maior país geograficamente, porém com seu potencial econômico severamente amputado por uma política que só se explica pelos votos da gusanera cubana “exilada” na Flórida, pois até com o Vietnã os Estados Unidos possuem relações diplomáticas e econômicas normais, mesmo tendo travado (e perdido) uma longa e sangrenta guerra nos anos 1960 e 1970.
Nesta situação, causa estranheza a tímida “Cooperação Para o Desenvolvimento” chinesa em benefício de Cuba. Por motivos óbvios, a sustentação econômica do regime socialista cubano deveria receber uma atenção mais carinhosa de seu congênere chinês do que de fato acontece. Ou será que para a China não importa a ideologia oficial daqueles com quem negocia, desde que exportem matérias-primas baratas e comprem produtos industrializados chineses? A pergunta é crucial não apenas para os rumos de Cuba, mas de todas as outras nações latino-americanas e caribenhas que se encontram espremidas entre o conhecido imperialismo vindo de Washington e as incertezas sobre as reais intenções de Pequim. Afinal, já temos veias abertas demais em Nuestra América, não é mesmo?
Caso tivesse interesse, a China poderia facilmente compensar os 144 bilhões de dólares sustados à ilha pelo embargo americano, apenas para começar a conversa… Com o potencial econômico chinês atual, é incompreensível por quê a China ainda não tenha transformado “la mayor de las Antillas” num verdadeiro paraíso socialista no Caribe, como uma espécie de modelo capaz de servir de vitrine para sua alegada hegemonia na política internacional do século XXI. Não custaria nada (ou quase nada, convenhamos) equipar a ilha com meios de transporte, comunicação e abastecimento eficientes. Para quem faz tantas obras faraônicas em seu próprio território há mais de duas décadas, espanta a negligência perante a situação dramática vivida por regimes “aliados” mundo afora. Seria exagerado “altruísmo socialista” modernizar a linha férrea que liga Havana a Santiago de Cuba, mesmo que não seja com um trem-bala de última geração, apenas um bom trem, a bons preços (subsidiados), parando em boas estações ao longo do caminho? Custa?
A verdade é que as parcas ajudas que chegam tardiamente (“too little too late”) contribuem para aprofundar a dependência externa, além de provocarem situações humilhantes diante desta verdadeira mendicância internacional. Quando os últimos furacões e tempestades devastaram a ilha em fins de 2024, deixando a população e as poucas indústrias locais sem energia para operar por semanas a fio, a ajuda chinesa chegou vagarosamente e apenas para repor parte daquilo que havia sido danificado. Foi difícil para o governo cubano lidar com a insatisfação popular que tal situação naturalmente gerou. No dia 17 de janeiro de 2025, o Granma anunciou a doação de… três carros chineses para o Partido Comunista Cubano. Sim, três. E isto virou notícia em Cuba! Três carros, com presença de embaixadores e vice-ministros. Dá para imaginar como se desenrola o restante desta relação, que pode entrar para a História como uma grande oportunidade perdida para ambos os países.
Para a China, impulsionar a prosperidade cubana poderia ter efeitos estratégicos valiosos, especialmente no que se refere a Taiwan: duas ilhas incômodas nas encostas das duas grandes superpotências rivais atuais. É fácil pensar como poder-se-ia usar uma como moeda de troca em relação à outra, econômica e militarmente, diminuindo a pressão estadunidense pela independência em Taipei. Mas parece que uma certa adesão à Doutrina Monroe ainda prevalece no pensamento de Xi Jinping… Só que atualmente, dos doze países no mundo que reconhecem Taiwan como Estado independente, nada menos que seis estão localizados no Caribe e América Central. Trata-se, assim, de uma região na qual esforços desenvolvimentistas de vulto (e não apenas as migalhas de praxe) poderiam contribuir para a quase erradicação da diplomacia taiwanesa do hemisfério, um objetivo declarado da China Popular.[3]
Infelizmente, contudo, esta postura não dá indícios de que vá mudar em breve, mesmo com toda a agressividade dos Estados Unidos contra seu rival hegemônico. Cuba continuará à mercê dos ditames do imperialismo norte-americano, bem como o restante da América Latina e do Caribe. É uma tragédia histórica o fato de que as duas revoluções que mais esperanças despertaram na Humanidade no pós-guerra, separadas por apenas dez anos (1949-59), encontrem-se hoje não de mãos-dadas, mas com um dos lados com as mãos atadas pela soma do bloqueio estadunidense com a indiferença chinesa em relação ao sofrimento do povo cubano. Justo Cuba, que com seus parcos recursos lutou pela revolução mundial, pela libertação anti-imperialista em continentes longínquos e que segue até o presente como exemplo de solidariedade genuinamente comunista ao “exportar” médicos e professores para onde o capitalismo global não os leva.
Ao que tudo indica, será preciso nos enchermos de boas doses da famosa paciência milenar chinesa para suportar a falta de apetite hegemônico chinês em nossa depauperada região. Não precisava ser um Plano Marshall, mas podia ser algo mais digno do que as esmolas (sub)imperialistas habituais.