Tanto a China quanto o Brasil estão interessados no megaporto de Chancay. Ambos compartilham, além de objetivos comerciais, visões geopolíticas que terão nessa conexão um poderoso fator desencadeador de processos políticos e econômicos e impactarão as relações norte-sul e sul-sul.
A China está a caminho da supremacia global no campo comercial. Parece óbvio, mas não tanto quando, como resultado, está em curso a configuração de uma economia global sob o seu controle. Chancay não é uma coincidência nem o resultado da magia do “mercado livre”, mas sim uma ação geopolítica deliberada que abalará os alicerces sobre os quais se baseiam as relações internacionais da região.
Neste quadro, a presença da China na América Latina não é o resultado de uma estratégia elaborada de instalação em espaços onde o imperialismo norte-americano se transformou no seu “quintal”. Chancay é, com as suas dimensões e alcance globais, um ponto de virada, um fator poderoso na mudança de perspectivas derivadas da visão geopolítica que Xi Jinping impregnou na Nova Rota da Seda. A China desferiu um golpe geopolítico impressionante no imperialismo norte-americano no seu estatuto hegemónico.
Para chegar a este ponto, ao contrário da estratégia de guerra e submissão dos EUA, a China lançou um processo gradual de aproximação e inserção na região, que se consolidou por meio de Tratados de Livre Comércio (TLC) com todo país latino-americano que assim o decidisse. Até o momento, o país tem TLCs com Chile, Costa Rica, Equador, Nicarágua e Peru. Isto é apenas o específico, uma vez que para o quadro geral precisa levar em consideração a execução de uma estratégia mais ampla na região acordada no “Plano de Ação Conjunta”, firmado entre a China e a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) há 10 anos.
O Brasil, nesse processo, aparece como um espectador atento ao desenvolvimento dos acontecimentos, embora sem muito tempo para permanecer nessa atitude, já que seu crescimento poderia aconselhar ações e medidas adequadas em relação a Chancay. Este megaporto, mais cedo ou mais tarde, será a etapa obrigatória para a sua grande exportação de soja, carnes e derivados, milho e minerais. Estes são tempos em que a América Latina terá de escolher entre a submissão que os EUA exigem ou fazer parte de um multilateralismo que está emergindo fortemente no cenário mundial. Os BRICS+ são um sinal de que a hegemonia imperialista tal como a conhecemos está em retrocesso.
A Ferrovia Bioceânica
Em 21 de dezembro de 2015, Brasil, Chile, Argentina e Paraguai decidiram, por meio da “Declaração de Assunção”, colocar em pauta o “Corredor Bioceânico” que ligaria o porto de Santos no Brasil aos portos chilenos no Pacífico, melhorando o seu acesso aos mercados da Ásia-Pacífico que, até agora, é feito através do canal do Panamá. Naquela época, a China manifestava interesse em financiar a obra num contexto em que os mercados asiáticos se transformavam em um destino privilegiado para a produção sul-americana. Por diversas razões técnicas e políticas, este projeto foi paralisado.
Em maio de 2015, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang, por ocasião de sua viagem pela América do Sul, afirmou no Brasil que a Ferrovia Bioceânica era uma das prioridades de seu governo. Não foi uma expressão de boa vontade, mas sim um avanço apoiado na iminente conclusão das negociações para a construção do megaporto de Chancay de onde, por razões econômicas de interesse nacional e empresarial, os produtos brasileiros partiriam para o mercado asiático.
O trem de alta velocidade ligaria a Costa Atlântica brasileira (porto de Santos) ao Pacífico peruano (megaporto de Chancay), atravessando a selva (peruano-brasileira) e os Andes peruanos. Os países que teriam acesso imediato ao porto de Chancay seriam Brasil, Colômbia, Peru, Equador e Chile, cuja carga chega aos mercados asiáticos em média de 48 dias, tempo que seria reduzido para 28 ou 30 dias com o megaporto.
Se a China manifesta interesse na Ferrovia Bioceânica, seria difícil compreender o silêncio do Brasil sobre o assunto quando o principal destino de suas exportações é, justamente, a China. Se o Peru permanecer em silêncio é compreensível, mas o silêncio do Brasil não. Não participar ativamente na construção do megaporto de Chancay já é uma desvantagem na sua visão geopolítica. Caso também não participe da construção da ferrovia (Ferrovia Bioceânica), a China terá gestão hegemônica do comércio intra e extrarregional, com impactos importantes na geopolítica regional.
Impactos imediatos do megaporto
Em novembro de 2024, com a presença de Xi Jinping, será inaugurado o megaporto de Chancay. No Peru, finalmente, começaram a avaliar as oportunidades e possibilidades de crescimento e desenvolvimento que surgem deste fato. Uma política de Estado com sentido nacionalista e, ao mesmo tempo, internacionalista poderá ser o caminho a seguir daqui para frente. Nunca como agora, o Peru teve a oportunidade de recuperar o status geopolítico que tinha quando Lima era o centro político e econômico da América do Sul. Claro, mantendo distâncias e proporções.
Vejamos os principais impactos que estão em pleno desenvolvimento:
- No Peru, aceleram-se os processos de assinatura do TLC com a Índia, Hong Kong, Indonésia e Tailândia. O TLC com a China é renegociado nas novas circunstâncias. Estima-se que a operação de Chancay gerará anualmente US$ 4.5 milhões anuais para a economia peruana, o que representa 1,8% do seu PIB.
- Tem de desencadeado uma compreensível onda de interesses e expectativas no mundo empresarial e, especificamente, no âmbito comercial e industrial que tem como referência o megaporto de Chancay, por exemplo Hub.
- Mobilizam-se interesses e projetos no desenvolvimento da logística de transporte que demandam a operação do megaporto. As grandes corporações já estão explorando oportunidades e possibilidades.
- O interesse na construção da Ferrovia Bioceânica que liga Chancay a Santos, passando pelos Andes e pelas selvas peruanas, foi significativamente ativado.
- No momento, nada parece impedir que o megaporto de Chancay se torne um dos principais nós portuários da China no continente, desferindo um duro golpe à hegemonia norte-americana.
- O Peru, sem ter pensado nisso, torna-se um ator importante na geopolítica regional, se não global.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.