Em 4 de maio de 1932, Getúlio Vargas atendeu uma reivindicação histórica da classe trabalhadora brasileira, regulamentando a jornada de trabalho de oito horas diárias e de no máximo seis dias na semana. 92 anos depois, era de se esperar, tendo em vista a evolução drástica da tecnologia e os diversos avanços em questões de direitos e cidadania, que a carga de trabalho tivesse diminuído. Entretanto, como bem se sabe, a realidade de quem vive do trabalho no Brasil é de uma jornada de 44h semanais, que normalmente é organizada em oito horas e 48 minutos, por cinco dias de trabalho e dois de descanso, mas também pode ser distribuída por seis dias com sete horas e vinte minutos de trabalho e assim, somente um dia de pausa, conformando assim a jornada 6×1, que ganhou os holofotes nos últimos dias devido à campanha do vereador recém eleito no Rio Janeiro, Rick Azevedo (PSOL), pelo fim desse tipo de escala de trabalho. O movimento encabeçado por Rick, o VAT (Vida Além do Trabalho), além de exigir o fim da escala 6×1, também argumenta pela redução da jornada semanal.
O debate se expandiu pois Rick e a deputada federal Erika Hilton (PSOL) têm pressionado os parlamentares federais a apoiarem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) protocolada pela deputada em 1 de maio deste ano, que visa alterar o inciso XIII do art. 7º da Constituição da República, que justamente trata da duração do trabalho para brasileiros e brasileiras. Poucos dias atrás, a proposta conseguiu as 171 assinaturas de deputados, o necessário para ser protocolada e assim poder começar a tramitar no legislativo. Quem trabalha ou já trabalhou neste tipo de escala sabe o quão extenuante ela é, e tem apoiado em peso a PEC, contudo muitos argumentos têm sido colocados contra, dentre eles o clássico “a economia vai quebrar”, utilizado com bastante frequência quando se trata da promoção de direitos a uma grande parte da população, mas esquecido se o assunto for desonerações fiscais bilionárias a grandes empresas, que, além de receberem do governo para realizarem suas atividades, ainda podem explorar seus empregados na escala 6×1.
Um primeiro ponto muito importante é o fato de que a participação dos salários no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tem diminuído desde 2016, quando era de 35,5%, sendo 31%, em 2021, ao mesmo passo que o excedente operacional bruto (origem do lucro das empresas) cresceu. Dentro da economia, quanto maior a renda do PIB destinada aos trabalhadores, maior será o consumo, o que, por sua vez, expandirá o mercado interno. Ainda, segundo um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um cenário como o brasileiro exerce uma pressão crescente sobre a desigualdade, só sendo corrigido com políticas que garantam a distribuição equilibrada das vantagens do progresso tecnológico. Soma-se a isso o fato de que em geral as pessoas têm salários bastante baixos no Brasil, o rendimento médio mensal domiciliar per capita chegou a R$ 1.848,00 em 2023, maior valor já apurado no país, mas longe de ser o salário mínimo calculado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) como aquele necessário para de fato cobrir uma vida digna, de R$ 6.439,62. Relevante mostrar que apesar da média geral ser R$1.848,00, o rendimento médio mensal dos 40% mais pobres foi de R$ 527,00, isto é, menos de um salário mínimo por pessoa.
Outra questão que considero indispensável é que o peso dos salários no custo total de produção no Brasil é baixo, por volta de 22% no setor industrial, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria – CNI. Para se ter uma ideia, o custo horário da mão de obra manufatureira em 2007 na Alemanha era de U$37,66, nos EUA U$24,59 e no Brasil U$5,96. Em um estudo de 2009 feito pelo DIEESE sobre a redução da jornada de 44 para 40 horas semanais, essa diminuição de 9,09% na jornada representaria um aumento no custo total da produção industrial de apenas 1,99%. Mesmo considerando setores mais intensivos em trabalho e supondo que a participação dos salários no custo total seja de 70%, a redução da jornada teria um impacto de apenas 6,3% no custo total desses setores. Certamente esses dados precisam ser atualizados, mas através deles consegue-se perceber a ampla margem existente para melhoria da carga horária de trabalho.
Fala-se muito também sobre como o fim da escala 6×1 poderia prejudicar os pequenos negócios. O fato é que não é admissível que para que uma empresa possa existir seja necessária a utilização de um mecanismo tão perverso como é a escala 6×1. Nesse sentido, o caminho para de fato ajudar pequenas empresas é garantir crédito barato e uma tributação justa. Por último, há pesquisas que indicam que uma semana de quatro dias de trabalho pode reduzir as emissões de carbono em 20%, sendo um modelo tanto para melhorar o bem-estar humano quanto para proteger o meio ambiente. No fundo, é aquela frase célebre da Maria Conceição Tavares: “a economia que não se preocupa com a justiça social é uma economia que condena os povos, o que está acontecendo no mundo inteiro, a uma brutal concentração de renda, ao desemprego e à miséria”. Há de se aproveitar o fôlego que a campanha pelo fim da escala 6×1 ganhou para conquistarmos também uma redução geral das jornadas de trabalho, com isso corrigindo minimamente as desigualdades de renda deste país.
(*) Bianca Valoski é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da UFPR, dentro da linha de pesquisa em Economia Política do Estado Nacional e da Governança Global. É servidora da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, onde trabalha com finanças públicas.