Da vassalagem europeia à ‘solução final’ de Trump para Gaza
Acovardados, países seguem submissos às imposições de Washington, mesmo quando concordam, ou quando essas ordens colocam em risco o bem-estar das suas populações
As últimas declarações de Donald Trump sobre a guerra na Ucrânia e o genocídio de Israel em Gaza indicam que os Estados Unidos estão dispostos a reorganizarem as estratégias políticas e econômicas diante de uma nova realidade global: a multipolaridade.
A percepção de que a hegemonia estadunidense está abalada com a ascensão da China, por meio do seu desenvolvimento tecnológico e de sua aproximação com a potência nuclear chamada Rússia, obriga o imperialismo norte-americano a se reposicionar para manter o poder de influência sobre o mundo. A frequente ameaça de “tarifaços” contra os países do BRICS é outro exemplo que reforça a narrativa.
Simultaneamente, a União Europeia mostra que continua perdida no meio desse debate, como na famosa analogia do cego em tiroteio, e insiste em arriscar os interesses nacionais, incluindo o bem-estar das suas populações, para se alinhar ao projeto belicista imposto pelos Estados Unidos e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Esse fenômeno autodestrutivo pode ser melhor compreendido a partir das duas últimas propostas, um tanto absurdas, anunciadas pelo presidente estadunidense nesta semana.
A primeira está relacionada à oferta de Trump ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para que o país ceda terras ricas em minerais em troca de apoio militar a Kiev. Segundo o republicano, o governo ucraniano sinalizou estar aberto à ideia de fornecer lítio, titânio e outros recursos aos Estados Unidos, desde que o apoio militar contra a Rússia seja mantido.
A declaração de Donald Trump foi seguida por uma forte crítica à Europa, que, segundo ele, não ofereceu ao exército ucraniano o mesmo nível de apoio que foi proporcionado pela Casa Branca.
Enquanto isso, o Conselho Europeu, que se reuniu na última segunda-feira (03/02) no Castelo de Limont, na Bélgica, discutiu mais cortes em serviços públicos essenciais para aumentar os gastos com armamento – seguindo, claro, as imposições dos Estados Unidos e da OTAN.
Em 2024, as despesas com o complexo industrial-militar dos Estados-membros do bloco chegaram a 326 bilhões de euros, mais do que o dobro do que foi gasto desde 2016. A forte pressão para reduzir custos em políticas sociais, promovida pelo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e pelo secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, vai de encontro ao orçamento da União Europeia aprovado para 2025, que também limita investimentos em setores produtivos.
Durante o encontro, o presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, chegou a demonstrar certa confusão ao tentar rebater as afirmações de Starmer, ao mesmo tempo em que admitia que a União Europeia pretende ir além dos 2% do PIB em gastos com “defesa e segurança”.
Dito isto, podemos concluir que nos deparamos com uma política, no mínimo, contraditória, que cada vez mais empurra os países europeus em direção a uma crise profunda, a qual afeta setores estratégicos como energia, saúde e habitação. Ademais, é importante destacar o impacto negativo dessas medidas no poder de compra dos trabalhadores europeus, o que resulta na desvalorização dos salários e na aceleração do empobrecimento das famílias.

Conselho Europeu discute mais cortes em serviços públicos para aumentar gastos com armamento, seguindo imposições dos EUA
Cosplay de nazista
Outro importante anúncio que contribui para a compreensão deste novo contexto geopolítico ocorreu na última terça-feira (04/02), durante a visita de Benjamin Netanyahu à Casa Branca.
Após enfatizar seu compromisso com a limpeza étnica, Trump propôs uma espécie de ‘solução final’ ao povo palestino, afirmando que os Estados Unidos pretendem assumir o controle da Faixa de Gaza, e depois expulsar seus habitantes para a Jordânia e o Egito, embora esses países já tenham rejeitado a proposta.
Entidades palestinas como o Hamas e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) também reagiram com perplexidade às declarações do presidente estadunidense, enfatizando que o caminho “racista” traçado por Trump “está alinhado com os planos da extrema direita israelense” e que isso só trará mais instabilidade e conflitos à região, distanciando o Oriente Médio do horizonte de paz e reconstrução.
Lideranças importantes do Sul Global apostam no caminho contrário ao chamarem as políticas de Trump pelo nome que elas merecem, diferente dos países europeus, que permanecem apostando numa agenda que oculta o projeto de ocupação ilegal de Israel em Gaza, bem como os crimes de guerra cometidos no Líbano, passando, até mesmo, pelo não reconhecimento do Estado da Palestina, como o caso de Portugal.
Um exemplo desse contraste foi a entrevista concedida por Lula na manhã de quarta-feira (05/02), em que ele reiterou que o que ocorreu em Gaza foi um genocídio e que os Estados Unidos também “fazem parte de tudo isso”. Apesar do apoio declarado aos democratas durante as eleições estadunidenses, o presidente brasileiro parece (finalmente) reconhecer que foram as administrações de Joe Biden e Kamala Harris que enviaram bilhões de dólares para que Israel pudesse destruir a Palestina.
Enquanto isso, seguimos assistindo a uma Europa distraída, que prefere continuar reproduzindo os releases enviados pelo governo de Israel nos horários nobres de seus telejornais, em vez de se concentrar nos reais problemas que atingem diretamente o bem-estar e a dignidade do povo em nome de guerras que não interessam aos trabalhadores.
Apesar de tantas evidências, infelizmente não há perspectivas de mudança nas linhas editoriais da grande imprensa ocidental. Dificilmente veremos capas de jornais classificando o governo Trump como uma ditadura, ou chamando Netanyahu de terrorista, mesmo se ambos aparecerem no púlpito trajados de Führer. E aqueles que ousarem levantar a voz contra a limpeza étnica em Gaza continuarão sendo taxados de antissemitas.
