Declaração sobre o genocídio em curso em Gaza
Ao assumirmos a responsabilidade de influenciar nossos campos de estudo, seríamos negligentes se ignorássemos o genocídio cometido por Israel contra os palestinos em Gaza, e a sua gradual expansão na Cisjordânia
Desde a sua fundação em 2008, o Coletivo Editorial Communication, Culture and Critique se tornou um espaço fundamental para abordagens críticas aos estudos de comunicação e mídia.
Esta é a primeira edição conduzida por um Coletivo Editorial recém-formado, que busca revigorar a forma de produção acadêmica politicamente engajada representada pelo Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham na década de 1970 sob a direção de Stuart Hall. A visão sobre os estudos culturais e a análise conjuntural do capitalismo de Hall foram uma resposta às crises de legitimidade política que pavimentaram a criminalização de populações racialmente subjugadas e a hegemonia do neoliberalismo. Refletindo sobre a sua experiência na práxis feminista coletiva de pesquisa, que associou a abolição das prisões ao antimilitarismo, Angela Davis nos lembra que a abordagem colaborativa de Hall reparou os “(…) circuitos que levam do íntimo ao institucional”. É no espírito desse alerta coletivo relativo ao equilíbrio de forças na nossa atual conjuntura – caracterizada por uma miríade de crises políticas, sociais, econômicas e ambientais – que nos propomos a imaginar como as coisas podem ser diferentes.
Ao assumirmos a responsabilidade de orientar esta revista e influenciar os nossos campos de pesquisa, seríamos negligentes ao ignorar o evidente epicentro dos esforços de reprodução da ordem global vigente: a campanha contínua de genocídio do Estado de Israel contra os palestinos em Gaza e a sua expansão gradual na Cisjordânia.
Até dezembro de 2024, a invasão militar israelense e a ocupação de Gaza já haviam deslocado dois milhões de pessoas e causado a morte de pelo menos 45 mil palestinos, mais da metade mulheres e crianças. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas devido à fome, negligência e falta de acesso a cuidados de saúde adequados. Apesar dos votos contínuos a favor do cessar-fogo, proferidos pela maioria das nações que formam parte da Organização das Nações Unidas (ONU), a punição coletiva que o Estado de Israel dispensou ao povo de Gaza pelos ataques contra civis israelenses em 7 de outubro de 2023 foi intensificada graças ao apoio político absoluto dos Estados Unidos e da maioria dos seus aliados da Europa Ocidental, que forneceram financiamento, armas e apoio diplomático cruciais.
Estas potências negam veementemente a acusação de genocídio em Gaza, apesar do genocídio ter sido declarado plausível pelo Tribunal Internacional de Justiça.
Isabella Hammad escreve de forma pungente: “é um novo horror na história da humanidade assistir a uma guerra genocida pelos nossos telefones”. Os meios de comunicação tradicionais ocidentais censuraram ativamente o genocídio em Gaza, ao mesmo tempo que narraram zelosamente os horrores da ocupação russa e da guerra na Ucrânia. Apesar dessa censura jornalística sem precedentes, uma parte considerável do mundo testemunhou as marcas sombrias do genocídio em Gaza: o deslocamento humano em massa e o assassinato de civis, e a destruição desenfreada de infraestruturas comuns e bens culturais, incluindo mesquitas, igrejas e hospitais. Isto se deve aos esforços heroicos de documentação de jornalistas e civis palestinos, muitas vezes equipados com pouco mais que smartphones e contas nas redes sociais. Como educadores, estamos particularmente atentos ao “academicídio” em curso em Gaza, detenções e assassinatos seletivos de estudantes, professores e docentes, bem como a destruição de bibliotecas, museus, escolas e universidades. Os militares israelenses “destruíram sistematicamente” o sistema educativo em Gaza com impunidade.
Contrário à sua questionável reivindicação de serem a “única democracia no Oriente Médio”, os militares israelenses estão envolvidos em assassinatos de jornalistas e profissionais de mídia na Palestina e no Líbano. Eles invadiram e fecharam salas de redação na Cisjordânia. O Estado também censurou e ameaçou jornalistas israelenses, bem como acadêmicos, ativistas, cineastas e outros artistas que expressaram solidariedade aos palestinos ou teceram críticas à campanha implacável dos militares israelenses contra civis em Gaza. Jornalistas e acadêmicos têm documentado frequentes apagões de telecomunicações e internet em Gaza. Enquanto isso, Israel, aclamada como “nação startup”, aprimora técnicas de vigilância, seleção de alvos, controle espacial e uma guerra cibernética documentada durante duas décadas por pesquisadores da ocupação digital israelense e demais territórios. Recentemente, “Lavender”, um sistema de inteligência artificial de processamento massivo de dados, foi usado para gerar listas de mortes, calculando e ajustando o número de assassinatos colaterais à importância de um alvo. Neste sentido, a inteligência artificial (IA) é a mais recente iteração das tecnologias coloniais de guerra que racionalizam a redução do limiar de risco para o assassinato de civis. Essas ‘inovações’ na guerra colonial e no policiamento em massa estão sendo exportadas para o resto do mundo a serviço da identificação de populações racialmente subjugadas e da imposição de controles fronteiriços, da China à Índia, da Turquia aos Emirados Árabes Unidos, e claro, por toda a Austrália, Canadá, Europa e Estados Unidos.
Leia também
Seis recém-nascidos morrem de frio na Faixa de Gaza, informam médicos palestinos
Exército israelense destrói casas de refugiados na Cisjordânia ocupada
Como pesquisadores críticos da mídia, da cultura e da tecnologia, rejeitamos a noção de que os nossos campos de estudo são desconectados (ou separáveis) das violentas condições coloniais em Gaza. Noções hegemônicas de imparcialidade acadêmica, objetividade jornalística, neutralidade tecnológica e desinformação foram todas utilizadas pelo Estado de Israel e pelos seus aliados no apagamento do povo palestino, na distorção da compreensão coletiva de suas realidades e lutas, e no descrédito de qualquer pessoa disposta a afirmar sua humanidade. Acadêmicos e jornalistas que se utilizam de abordagens sólidas e críticas contra a desumanização coordenada do povo palestino – abordagens enraizadas na crítica feminista, antirracista, anticolonial ou decolonial, estudos negros, estudos jurídicos críticos, etc – têm enfrentado retaliação severa e precariedade pessoal e profissional. Communication, Culture and Critique rejeita o excepcionalismo israelense que está no cerne da “Ameaça Palestina” em curso.
A mediação do genocídio high-tech como fundamental aos estudos de comunicação
O que significa “ver” o genocídio em Gaza como parte de uma longa história de violência colonial e no contexto de formas mediadas de violência genocida, tanto historicamente como no presente? Edward Said certa vez observou: “os fatos não falam por si só, mas precisam de uma narrativa socialmente aceitável para absorvê-los, sustentá-los e circulá-los. Tal narrativa há de ter um começo e um fim: no caso palestino, uma pátria para a resolução do seu exílio desde 1948”. As críticas anticoloniais e feministas da violência excessiva em nome do império há muito desafiam o humanismo distorcido do jornalismo profissional dito imparcial, baseado em fatos ditos neutros e evidências visuais. Os meios de comunicação que se dizem “livres” escondem e mascaram a violência em massa, endossando e reproduzindo democracias liberais ao considerar certas vidas como dignas de luto enquanto outras como quase-humanas e, portanto, dispensáveis.
Esta não é uma realidade exclusiva do contexto do regime colonial israelense. Meios de comunicação do mundo inteiro, sejam de abordagens liberais ou autoritárias, e até mesmo aqueles comprometidos com noções profissionais ditas objetivas, como o The New York Times e a BBC, emulam essas políticas tendenciosas de representação da violência colonial e imperial. Durante a maior parte do Século XXI, os meios de comunicação comerciais de orientação internacional cultivaram um discurso de “guerra contra o terror”, mobilizando a islamofobia para justificar a violência contra afegãos, iraquianos, sírios, somalis, paquistaneses e iemenitas. Esses mesmos meios de comunicação contribuíram para a normalização do massacre de civis palestinos racialmente marcados.
Israel assassinou pelo menos 188 jornalistas e profissionais de comunicação no ano passado – a maioria deles palestinos. Pelo menos cinco deles foram deliberadamente executados: Issam Abdallah, Hamza Al Dahdouh, Mustafa Thuraya, Ismail Al Ghoul e Rami Al Refee. Tais execuções equivalem a uma espécie de necropolítica epistêmica, ou seja, um regime em que aqueles que disseminam informação devem ser silenciados. Paralelamente, as empresas israelenses de ciber inteligência, como a Pegasus, por exemplo, e os gigantes tecnológicos globais, como a Alphabet, a Amazon, a Meta e a Microsoft, tornaram-se atores infraestruturais centrais do genocídio, através do fornecimento de tecnologia e da censura aos meios de comunicação social. Assim como escritores, artistas e jornalistas proeminentes se demitiram em protesto contra a cobertura de Gaza feita pelos seus empregadores, dezenas de trabalhadores da Microsoft e do Google foram demitidos por protestarem contra o apoio essencial dos seus empregadores na logística digital da guerra, incluindo sua segmentação por inteligência artificial. Na indústria tecnológica, esta repressão expõe como os ideais de inovação corporativa, supostamente liberais, não-hierárquicos e racialmente neutros, deram lugar a contratos militares coloniais como parte da expansão dos seus lucros.
O assassinato coordenado de profissionais da mídia e da cultura em Gaza e a recusa global de tecnólogos e comunicadores em serem cúmplices do genocídio demonstram a necessidade de acadêmicos no campo da comunicação, da mídia e da tecnologia desafiarem os mitos fundadores da “esfera pública” europeia e as culturas de inovação corporativa do Vale do Silício por meio de estratégias analíticas anticoloniais.
Como revista científica, serviremos como um espaço dedicado para pesquisas e análises críticas de comunicação e estudos culturais que desafiam regimes globais imperialistas. Convidamos estudos que contribuam para a compreensão coletiva da atual conjuntura, incluindo, principalmente, a contínua violência do Estado israelense apoiada pelos Estados Unidos e pela Europa contra os palestinos. Também encorajamos estudos críticos sobre a violência e a resistência colonial e corporativa apoiada pelos Estados Unidos, seja no Congo, no Haiti ou em qualquer outro lugar do mundo, e também sobre a violência colonial extrativa e racial dos colonizadores dos Estados Unidos dentro das suas próprias fronteiras nacionais. Convidamos a análise anticolonial crítica da violência e oposição aos regimes de etnonacionalismo extrativista, incluindo a perseguição do Estado chinês à minoria uigure; à ocupação da Caxemira, a desumanização contínua dos muçulmanos e a opressão de comunidades religiosas e de castas pelo Estado indiano; a repressão do Estado turco contra os curdos; a limpeza étnica dos Tigrayans na Etiópia; e assim por diante. Como coloca a antropóloga Nisrin Elamin, as campanhas de solidariedade lideradas por estudantes expuseram os fios comuns entre a violência em massa de Israel em Gaza e o apoio dos Emirados Árabes Unidos à violência em massa no Sudão: “os mesmos colonizadores britânicos forjaram o cenário para este estado de violência contrarrevolucionária no Sudão e na Palestina através de acordos coloniais e traições, preparando um solo fértil para o surgimento de estados extrativistas etnonacionalistas; estados nos quais a supremacia de alguns se baseia na desumanização e desapropriação de outros”.
Dessa forma, nosso objetivo é ir além das divisões obsoletas da Guerra Fria e reconhecer o momento presente do colonialismo, seja nas Américas ou em Israel. Gaza é uma lente que nos permite reavaliar a relação entre o maior movimento global antiguerra dos nossos tempos e os estados do Sul Global, incluindo a maioria no mundo árabe, e grande parte da Ásia e da África, onde os Estados permaneceram em grande parte silenciosos diante do genocídio. E mesmo quando países como o Egito, o Irã, a China, o Paquistão, a Rússia, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos se manifestam a favor da Palestina, adotam as mesmas estratégias de violência dentro das suas próprias fronteiras territoriais. Tais dissonâncias presentes na chamada “solidariedade ao Terceiro Mundo” e a cobertura mediática distorcida do genocídio em Gaza levam-nos a desafiar as teorias normativas fundamentais, sejam elas de mídia e democracia, ou de inovação tecnológica e “liberdade”, na Palestina e além.

Manifestantes protestam a favor da causa palestina em Lisboa, Portugal
O papel da universidade na supressão dos movimentos globais de solidariedade
Como pesquisadores críticos da mídia, da cultura e da tecnologia, devemos situar nossos objetos de análise dentro de seus contextos históricos e contemporâneos. O termo “apartheid”, embora controverso, é fundamental na identificação das lutas contemporâneas dos palestinos com lutas historicamente semelhantes, como aquelas enfrentadas pelos sul-africanos no Século XX. Os próprios sul-africanos apontam para estes paralelos. Quando manifestantes cantam “liberdade de Salt River até o mar” (“freedom from Salt River to the sea), uma linha de equivalência é traçada entre o colonialismo israelense na Palestina e os legados coloniais nos bairros negros da classe trabalhadora na Cidade do Cabo (como Salt River), em contraste com as áreas costeiras afluentes.
Tareq Baconi observou que o termo “apartheid” enriquece a nossa compreensão de um projeto global de colonização ao conectar protestos pelos direitos políticos “de Sharpeville a Selma”. Estas conexões políticas são importantes para uma análise cultural crítica. Quando os manifestantes se veem como parte de uma luta comum, podemos e devemos identificar as suas condições sociais e culturais partilhadas. Enquanto os movimentos anticoloniais lutavam e conquistavam a soberania política nacional em grande parte de África e da Ásia na ordem pós-Segunda Guerra Mundial, a África do Sul estava num curso inverso ao implementar o apartheid como um projeto racial de colonização, segregação e dominação política em 1948. Naquele mesmo ano e dali em diante, os britânicos, juntamente com os Estados Unidos, forneceram apoio geopolítico para o estabelecimento do etno-estado de Israel baseado na ideologia política nacionalista do sionismo, declarando os direitos da maioria da população árabe palestina que vivia no que hoje é Israel como “não-judeus”. Como afirma Saree Makdisi (2024): “o sionismo tal como é praticado não é uma abstração (…) Aconteceu na terra da Palestina. Aconteceu às custas – e continua a acontecer às custas – do povo palestino”.
As condições na África do Sul do Século XX resultaram em décadas de condenação mundial. Da mesma forma, deveríamos condenar o apartheid em Israel do Século XXI, não apenas em relação aos direitos políticos diminuídos dos cidadãos “não-judeus” de Israel que vivem dentro das fronteiras criadas em 1948, mas também em relação ao seu controle e domínio sobre a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza.
Durante os protestos contra o apartheid no final da década de 1980 no Norte Global, os administradores universitários foram alvos de críticas públicas por terem se alinhado ao estado de apartheid branco da África do Sul diante dos apelos das campanhas de desinvestimento defendidas nos campi universitários. Hoje, nos Estados Unidos, no Canadá, no Reino Unido, na Alemanha, entre outros países, os administradores universitários estão enfrentando chamados semelhantes de boicotes aos programas de intercâmbio em Israel. Mas desta vez os administradores tentam envergonhar e punir os estudantes, professores e funcionários que fazem um apelo pelo cessar-fogo permanente em Gaza – e acusando os manifestantes de antissemitismo. Mas há distinções importantes e necessárias entre a chaga do antissemitismo e a crítica e oposição ao sionismo, tal como promulgado pelo Estado de Israel, como uma realidade política racista. As críticas ao projeto político do sionismo, tal como implementado pelo Estado de Israel, não devem ser confundidas como racismo contra o povo judeu.
Essa confusão é cada vez mais difundida pelas instituições acadêmicas do Norte global, que, apesar de afirmarem valorizar a liberdade acadêmica e a liberdade de expressão, tornaram-se espaços onde professores, funcionários e estudantes, incluindo um número crescente de jovens estudantes e professores judeus antissionistas, são reprimidos e punidos por condenar as ações genocidas do Estado de Israel. Protestos antiguerra de solidariedade global pela libertação palestina surgiram nos campi na primavera de 2024, com cerca de 175 acampamentos em mais de 35 países pedindo cessar-fogo e desinvestimento. Esses ativistas estabeleceram conexões com outros esforços abolicionistas e anticoloniais com mensagens como “solidariedade de Ferguson à Palestina” e “da Palestina ao México, todos os muros têm que ser derrubados!”. As universidades rapidamente condenaram, prenderam, suspenderam, demitiram e baniram estudantes, professores e funcionários que participaram nestas ações de solidariedade. Os administradores chamaram a polícia contra seus próprios estudantes e funcionários, muitos dos quais são indivíduos racializados, contradizendo flagrantemente os compromissos institucionais com o antirracismo e a “polícia fora do campus” que acompanharam os levantes por justiça a George Floyd em 2020.
A acusação intencional e errônea do antissionismo como antissemitismo tem sido usada para justificar doxing, ameaça, criminalização e silenciamento de discursos e dissidências críticas às ações bem documentadas do Estado de Israel em Gaza e na Cisjordânia. Ativistas pró-Israel e jornalistas supostamente objetivos têm lançado mão da acusação de “antissemitismo” para demonizar e difamar estudantes e professores. Estes episódios tiveram um efeito inibidor nos espaços acadêmicos e pedagógicos. À medida que as instituições educativas, as organizações de comunicação social e as empresas tecnológicas acusam “antissemitismo” como parte de uma campanha de desinformação e manipulação criada para reprimir críticas à violência do Estado de Israel – esta estratégia politicamente conveniente tem sido rapidamente adotada pelas agendas políticas etnonacionalistas.
Como acadêmicos críticos à nossa conjuntura atual, temos a responsabilidade de criar um espaço para dissidências, discussões desconfortáveis e apoiar movimentos cujos apelos por justiça estão sendo silenciados.
A necessidade de intervenções acadêmicas críticas
A longa tradição de resistência política palestina está profundamente associada à teoria crítica politicamente engajada. Os pensadores palestinos têm desempenhado um papel crucial na crítica anticolonial e feminista em todo o mundo, incluindo a compreensão crítica da mídia, da cultura e da tecnologia em nosso próprio campo. Dessa forma, a história e o presente da luta palestina mediada deveriam informar de forma mais proeminente nossos estudos e pedagogia.
Além da pesquisa e do ensino, diversas associações e organizações acadêmicas emitiram apelos pelo cessar-fogo, pelo desinvestimento e boicote às instituições culturais e acadêmicas cúmplices do apartheid israelense. Em outubro de 2024, cerca de mil autores assinaram um compromisso de boicotar as instituições culturais israelense cúmplices na ocupação, no apartheid e no genocídio.
As associações profissionais que estruturam os nossos campos de estudo – incluindo a Associação Internacional de Pesquisa em Comunicação de Massa, historicamente progressista e criada para promover “ideais humanistas sobre a paz mundial” – vergonhosamente responderam com um silêncio retumbante. Em outros espaços, onze editores de revistas de comunicação e retórica publicaram uma declaração conjunta nas primeiras páginas de suas revistas condenando a proibição da Associação Nacional de Comunicação (NCA), sediada nos Estados Unidos, de uma fala do intelectual palestino Ahlam Muhtaseb na sessão presidencial organizada pelo primeiro presidente palestino da NCA, Walid Afifi. Esses editores também publicaram na íntegra as observações do Dr. Muhtaseb. Além de pedir aos seus leitores que “se unam ao apelo por um cessar-fogo permanente e ao fim da ocupação nos territórios palestinos”, eles nos lembraram: “falar abertamente é importante. A comunicação é importante. O enquadramento da mídia é importante. Palavras são importantes. As histórias são importantes. A imagem é importante”.
Aqui, fazemos um apelo às revistas científicas das nossas associações profissionais para que façam mais do que apenas se manifestarem contra a censura do discurso acadêmico e pela defesa neutra da liberdade acadêmica. Apelamos às nossas associações, incluindo a Associação Internacional de Pesquisa em Comunicação de Massa (IAMCR) e a Associação Internacional de Comunicação (ICA) que publica esta revista, juntamente com outras associadas à Comunicação, estudos sobre cinema e mídia, estudos culturais e estudos sobre ciência e tecnologia (STS), para que pensadores críticos de todas as disciplinas respondam ao chamado histórico de “educar, organizar, agitar”. Isto significa exigir que nossas associações profissionais, no mínimo, tomem uma posição quanto ao pedido de cessar-fogo imediato em Gaza. Apelamos também às escolas de jornalismo, dos departamentos de comunicação, de mídia e de cinema, estudos de informação e todas as associações profissionais relevantes para que apoiem veementemente a proteção de jornalistas, cineastas e produtores, artistas e acadêmicos palestinos, e ao mesmo tempo protejam liberdade acadêmica nas nossas próprias universidades para aqueles que se manifestam contra o genocídio e a ocupação da Palestina.
Nossa resistência e intervenções políticas podem assumir muitas formas, desde a agitação explícita até atos subversivos adequados aos nossos espaços: participando de campanhas de resistência contra a censura e a repressão em nossos locais de trabalho e associações profissionais; trabalhando para garantir que as nossas universidades e associações profissionais abandonem o financiamento de armas, fundos de pesquisa ou iniciativas que contribuam para o regime do apartheid israelense em curso; oferecendo recursos para acadêmicos, jornalistas, criadores de mídia, ativistas tecnológicos e artistas palestinos; e promovendo nossos objetivos coletivos de descolonizar práticas pedagógica e de pesquisa. Podemos apoiar pesquisadores e alunos que fogem da violência. Podemos insistir para que as nossas instituições acadêmicas se recusem a trabalhar com empresas ou agências estatais que se beneficiam do apartheid e do genocídio. Devemos encorajar todos os acadêmicos críticos da comunicação, cultura e tecnologia a envolverem-se em tais intervenções onde e como puderem.
Nosso Coletivo Editorial se solidariza com todos os povos subjugados que sofrem sob a violência dos regimes coloniais/raciais, capitalistas e fascistas, incluindo o povo palestino. Como pesquisadores da comunicação, da mídia, da cultura e da tecnologia, não podemos permanecer calados nem neutros diante da violência genocida transmitida ao vivo. Convidamos pesquisadores conscientizados dentro das nossas áreas de estudo a se unirem aos esforços coletivos pelo cessar-fogo, pelo desinvestimento e pelo boicote contra o regime de apartheid israelense, e pelo apoio à justiça na Palestina.
Concluímos reiterando uma pergunta feita pelas pesquisadoras palestinas Alia Al-Sabi e Amany Khalifa: o que as palavras podem fazer em meio ao genocídio? Ao que elas respondem: “escrevemos porque é assim que carregamos nossos mortos conosco. Mesmo quando não sabemos seus nomes, mesmo quando estão tão partidos que não podem ser abraçados, mesmo quando estão enterrados demais nos escombros a ponto de não poderem serem recuperados. Escrevemos para que os nossos mortos possam continuar vivendo em nossas palavras”.
Tradução: Fernanda Pinto de Almeida
Para ler o manifesto no seu idioma original, basta clicar neste link.
