Quinta-feira, 10 de julho de 2025
APOIE
Menu

A oposição ao governo no Congresso Nacional “descobriu”, com os últimos dados de pesquisas econômicas e de opinião, o óbvio: Lula estava construindo um discurso poderoso para as eleições de 2026.

A conta era esta: inflação controlada (previsão de 5,24% para 2025, segundo o boletim Focus), contas públicas razoavelmente em dia, melhoria da distribuição de renda (o índice de Gini, que mede a diferença entre ricos e pobres, ficou em 0,506 — o mais baixo desde que o IBGE começou a medi-lo, em 2012) e taxação dos mais ricos. Arroz, feijão e picanha mais baratos; SUS e programas sociais funcionando, ainda que sem uma marca forte; e a economia do país crescendo, apesar do cenário internacional instabilíssimo.

Noves fora a estabilização progressiva da vida política, o Congresso resolveu, então, partir para a guerra à moda de Eduardo Cunha em sua sanha pela derrubada de Dilma Rousseff em 2015 e 2016. Contra a resistência do governo à adoção de uma agenda puramente liberal — que é sinônimo de enriquecimento dos mais ricos e de fraqueza nas urnas —, apelou para os bombardeios ao orçamento: corte de receita com a rejeição do decreto do IOF pela Câmara e aumento de gastos futuros com a ampliação das bancadas, aprovada pelo Senado.

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

Diga-se que o aumento das bancadas não seria exatamente um problema, nem pesaria significativamente na planilha, embora seja simbolicamente importante. O país tem problemas de representatividade, e alguns estados estão sub-representados no Congresso Nacional. Ter mais deputados não precisaria significar, entretanto, aumento de gastos — bastaria que os nobres deputados e senadores proibissem a ampliação de cargos de assessores e verbas de gabinete, que poderiam muito bem ser redistribuídos a partir do orçamento atual. Não foi o caso.

Mas voltemos ao essencial: o aumento de receita. Esse aumento é fundamental para o governo cumprir a agenda fiscal que se impôs, a partir dos acordos firmados com o próprio Congresso Nacional, tanto na PEC da Transição quanto na construção do arcabouço fiscal.

76% querem mais impostos para os ricos

O resultado prático é que o ministro Fernando Haddad, apesar de todas as concessões — talvez excessivas — ao capital financeiro, fez o governo Lula encontrar uma pauta popular: o aumento dos impostos dos mais ricos. Pesquisa Datafolha publicada no último mês de abril mostrou que 76% dos brasileiros apoiam o aumento do Imposto de Renda para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês.

O número é surpreendentemente superior ao de brasileiros que defendem a redução dos impostos para os mais pobres: a mesma pesquisa mostrou que a redução do IR para os trabalhadores que recebem até R$ 5 mil mensais tem o apoio de 70% — portanto, 6 pontos percentuais abaixo. Ou seja, o trabalhador brasileiro acha — e tem razão, dada a arquitetura do sistema tributário do país — que é mais injusto os ricos pagarem pouco imposto do que os pobres pagarem imposto.

O Congresso, no entanto, apostou contra a vontade da população. Reacionários e conservadores, liderados por Hugo Motta (presidente da Câmara) e Davi Alcolumbre (presidente do Senado), parecem acreditar que só um ataque à governabilidade econômica é capaz de evitar a reeleição de Lula, especialmente com Bolsonaro praticamente fora do páreo.

Acima, dissemos que a movimentação lembra a de Eduardo Cunha. Talvez seja mais preciso dizer que a oposição se comporta como Israel: descumpre acordos, bombardeia o orçamento dos pobres e favorece a acumulação dos ricos, desconsiderando a opinião pública.

A aposta é alta: o Congresso, ao tentar solapar assim o governo Lula, pode acabar jogando-o na guerra, atraindo a atenção para a pauta econômica e para as contradições de quem diz ser a favor do corte de gastos, mas não abre mão de mais assessores, mais cadeiras na Câmara e mais emendas parlamentares.

Jango e Didi, após a conquista da Copa de 1962. Foto: Arquivo Nacional/Wikipedia

Jango e Didi, após a conquista da Copa de 1962. Foto: Arquivo Nacional/Wikipedia

Gol da oposição, mas o jogo só está começando

Não estamos, no entanto, no início do governo, quando parte do Estado parecia mais disposta ao golpismo. Estamos num cenário em que Lula e seus ministros — inclusive o da Fazenda — podem ir à luta aberta, já tendo também absorvido as lições de como enfrentar a extrema-direita, dadas pelos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Claudia Sheinbaum, do México — muito mais midiática que seu antecessor, López Obrador, que ia bem no jogo, mas não tinha visibilidade internacional.

Assim, a derrota do governo pode, paradoxalmente, representar uma libertação. E, ao eleger os deputados e senadores como responsáveis pela espoliação dos brasileiros mais pobres, Lula tem uma oportunidade única de chamar a atenção para as eleições parlamentares, que têm sido o calcanhar de Aquiles das forças progressistas.

Estamos, no entanto, nos primeiros minutos do primeiro tempo das eleições de 2026, e o governo, que apostava num jogo mais truncado pelo menos no primeiro tempo, levou um gol — não totalmente inesperado, mas bastante antes da hora.

Cabe agora a Lula ter a cabeça fria de Didi na Copa de 1958: quando Nils Liedholm, da Suécia, abriu o placar logo no comecinho do jogo, o líder do time foi lá, pegou a bola com tranquilidade, colocou-a debaixo do braço e caminhou lentamente até o meio do campo, preparando o moral do time para a virada.

O resultado, 86 minutos depois, seria imprevisível naquele momento: 5 a 2 para o Brasil, com gols de Vavá (2), Pelé (2) e Zagallo — e de Agne Simonsson para a Suécia, quando o jogo já estava 4 a 1 para o Brasil.