Sexta-feira, 11 de julho de 2025
APOIE
Menu

Os atuais desenvolvimentos tecnológicos que afetam desde investimentos no mercado até disputas políticas internacionais produzem um impacto central também na administração de recursos, especificamente de recursos naturais sensíveis para a produção na chamada indústria 4.0. A exploração de metais como cobre, ouro, prata, nióbio, entre outros, é de central importância para o desenvolvimento das tecnologias digitais, especificamente na confecção de hardwares – algo que dá à mineração desses bens um interesse e implicação global, em uma espécie de economia geopolítica da infraestrutura digital. As novas restrições chinesas sobre a importação dos metais de terras raras anunciou não só um tensionamento, mas talvez uma nova etapa nessa geopolítica.

A presença de minerais críticos – fundamentais para a produção de itens básicos na área de alta tecnologia, como é o caso dos semicondutores – é dominada por poucos países: enquanto, p.e., o Chile é o maior fornecedor de cobre no mundo e a Austrália aparece como um grande produtor de lítio, com a Bolívia tendo as maiores reservas, na China a produção predominante é do grafite, mas a existência dos metais de terras raras (como lantânio, disprósio e neodímio), muito usados em smartphones e computadores, além de lítio e manganês, dão a tônica da exploração e posição estratégica global a partir desses recursos, especialmente na medida em que são frequentemente encontrados nos países chamados de subdesenvolvidos – vale considerar que Congo e África do Sul, além da Indonésia, são também grandes fornecedores de cobalto, níquel, platina e irídio

Os metais de terras raras são utilizados na fabricação de itens críticos fundamentais, como ímãs de alto falantes, discos rígidos de computadores, motores de veículos elétricos e motores a jato, além de telas e monitores, tecnologia médica e, fundamentalmente, tecnologia militar. (Foto: Angélica Portales / Flickr)

Os metais de terras raras são utilizados na fabricação de itens críticos fundamentais, como ímãs de alto falantes, discos rígidos de computadores, motores de veículos elétricos e motores a jato, além de telas e monitores, tecnologia médica e, fundamentalmente, tecnologia militar.

(Foto: Angélica Portales / Flickr)

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

A título de informação, os metais de terras raras são 17 elementos químicos (lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, escândio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio) encontrados na natureza com alguma abundância, mas tornam-se “raros” pela dificuldade de extração, “já que eles ficam misturados a outros minérios”. Esses metais são utilizados na fabricação de itens críticos fundamentais, como ímãs de alto falantes, discos rígidos de computadores, motores de veículos elétricos e motores a jato, além de telas e monitores, tecnologia médica e, fundamentalmente, tecnologia militar.

Muitos países, de muitos continentes, detém solos ricos com minérios fundamentais para o desenvolvimento tecnológico irrefreável da digitalização. O que está em jogo agora é uma disputa entre desenvolvimento e soberania nacional contra a submissão e subjugação à divisão internacional do trabalho, o (sub)desenvolvimento desigual e combinado, e a exploração neocolonial do globo. Vale lembrar que outros países produzem metais de terras raras, inclusive o Brasil.

O momento atual de desenvolvimento (das contradições) da sociedade capitalista depende necessariamente do desenvolvimento da infraestrutura digital, emaranhando-se assim em seus efeitos superestruturais. Em termos de infraestrutura, a necessidade imposta de exploração da terra raras e seus minérios implica em uma disputa entre EUA e China que vem se intensificando desde o ano passado: a estatização de duas refinarias estrangeiras privadas, além da imposição de restrições à exportação de elementos como antimônio, gálio e germânio, basilares para a fabricação de chips e tecnologias militares, e a qualificação do setor de terras raras como segredo de Estado evidenciam a seriedade com que a China trata o tema. Recentemente, a restrição chinesa na exportação de metais raros (que não constitui um bloqueio, como circulou nas redes) abriu uma corrida para um controle a médio prazo das tendências após consumo de reservas, assim como brechas no investimento/desenvolvimento de novas cadeias produtivas em outros países, além de intensificar a “guerra comercial” com os EUA, considerado como um “duro golpe” por alguns analistas.

Por parte dos EUA, o alinhamento entre Trump e as Big Techs – ainda que esteja em aparente crise em sua relação com Elon Musk – torna-se uma convergência por necessidade geopolítica e de disputa no mercado Global, já que o domínio de recursos e desenvolvimento de alta tecnologia vem se desenhando cada vez mais para uma passagem do domínio total ao oriente. Essa preocupação por parte do imperialismo norte americano revelou-se nitidamente em seu mais recente envolvimento no golpe de Estado contra Evo Morales, especialmente quando consideramos que a Bolívia é detentora da maior reserva de lítio global – fundamental, por exemplo, para a produção das baterias elétricas padrões. 

Como argumentado por Deivison Faustino e Walter Lippold, o que encontramos é um momento de recomposição da expressão orgânica objetiva do capital – que conceituam enquanto Colonialismo Digital –, que “se materializa a partir da dominação econômica, política, social e racial de determinados territórios, grupos ou países, por meio das tecnologias digitais”[1]. Irônica e tragicamente, a digitalização implica um novo tipo de sujeição e exploração neocolonial do Sul Global que é marcado por um duplo espectro da mineração: tanto de metais quanto de dados. 

No que diz respeito não só à mineração das terras, mas ao desenvolvimento da digitalização como um todo, é indispensável um amplo debate que abarque tanto a soberania dos países super-explorados na divisão internacional do trabalho e saqueados pelas novas dinâmicas do neocolonialismo digital, sem deixar de considerar a centralidade das questões éticas e ecológicas – tendo em vista, por exemplo, que os impactos ambientais do desenvolvimento digital são amplos e vão desde a extração de minérios até os impactos hídricos na manutenção e resfriamento de data centers

No Brasil, o ministro Fernando Haddad tem apresentado propostas de incentivo ao investimento estrangeiro de tecnologia em território nacional – especificamente com seu projeto para o desenvolvimento de data centers apresentado em Palo Alto, na Califórnia que, até agora, não apresentou de fato qual seria o bônus para a economia nacional (e a qual ônus). Aparentemente, a região nordeste é visada para a instalação dessas centrais de dados. Além dos custos econômicos, é fundamental termos em mente os custos ecológicos da produção e manutenção dessas tecnologias, na medida em que a soberania nacional passa tanto pela não submissão aos interesses e poderes estrangeiros – em especial o dos EUA –, mas também pela preservação dos recursos naturais nacionais, sem a vanglorização de um desenvolvimentismo irrefreado e irresponsável, além de delirante, com o canto da sereia tecnológica da vez – como é o caso das IAs no momento. É fundamental desenvolver a soberania tecnológica brasileira sem passar pelo filtro dos interesses imperiais nem ignorar os custos ambientais desse processo. 

(*) Cian Barbosa é flamenguista e morador do Rio de Janeiro. Bacharel em sociologia (UFF), doutorando em filosofia (UNIFESP) e psicologia (UFRJ), pesquisa teoria do sujeito, crítica da cultura, violência, tecnologia, ideologia e digitalização; também é integrante da revista Zero à Esquerda, tradutor e ensaísta, além de professor e coordenador do Centro de Formação.


Notas:
[1]  FAUSTINO, Deivison; LIPPOLD, Walter. Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana. Boitempo Editorial, 2023, p. 80.