Seguia a segunda rodada de café quando Lula disse: “a esquerda faz uma escolha pela democracia”. E acrescentou: “Quem dá golpes, não é a esquerda. Não foi a esquerda quem deu o golpe em Honduras”.
A frase de Lula fez parte de uma conversa que aconteceu no dia 30 de setembro com vários meios de comunicação, entre eles o Pagina/12.
Vale notar: quando o presidente brasileiro fez esta colocação, no meio de manhã, não parecia estar ciente da suposta tentativa de golpe no Equador porque colocou Rafael Correa dentro dos processos de mudança no continente e não mencionou nenhuma chirinada.
Vale notar também: um diplomata latino-americano que pediu sigilo de sua identidade, contou que um grupo de peritos e militares, entre eles alguns dos funcionários de inteligência do Equador, se reuniu no mesmo dia na sede equatoriana na Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, FLACSO, e pereciam não saber de nada.
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É muito cedo para avaliar seriamente o que aconteceu e o que acontecerá no Equador. Mas em uma análise profunda convém afastar qualquer retórica heróica que não possibilita uma compreensão clara.
Rafael Correa não é Salvador Allende. Não é em termos pessoais, mas sobretudo vivemos em outro tempo histórico. Quando Augusto Pinochet derrubou Allende, em 11 de setembro de 1973, os Estados Unidos de Richard Nixon e Henry Kissinger já tinham começado a contagem regressiva para a América Latina. Com a ajuda da elite uruguaia conduziram o golpe no Uruguai, depois do Chile viria o golpe na Argentina em 1976.
A situação atual é diferente. Por um lado, nenhum dos processos de mudança na América Latina planeja uma revolução socialista, nem sequer por via pacifica. Por outro lado, Washington não tem um efeito dominó que acabe com as democracias.
É verdade que o governo Bush incentivou o golpe contra Hugo Chávez em 2002 e coordenou atividades com os empresários que o encabeçaram. Também é certo que em junho de 2009 o governo de Barack Obama aceitou com demasiada contemplação o golpe contra o presidente hondurenho Manuel Zelaya e as eleições forçadas que resultaram no triunfo de Porfírio Lobo. O Brasil foi muito duro contra o golpe. Da mesma forma a presidente argentina Cristina Kirchner. Por isto a Argentina não reconhece o novo governo e Néstor Kirchner chama Lobo de “senhor” e não “senhor presidente” quando se encontram em algum evento internacional, como a posse do presidente colombiano Juan Manuel Santos.
A revolta equatoriana de quinta-feira (30/9) pode ser comparada com os golpes da década de 70, com a tentativa de golpe na Venezuela em 2002 ou com o golpe hondurenho de 2009? A principio não.
Três pontos a considerar:
– As relações de Correa com os Estados Unidos estão em seu melhor momento desde que ele assumiu em 2006. Por isso a embaixatriz norte-americana na OEA, Carmem Lomellin, disse que seu país “apoia o governo democrático de Rafael Correa”. Posteriormente, a própria secretaria de Estado, Hillary Clinton, expressou seu apoio total a Correa e disse que os EUA deploram a violência e a ausência de legalidade.
– O vizinho mais complicado do Equador, a Colômbia, mudou de posição quando Santos assumiu o lugar de Álvaro Uribe. Como gesto, Santos até liberou ao governo do Equador o disco rígido do notebook do chefe das FARC morto, Raul Reyes, assassinado por tropas colombianas em território do Equador, e que desencadeou uma crise diplomática que os dois países estão solucionando.
– Correa tem mais de 50% de aprovação popular, segundo pesquisas. Em 2009 ganhou sua ultima eleição no primeiro turno e seu mandato vai até 2013. Um recorde democrático se levarmos em conta que entre 1996 e 2006 nenhum presidente terminou seu mandato. Em 2009, o ex-presidente Lucio Gutierrez que foi acusado de instigar a rebelião contra Correa, não alcançou 30% dos votos. Seria leviano minimizar a crise equatoriana, sobretudo porque não se sabe se por trás da revolta policial existe um plano das oligarquias costeiras de Guayaquil. Por principio qualquer risco para a democracia deve ser levado a serio pela América do Sul, tal como fizeram os países da região: a fraqueza de um pode ser, se tolerada, a debilidade de todos.
O indício mais urgente para avaliar como está a crise é a segurança pessoal do próprio Correa. Então, se a crise se resolve bem, teremos que observar o rumo que tomará o presidente equatoriano. Uma possibilidade é que se dissolva o Congresso e se convoque eleições para purificar seu próprio bloco, o da Aliança País, que votou dividido para a mudança do regime dos policiais. Outra possibilidade é ordenar a seus quadros políticos de confiança- que não são muitos- o reforço do controle institucional sobre os órgãos do Estado. Por exemplo, o controle sobre a policia que quis entrar para a história como uma perigosa guarda bananeira, ou como a Bonaerense – a maldita policia do fim dos anos 90 – do comissário Pedro Klodzyck.
*Artigo publicado orginalmente no jornal Pagina12
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