Já se passaram 36 anos desde a última redução de jornada de trabalho conquistada pela nossa classe, que foi na ocasião da redemocratização do país, com a promulgação da Constituição Federal em 1988. Na realidade, os poucos direitos de quem trabalha foram arrancados, um a um, na última década, através da reforma trabalhista, terceirização e privatizações. Pelo fato de estarmos vivendo um período de aumento brutal da exploração em todo o globo, é impossível não se animar com a virada no movimento dos últimos dias: o avanço da luta pelo fim da escala 6×1.
Essa mobilização escancara o que já não parecia tão óbvio assim: que a contradição capital-trabalho é a fundamental dos nossos dias. A palavra de ordem pelo fim da escala 6×1 torna simples, para pessoas simples, uma das contas que impera nas relações de produção capitalista e é responsável por tanta miséria e desespero: quanto menor o nosso salário e maior o tempo trabalhando, maiores os lucros da burguesia.
Enquanto alguns se descabelam, gritam enfurecidos contra um “povo que não sabe votar”, tentam encontrar explicações simplistas para as derrotas institucionais, nasce da esperança de “trabalhar para viver e não viver pra trabalhar” uma nova força dos trabalhadores contra a exploração capitalista.
Luta contra a escravidão assalariada
O Movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT) foi criado por um grupo de trabalhadores em setembro de 2023 e defende uma escala 4×3 e carga de 32 horas semanais sem redução dos salários e benefícios. A partir das denúncias da jornada exaustiva, falta de tempo para cuidar da família e descansar, a pauta vem ganhando força e se tornou uma proposta de Emenda Constitucional que, a partir da iniciativa da deputada Erika Hilton, alcançou 231 assinaturas nesta sexta-feira (15) e já tem o mínimo necessário para começar a tramitação no Congresso Nacional.
Manifestações de rua foram realizadas em praticamente todas as capitais do país no 15 de novembro. Em Ribeirão Preto (SP), os manifestantes ocuparam um shopping center, local que simboliza a submissão dos trabalhadores à jornada de trabalho exaustiva e baixíssimos salários. No Rio de Janeiro, capital que acaba de eleger à vereança o trabalhador que é um dos fundadores do VAT, Rick Azevedo, os cartazes pediam a revogação da reforma trabalhista e previdenciária. Em Boa Vista, capital roraimense, os manifestantes conquistaram a simpatia da população com panfletos explicando a pauta.
É impossível não se identificar com essa luta. No Brasil, 8 horas de trabalho diário são só a ponta do iceberg. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a média nacional de tempo de deslocamento de casa para o trabalho é de 4,8 horas semanais, mas chega a 7 horas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Outra pesquisa mostra ainda que as mulheres trabalham em média 7 horas e meia a mais por semana que homens, com a dupla ou tripla jornada de trabalho, que envolve os cuidados da casa e dos filhos (Ipea).
Vale lembrar que uma das principais medidas dos golpistas foi aprovar a Reforma Trabalhista em 2017, alterando mais de 100 artigos da CLT para aumentar ferozmente a exploração dos trabalhadores com a flexibilização da jornada. Ao contrário do que prometeram para enganar o povo, a reforma diminuiu os postos de trabalho formal e impôs a informalidade a 38,6% da população (IBGE). Hoje, a jornada dos trabalhadores informais chega a 12, 14 e até 16 horas diárias para conseguir sobreviver. Motoristas de aplicativo, vendedores ambulantes e domésticas, todos andam cochilando e oprimidos pelos cantos da cidade, esmagados pela exaustão do trabalho.
Patrões estão nervosos
A histeria toma conta dos deputados fascistas, cães de guarda dos interesses dos banqueiros, latifundiários e dos patrões. Os empresários milionários e o setor dos comércios também estão em polvorosa: “ideia estapafúrdia”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, em entrevista para a Folha. Na tentativa de espalhar o terror, os industriais declaram que se a proposta for aprovada, faltarão produtos e serviços, os preços aumentarão e as pessoas ficarão desempregadas.
Toda essa agitação mostra que estamos no caminho certo.
Greve geral?
Uma greve geral, encabeçada pela paralisação de doze dias entre os operários ferroviários da São Paulo Railway, conquistou a jornada de 8 horas e aumentos de 10% nos salários em 1932. Naquele ano, o movimento grevista em São Paulo paralisou mais de duzentos mil trabalhadores, desde operários da construção civil até garçons e cozinheiros, sendo cem mil da indústria têxtil. Com o avanço da organização dos trabalhadores, com o fortalecimento dos sindicatos e das greves operárias, apesar da forte repressão, a jornada de 44 horas no Brasil foi conquistada 56 anos depois. Em 2003, as centrais sindicais chegaram a lançar a “Campanha Nacional pela Redução da Jornada”, com palavras de ordem pelas 40 horas semanais. Mas a história comprova que nada se conquista sem a classe trabalhadora.
As vitoriosas manifestações de 15 de novembro reuniram milhares de pessoas em todo o território nacional e na próxima semana acontecerão reuniões locais de balanço para desenhar os próximos passos da luta. Se formos capazes de fazer o movimento crescer para as categorias de trabalho que estão esmagadas pelas privatizações e terceirizações, ao mesmo tempo em que se fortalece com aqueles que estão lutando contra as demissões nas indústrias, podemos conquistar uma vitória histórica para o nosso povo.
Contem isso àqueles que dizem que fomos derrotados!