Com a recente declaração da chanceler Angela Merkel sobre o fracasso do modelo multicultural na Alemanha, vai se completando o giro de cunho xenófobo na Europa. Segundo as pesquisas, se um partido xenófobo se apresentasse agora em eleições na Alemanha, obteria cerca de 15% dos votos. Além disso, países-símbolo da tolerância, como Holanda ou Suécia, são apenas os últimos casos de governos condicionados por partidos que pedem a expulsão dos estrangeiros e o retorno a uma nação pura e homogênea.
Segundo as Nações Unidas (UNFPA, 2009), a Europa deveria acolher, até 2015, pelo menos 20 milhões de imigrantes para continuar sendo competitiva no plano mundial. O envelhecimento da população europeia é tão rápido que, pela primeira vez, pessoas com mais de 50 anos superam as menores de 18. Por este motivo, o sistema de previdência social está destinado a sofrer uma crise estrutural se não houver trabalhadores suficientes para pagar as contribuições correspondentes.
É representativo das carências da classe política europeia o fato de nenhum governo ter buscado implantar uma política de educação para fazer seus cidadãos compreenderem a importância dos imigrantes para o desenvolvimento nacional e que tenha sido permitido que se estendesse o mito da perda de postos de trabalho por parte dos europeus, bem como o de que os imigrantes representam um perigo para a ordem pública. Hoje em dia, cerca de 70% das novas empresas são o resultado da iniciativa de imigrantes (OCDE, 2009) e somente 1% destes está envolvido em atividades criminosas (embora representem uma parte importante da população carcerária).
Se passarmos à imagem da Europa como potência econômica a situação é ainda pior. Não só a balança de pagamentos ficará cada vez mais desequilibrada, como também os países europeus estão perdendo progressivamente cotas do mercado mundial, com exceção da Alemanha. Segundo as projeções, se a Europa não reverter as tendências atuais, será superada pela China em 2015 com motor da economia mundial. Esses dados não chegam às pessoas comuns, mas existe a perda de credibilidade nas instituições europeias e uma crescente divergência com as instituições políticas. O Eurobarômetro de 2010 indica que apenas 52% dos cidadãos europeus estão dispostos a votar.
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A mesma situação, embora de modo obviamente diferente, se apresenta nos Estados Unidos. A crise financeira, o desemprego, a perda da casa por milhões de pessoas, a impossibilidade de se aposentar e a necessidade de continuar trabalhando para sobreviver, o aumento da pobreza, que afeta um em cada dez norte-americanos, a redução dos serviços, incluindo educação e infraestruturas estatais cada vez mais endividadas, produzem um único resultado: a desconfiança com relação ao governo, que chega ao ponto de deixar o presidente Barack Obama com aprovação pública de 43% e que 49% dos entrevistados pela rede CNN declararem que preferem George W. Bush.
As eleições de novembro mostraram um retrocesso do Partido Democrata, o que tornará ainda mais difícil a segunda metade do governo Obama. Isto ocorre apesar de Obama ter conseguido cumprir reformas de grande importância como aquela, quase inteira, do sistema sanitário, aquela bastante reduzida do sistema educacional e aquela muito tímida do sistema financeiro.
Também aqui estamos diante de uma fuga para o futuro, outro aspecto furta-cor de uma crise profunda, que no caso norte-americano se deve, além dos fatores internos, ao reconhecimento de que a superpotência está perdendo a capacidade de cumprir seu “destino manifesto”, segundo o qual os Estados Unidos seriam um país diverso dos demais e, por ser universal seu sistema de valores, que está destinado a governar o mundo.
O Tea Party, movimento conservador em crescimento nos Estados Unidos, é formado por duas grandes vertentes: uma quer reduzir o governo à mínima expressão e considera Obama um perigoso socialista que deseja converter os Estados Unidos em uma segunda Europa, e que, portanto, é preciso reduzir ao máximo os impostos e dar liberdade total ao cidadão. O segundo filão acredita que a decadência norte-americana se deve a uma conspiração internacional e que é hora de vestir as calças e tirar de cena os ineficientes intelectuais como Obama.
Esta marcha à deriva de Europa e Estados Unidos ocorre enquanto não apenas China, Índia e Brasil, mas também diversos países emergentes, da Indonésia à Malásia, da Coreia à Argentina, marcham a um ritmo de crescimento econômico muito superior. Uma das características da crise é que os protagonistas não têm a capacidade de ver além de seu próprio mundo. Segundo as projeções das Nações Unidas (Unctad, 2010), a China superará os Estados Unidos dentro de dez anos. Poderá o Norte do mundo deixar de buscar bodes expiatórios e de fugir do real problema e, por outro lado, começar a cumprir, antes que seja tarde, políticas que resistam aos desafios destes tempos? Quem escreve este artigo não está nada convencido de que assim será. Envolverde/IPS
* Roberto Sávio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS). Artigo publicado pela Agência Envolverde.
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