Terça-feira, 15 de julho de 2025
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O fatos contra-coloniais tem sido um quadro recorrente em meu Instagram, em parceria com a plataforma African Stream. Esse é o primeiro artigo desenvolvido por mim a partir dessa parceria. Aqui, exploraremos os motivos pelos quais Ibrahim Traoré, o líder impetuoso de Burkina Faso, se tornou alvo da hostilidade ocidental. 

Nosso objetivo não é criar heróis ou vilões, mas ir além das dicotomias e apresentar informações frequentemente negligenciadas pela mídia hegemônica ocidental.

O presidente de Burkina Faso, Ibrahim Traoré, durante encontro com o presidente russo Vladimir Putin, em 9 de maio de 2025. (Foto: Kremlinru)

O presidente de Burkina Faso, Ibrahim Traoré, durante encontro com o presidente russo Vladimir Putin, em 9 de maio de 2025.
(Foto: Kremlinru)

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Desde que chegou ao poder, Traoré desafiou o domínio do FMI, expulsou tropas francesas e defendeu a unidade pan-africana por meio da Aliança dos Estados do Sahel. 

Em janeiro de 2023, sob a liderança de Traoré, Burkina Faso expulsou o embaixador francês, Luc Hallade, acusado de intromissão. Em fevereiro do mesmo ano, o país ordenou a saída das tropas francesas, pondo fim a décadas de dependência militar de Paris. Traoré também prendeu supostos espiões franceses. Seu compromisso com a soberania dos recursos e a mobilização popular aterroriza as potências ocidentais, que lançaram uma campanha midiática difamatória contra ele. Traoré acusou a França de criar instabilidade para justificar sua presença militar e operações de contraterrorismo, que ele afirma terem sido incapazes de proteger os civis. 

Ainda em 2023, ele suspendeu acordos militares com a França. Em resposta, as potências ocidentais intensificaram sua campanha de propaganda contra ele, promovendo seus interesses e prosperidade na África, aproximando países como o Benin e Costa do Marfim. Traoré estabeleceu uma base militar independente para combater os terroristas fundamentalistas islâmicos e forjou uma unidade pan-africanista. 

Burkina Faso, sob a liderança de Traoré, é um dos membros fundadores da Aliança dos Estados do Sahel, junto com Mali e Níger. Esta aliança busca uma integração regional mais profunda em termos políticos, econômicos e de defesa, promovendo a soberania africana.

A Aliança dos Estados do Sahel (AES) planeja criar uma moeda para competir com o franco CFA, desafiando o controle monetário da França sobre a região. Essa iniciativa visa reduzir a dependência do apoio ocidental e, em última análise, formar uma entidade pan-africana oficial e uma África unificada anti-imperialista.

O presidente Traoré busca maior controle local sobre os lucros da mineração de ouro, o principal setor de exportação de Burkina Faso. Em julho de 2024, ele implementou regulamentações mais rígidas para empresas estrangeiras, nacionalizou as minas Boungou e Washington e criou uma lista de empresas estrangeiras de mineração que não são bem-vindas a manter seus negócios no país. Recentemente, em reunião com o Senado norte-americano, o general do Exército dos EUA Michael Langley acusou Ibrahim Traoré de usar todo o ouro do país para sua defesa pessoal, pedindo por uma intervenção militar no país que defenda os interesses do povo (ou do ocidente?).

Burkina Faso está aberta a novas parcerias com países como a Rússia,  a quem concedeu licenças de mineração em 2025. Traoré está disposto a revogar licenças de mineração para empresas privadas que vão contra os interesses econômicos do Estado, o que tem deixado multinacionais ocidentais ansiosas. 

No que diz respeito à comunicação, em dezembro de 2022, Ouagadougou proibiu a Rádio França Internacional (RFI) por ameaças à segurança nacional. Em março de 2023, ele suspendeu as autorizações de transmissão da France 24. Essas medidas ameaçaram o monopólio ocidental de comunicação a moldar a percepção global sobre os assuntos africanos, mas apontam preocupantes níveis de controle estatal sobre as informações, o que pode indicar falta de transparência, em especial após acusações de que o exército teria vitimado civis em regiões próximas ao deserto.

Muito se fala sobre a possível relação entre Traoré e o grande Thomas Sankara (tema de um fatos contra-coloniais muito em breve), mas apesar das aparências devemos nos manter atentos. Muitas foram as contribuições de Sankara para o pan-africanismo, assim como para a cultura de Burkina Faso (para além do próprio nome do país), Traoré usa de sua imagem como forma de se ligar a essa memória, no entanto serão suas ações políticas, econômicas e sociais que falarão sobre a potência desse legado.

(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.