Fatos contra-coloniais: Modibo Keïta
À frente da luta por independência do Mali, Modibo Keïta foi um dos mais destacados líderes antiimperialistas da África
Modibo Keïta, uma figura central na história da independência do Mali, é lembrado como um símbolo do pan-africanismo e da luta contra o imperialismo. Líder carismático e visionário, ele desafiou as estruturas coloniais e neocoloniais impostas pelo Ocidente, o que o tornou alvo de críticas e hostilidade por parte das potências estrangeiras. Neste artigo, exploraremos quem foi Modibo Keïta, suas conquistas e por que ele despertou tanta resistência no Ocidente.
Modibo Keïta nasceu em uma família maliana de origem muçulmana que reivindicava descendência direta da dinastia Keita, fundadora do Império do Mali medieval. Educado em Bamako e na prestigiosa École Normale William-Ponty em Dakar, onde se destacou como o melhor da sua classe, Keïta começou sua carreira como professor antes de se envolver em associações que defendiam os direitos dos africanos. Sua visão política era clara: unir os povos africanos e libertá-los do jugo colonial.

O presidente do Mali, Modiba Keita, e Egito, Gamal Abdel Nasser, em Addis Abeba, durante a Conferência Africana, em 1966.
Keïta foi um dos arquitetos da Federação do Mali, criada em 1959, que uniu o Sudão Francês (atual Mali) e Senegal. Apesar do colapso dessa união, em função de divergências com o Senegal, ele proclamou a independência total da República do Mali em 1960. Como primeiro presidente do país, Keïta trabalhou incansavelmente para construir uma nação soberana, rejeitando a influência francesa e promovendo uma agenda anticolonial.
Keïta sonhava com uma África unida e livre. Em 1961, ele trouxe o Mali para uma união com os Estados Africanos, formada em 1958 por Gana e Guiné, criando a União Gana-Guiné-Mali. Essa aliança foi um passo ousado contra o neocolonialismo, buscando fortalecer a cooperação econômica e política entre nações africanas. Além disso, em 1963, Keïta fundou a Organização da Unidade Africana (OUA), precursora da atual União Africana, um marco na história do continente que impulsionou uma visão revolucionária de unidade pan-africana.
Seu apoio a movimentos de independência, como os de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, e sua solidariedade aos movimentos militares no Congo irritaram as potências ocidentais. Keïta também se posicionou ao lado de Patrice Lumumba, apoiando-o contra as forças ocidentais que culminaram no assassinato do líder congolês em 1961. Essa postura anti-imperialista o transformou em uma ameaça aos interesses coloniais.
Um dos atos mais significativos de Keïta foi nacionalizar indústrias e empresas estratégicas, como as de algodão, transporte, mineração e bancos, que antes eram dominadas por interesses franceses. Ele estabeleceu a SOMIEX (Empresa de Importação e Exportação do Mali) para desmantelar a exploração estrangeira e promover o desenvolvimento interno. Além disso, em 1962, Keïta introduziu o franco maliano, abandonando a zona CFA francófona e rejeitando a supervisão financeira francesa, o que gerou um conflito direto com Paris.
Essa decisão foi um golpe direto contra a influência econômica do Ocidente no Mali. O Banco de Desenvolvimento do Mali, criado por Keïta, simbolizou sua determinação em construir uma economia independente, mesmo enfrentando hostilidade e pressões externas.
Keïta não se limitou a reformas internas. Ele apoiou ativamente movimentos de independência em toda a África, como a Frente de Libertação Nacional (FLN) na Argélia, e manteve uma postura não alinhada, equilibrando relações com o Leste e o Oeste durante a Guerra Fria. Sua defesa do socialismo e do pan-africanismo o colocou em rota de colisão com as potências ocidentais, que viam nele um obstáculo aos seus interesses geopolíticos.
Apesar de seus esforços, Keïta enfrentou desafios internos, como colheitas ruins em 1968 e a desvalorização do franco maliano, que geraram descontentamento. Em 19 de novembro de 1968, ele foi deposto por um golpe de estado liderado pelo general Moussa Traoré e enviado à prisão em Kidal, onde permaneceu até sua morte. Seu governo autoritário e as milícias populares do US-RDA também contribuíram para sua queda.
No entanto, o legado de Modibo Keïta perdura. Sua rejeição ao franco CFA ressoa em debates atuais sobre a descolonização econômica na África, enquanto sua visão pan-africana continua a inspirar movimentos de unidade continental. Keïta foi um líder que desafiou o Ocidente não apenas com palavras, mas com ações concretas, pagando um preço alto por sua coragem.
Modibo Keïta foi mais do que um líder nacional; ele foi um símbolo de resistência contra o colonialismo e o neocolonialismo. O Ocidente o odiava porque ele ousou romper as cadeias econômicas e políticas impostas, defendendo uma África soberana e unida. Sua história é um lembrete de que a luta pela descolonização ainda ecoa, e suas ideias permanecem vivas na busca por uma África livre e autônoma.
(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.