FESPACO 2025: uma celebração da audácia cinematográfica africana
Com uma seleção de 235 filmes entre 1.351 inscritos, o FESPACO 2025 celebrou a riqueza e a diversidade do cinema africano na capital de Burkina Faso
Entre os dias 22 de fevereiro e 1º de março de 2025, a cidade de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, tornou-se o epicentro do cinema africano com a 29ª edição do Festival Pan-Africano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (FESPACO). Realizado bienalmente desde 1969, o FESPACO consolidou-se como o principal evento do cinema africano, promovendo a expressão cultural, a educação e a conscientização por meio da sétima arte. Este ano, o festival destacou-se pela ousadia e criatividade de sua seleção oficial, atraindo um público vibrante de jovens entusiastas do cinema, apesar do contexto de forte presença de segurança devido ao regime militar liderado pelo Capitão Ibrahim Traoré.
O FESPACO 2025 reuniu cineastas, atores, produtores e profissionais da indústria cinematográfica de diversos países africanos e da diáspora, oferecendo uma plataforma para troca de ideias, estabelecimento de parcerias e promoção de obras inovadoras. No coração do evento, o Monumento dos Cineastas em Ouagadougou foi palco de exibições que capturaram a essência de narrativas africanas contemporâneas. Um dos filmes mais comentados foi All Colours of the World Are Between Black and White, do diretor nigeriano Babatunde Apolowo. A obra, ambientada em Lagos, aborda com sensibilidade uma relação homossexual moderna, desafiando tabus em um contexto político delicado, marcado por debates sobre uma lei que penalizaria a homossexualidade. Apolowo expressou surpresa e entusiasmo com a seleção de seu filme, considerando as adversidades enfrentadas, o que reforça o compromisso do festival em dar voz a perspectivas ousadas e diversificadas.

Outro destaque foi a premiação do prestigiado Étalon d’or de Yennenga, concedido ao cineasta burquinense Dani Kouyaté por sua obra Katanga. A conquista, celebrada 28 anos após as vitórias de outros diretores de Burkina Faso, como Idrissa Ouédraogo e Gaston Kaboré, marcou um momento de orgulho nacional e reafirmou a relevância do país no cenário cinematográfico africano. Além disso, a cineasta guadalupeana Malaury Éloi Paisley foi agraciada com o Étalon d’or na categoria de documentário, evidenciando a diversidade de talentos presentes no festival.
O FESPACO não se limitou às exibições de filmes. A edição de 2025 integrou o Mercado Internacional de Cinema e Televisão Africana (MICA), proporcionando oportunidades para a comercialização de projetos em pós-produção e a conexão entre distribuidores e cineastas. Apesar dos desafios impostos pelo contexto político e de segurança em Burkina Faso, o festival manteve sua resiliência, reforçando sua importância para a coesão social e a promoção da cultura africana. A parceria com a Royal Air Maroc, renovada desde 2014, garantiu o transporte de participantes de 48 países, ampliando a visibilidade do evento.
Com uma seleção de 235 filmes entre 1.351 inscritos, o FESPACO 2025 celebrou a riqueza e a diversidade do cinema africano, abordando temas políticos, sociais e culturais que ressoam com as realidades do continente. Mais do que um festival, o evento reafirma o papel do cinema como ferramenta de transformação, oferecendo ao mundo uma visão autêntica e poderosa da África através dos olhos de seus próprios narradores.
(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.
