Frente às ameaças dos EUA, a CELAC é nossa melhor alternativa
CELAC é melhor alternativa para que América Latina se reposicione e se beneficie no momento em que EUA causam alvoroço mundial em disputa com a China
O Brasil preside os BRICS neste ano de 2025. Tendo marcado a cúpula de chefes de Estado já para o mês de julho, o país imprimiu aos trabalhos do bloco um clima de urgência, com limitado espaço de debate. Toda essa corrida contra o tempo busca viabilizar um segundo semestre “livre” da agenda dos BRICS para a realização da COP30, em Belém do Pará. Os BRICS, sob a presidência brasileira, não discutirão uma moeda alternativa ao dólar, mas sim apoio ao comércio em moedas locais, medida já existente e cada vez mais consolidada não apenas entre os países do bloco, mas também em trocas regionais como o comércio entre Brasil e Argentina. Com a próxima presidência nas mãos da Índia, em 2026, a expectativa é que a pauta de uma alternativa ao dólar permaneça soterrada, apesar das expectativas de muitos entusiastas do bloco.
Enquanto esse tema segue congelado, desviado para o caminho alternativo das trocas em moeda local – alternativa, deve-se reconhecer, de mais fácil implementação e com efeitos imediatos, como se pode ver pela recuperação da economia da Rússia mesmo diante de todas as dificuldades criadas pelas sanções dos EUA e da Europa –, o país emissor da principal moeda internacional, os EUA, vem causando grande alvoroço no cenário internacional, desde o anúncio, por Donald Trump, do “tarifaço”. Medida de pouca efetividade até o momento – suspensa, inclusive, para quase todos os países, pelo menos por enquanto –, ela parece ter dois direcionamentos específicos: forçar negociações em termos mais vantajosos para os EUA e desencadear uma guerra comercial com a China, que até então vinha evitando subir o tom em relação aos EUA.

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Nessa disputa entre dois gigantes, como fica América Latina? A depender de certos governos, a região seguirá de expectadora, aguardando os resultados da disputa e buscando adaptar-se sob a pressão dos EUA, cujo governo vem fazendo investidas muito claras no sentido de retomar sua influência regional. No entanto, a reunião da CELAC, finalizada no último dia 09 de abril com uma declaração “consensual o suficiente” – essa nova e curiosa figura do direito internacional, que viabilizou a publicação de uma declaração muito consistente, assinada por 30 dos 33 países (Argentina, Paraguai e Nicarágua ficaram de fora) – parece mostrar que pelo menos parte dos governos da região estão dispostos a revigorar o projeto da tão sonhada e cantada (e nunca realizada) integração latino-americana.
A miopia dos governos latino-americanos que foram responsáveis pelo congelamento da CELAC – como o Brasil de Bolsonaro, que retirou-se da articulação – e também pela destruição de outros mecanismos de integração regional, como a UNASUR, implodida por Bolsonaro, Piñera (Chile) e Iván Duque (Colômbia), pertence à mesma matriz de pensamento político que tem inviabilizado, há dois séculos, o projeto de integração. São forças políticas descompromissadas com o desenvolvimento de seus próprios países, profundamente atadas a Washington, tanto em razão de seus negócios quanto em razão de sua formação cultural cosmopolita, no sentido que lhe empresta Gramsci; uma formação cultural vinculada à metrópole, que uniformiza as elites dominantes em termos de idioma, gostos e visões de mundo.
É um pensamento arraigado entre as classes dominantes de nosso continente. Um pensamento profundamente anti-nacional, na medida em que prioriza os ganhos de outra nação em detrimento da sua. Só isso pode explicar que aceitem prescindir da construção de um projeto que criaria um mercado gigante, de mais de 600 milhões de habitantes – o dobro da população dos Estados Unidos –, carentes de tudo o que existe de mais avançado e intensivo em tecnologia e mão de obra, proporcionando, portanto, a possibilidade de desenvolvimento industrial consistente, com ganhos de escala, em uma região em que quase todos os recursos naturais essenciais estão disponíveis em abundância.
Para viabilizar esse projeto de construção de um grande bloco integrado, seria necessário o investimento em infraestruturas de transporte viáveis, conectando toda a região e possibilitando os fluxos de recursos, mercadorias e trabalhadores. Uma política industrial comum precisaria ser pensada, a fim de reduzir disparidades regionais e incentivar o desenvolvimento local. Em nossos dias, há ainda uma nova variável que torna o projeto possível: existe um potencial parceiro comercial, com disponibilidade de recursos para investimentos e tecnologia de ponta, pronto para firmar acordos com a nação latino-americana, a China. Os termos desses acordos, a fim de garantir o aproveitamento soberano desses investimentos e garantir desenvolvimento, precisam vir a partir de um amplo debate regional. Por outro lado, se os povos da América Latina deixarem para suas elites agrárias, financistas, pró-yankees e míopes a coordenação desses acordos, o que teremos é o aprofundamento da reprimarização das economias da região. E perderemos, uma vez mais – talvez de forma derradeira – a chance histórica de constituir, na América Latina, uma grande pátria comum, próspera, tecnologicamente avançada e soberana.
(*) Rita Coitinho é socióloga e doutora em Geografia, autora do livro “Entre Duas Américas – EUA ou América Latina?”, especialista em assuntos da integração latino-americana.
