Sexta-feira, 18 de abril de 2025
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O governo Lula entregou para o Congresso o primeiro passo da reforma do imposto de renda, que isenta as pessoas que ganham até 5 mil reais por mês e oferece um desconto para quem ganha entre 5 mil e 7,5 mil. O projeto também propõe recuperar a receita perdida com um imposto mínimo sobre os super-ricos, que hoje pagam menos imposto de renda que uma policial ou um professor universitário.

O projeto apresentado é o primeiro passo da reforma do imposto de renda. Com a isenção, a tabela de fato do imposto de renda passa a ter na prática uma única alíquota: quem não está dentro da isenção, vai pagar 27,5% de imposto. Isto é, os trabalhadores que recebem salários acima da faixa de isenção pagarão 27,5%.

O próximo passo da reforma do imposto de renda é justamente o fim da isenção de lucros e dividendos, que faria os capitalistas pagarem imposto como todos nós, trabalhadores. Corrigida a distorção dos lucros e dividendos, aí sim será possível corrigir a tabela, para favorecer a classe média-alta com a correção de toda a tabela às custas da criação de uma alíquota mais elevada para os super-ricos.

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Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita à Linha de Montagem da Stellantis Betim. Polo Automotivo Stellantis, Betim - MG. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita à Linha de Montagem da Stellantis Betim. Polo Automotivo Stellantis, Betim – MG.
(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Como eu disse no ano passado, a reforma do imposto de renda tem tudo para ser um ponto alto do governo Lula. Ela também vem após uma série de anúncios de políticas voltadas para a classe trabalhadora, como os medicamentos gratuitos na farmácia popular, o primeiro pagamento de fim de ano do pé-de-meia, o Desenrola Rural e o do novo programa Crédito do Trabalhador. 

Aqui, é bom fazermos uma pausa para reflexão: ao contrário do que parte da esquerda tem dito, o programa não é um incentivo ao endividamento da classe trabalhadora. Pelo contrário, 76,1% das famílias já estão endividadas, principalmente com os juros mais abusivos de cartões de crédito e cheque especial. A medida provisória exige que, nos primeiros 120 dias, qualquer crédito novo deve ser utilizado para pagar modalidades não consignadas e sem garantia. Também exige que os juros sejam menores. Assim o peso das parcelas cairá e aliviará o bolso de quem tem dívidas e é CLT. Caso o trabalhador quite as parcelas em dia, seu FGTS continua intocado para a emergência da demissão.

Esse conjunto de propostas marca o retorno do lado popular da frente ampla que derrotou o bolsonarismo. A segunda metade de 2024 foi dominada pelo discurso da austeridade, que culminou em um pacote de cortes de gastos sociais. A virada para a austeridade foi combinada com a disparada do dólar (causada pela eleição de Trump nos EUA e ampliada pela especulação cambial no Brasil), o aumento de preços internacionais de alimentos e com a crise do PIX. Essa mistura explosiva derrubou a popularidade do governo.

As medidas populares recolocam o governo no rumo correto. A reforma ministerial também está colocando o governo em melhores condições de combate, com presenças mais altivas na liderança da Câmara (Lindbergh Farias), na Secretaria de Relações Institucionais (Gleisi Hoffmann) e no Ministério da Saúde (Alexandre Padilha). A mudança de comunicação, promovida por Sidônio Palmeira, já é perceptível até nas falas do ministro Haddad, que tende a ser mais tecnocrático, mas tem adotado falas mais combativas.

Não é por acaso que o lado liberal da frente ampla reagiu: Simone Tebet já adiantou que o governo tem uma briga interna marcada para o fim do mandato sobre o futuro do arcabouço fiscal. Como todos sabemos, o governo fez a proposta sabendo que teria que revisar o arcabouço no futuro, idealmente só em 2027, pois o arcabouço fiscal é incompatível no médio-prazo com os pisos constitucionais da saúde e da educação.

A briga do arcabouço fiscal será levantada na campanha de 2026 e dividirá a frente ampla: de um lado, o campo popular proporá que o arcabouço fiscal tem que caber dentro da Constituição. A ministra Tebet e seu campo proporão austeridade para colocar a Constituição dentro do arcabouço. Resta saber de que lado ficará o resto da equipe econômica.

A briga agendada do arcabouço, aliás, prenuncia os dois desafios que o governo tem até a reeleição. Primeiro, o governo precisa manter anúncios de políticas públicas para a classe trabalhadora para recuperar sua popularidade com entregas concretas – isso deve incluir a classe trabalhadora informal e as classes médias. Além de lançar as políticas, é preciso garantir que o público alvo participe, um problema do programa Desenrola.

Segundo, o governo precisa mostrar que tem lado e, caso não consiga implementar propostas do campo popular, tem que mostrar disposição para brigar. Hoje, parte do problema de comunicação na verdade é um problema de política: o governo não assume que o conflito faz parte da política. As dificuldades na vida dos trabalhadores e trabalhadoras estão aí e, na falta de um culpado, a culpa será do governo. Se a alta de preços de alimentos não é culpa do agronegócio, que está lucrando como nunca com preços internacionais altos, vai ser culpa do governo.

A comunicação sobre a isenção do imposto de renda mostrou alguma melhora: Haddad foi claro, no anúncio do programa e nas entrevistas, de que trata-se de um programa a favor de milhões de pessoas trabalhadoras e contrário a 141 mil folgados que não pagam impostos. Essa postura tem que continuar: lançar programas populares e identificar que trata-se do governo tomando o lado da classe trabalhadora contra os ricos que não fazem sua parte.

(*) Pedro Faria é economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em História pela Universidade de Cambridge