Israel ataca Irã e faz o mundo flertar com o abismo
A agressão israelense ao território do Irã dá início a um conflito direto e aberto entre as potências regionais, com duras repercussões econômicas mundiais
O caótico mundo de 2025 convulsionou de vez: a agressão israelense ao Irã alcançou as manchetes do mundo inteiro, criando ou ampliando incertezas em todos os níveis – principalmente na economia e na segurança internacional. O mundo está diante de um conflito bombástico e que pode, ainda, se espalhar como fogo no palheiro, gerando uma quantidade infernal de mortos e refugiados. Mas isso não deveria ter sido uma surpresa.
A lógica de Netanyahu tem sido a de provocar adversários históricos e, assim, encontrar a deixa para um estado de guerra permanente, inclusive com a prática de genocídio e limpeza étnica. Sempre foi assim, mas isso se acentuou com seu retorno bizarro ao poder, no final de 2022, para um terceiro mandato de um país balcanizado politicamente e unido apenas contra o “inimigo externo” – que é interno, o palestino, mas por extensão o muçulmano.

O presidente dos EUA, Donald Trump, junto ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, no Museu de Israel.
(Foto: U.S. Embassy Tel Aviv / Wikimedia Commons)
Produzir uma guerra contra o Irã é algo no horizonte americano desde a Revolução Islâmica de 1979, com momentos de menor ou maior tensão – estes últimos, em geral, sob governos republicanos, mas sempre com o apoio de Israel; nos anos 2000, havia quem falasse nas guerras contra Afeganistão e Iraque como uma antessala para o Irã, mas o bom senso sempre falou mais alto. Desta vez, não é o caso.
Nos últimos anos, o maior incentivador de uma operação contra o Irã foi, justamente, Benjamin Netanyahu, que trabalhou de todas as formas para envolver os Estados Unidos em um conflito direto contra Teerã – mas agora resolveu fazer isso com as próprias mãos para forçar a entrada de um relutante, e sem autoridade, Donald Trump. Em outubro do ano passado, neste mesmo espaço, já tínhamos apontado para essa possibilidade insana.
Irã-Israel: muito além do M.A.D.
A sigla M.A.D. – Mutual Assured Destruction, isto é, destruição mútua assegurada – era a definição para a capacidade de soviéticos e americanos destruírem uns aos outros, a premissa apocalíptica sobre a qual se assentava a paz entre as duas superpotências durante a Guerra Fria. Iranianos não chegaram a tanto, mas possuem – como demonstrado ao longo dos últimos dias – a capacidade de atingir o solo israelense com seus mísseis e drones.
Em outras palavras, Israel, que é uma potência nuclear clandestina – uma vez que escamoteia seu armamento – teme que o Irã adquira também armas nucleares para, assim, surgir um equilíbrio estratégico – isto é, uma situação de destruição mútua assegurada, o que colocaria um limite para Tel Aviv em seus planos expansionistas. É disso que se trata, não de democracia ou nada muito honesto.
Do outro lado, Israel, em seus movimentos ofensivos, busca atingir o Irã, que contorna as sanções via integração com o Brics, se tornando um entreposto físico para a integração Euroasiática – o que interessa diretamente a russos e chineses, pois isso lhes permite diminuir o peso do comércio por via marítima, em um cenário de hegemonia ainda ocidental, em que pesem os avanços da marinha de guerra chinesa.
Enquanto vende esse “ativo” aos Estados Unidos, Tel Aviv não se furta de fazer zigue-zagues com russos e chineses, o que, em certa medida, serve para mantê-los distante do antagonismo de ambos nos anos 1960-70 contra o sionismo. Israel quer o Irã fora do jogo, com uma mudança de regime, enquanto Moscou e Pequim titubeiam na defesa de suas rotas de comércio e de um aliado.
A administração Trump não se mostrava favorável a uma ação militar contra o Irã neste momento, inclusive com expoentes do trumpismo se opondo ao conflito – e declarações anteriores refratárias ao conflito, tanto de Trump quanto de seu vice JD Vance, que foram agora arrastados, dando um giro de 180º para defender a rodada bélica atual, mesmo com um impacto severo nos preços de petróleo e na economia americana.
Trump contra Trump, um presidente cuja palavra nada vale
Como apontado na última coluna, o genocídio e limpeza étnica dos palestinos e a escalada na Ucrânia mostravam uma crise de autoridade do governo americano. Mas nada que não pudesse ficar pior, com Trump acirrando a política de caça aos imigrantes, o que o fez mobilizar a Guarda Nacional e os fuzileiros navais para cercar Los Angeles, em episódios que conduziram a um estouro de manifestações e da violência política no país.
Na última semana, as coisas tampouco ficaram melhores: houve o sequestro por Israel, em águas internacionais, da flotilha que levava ajuda humanitária à Gaza – e que trazia na tripulação o brasileiro Thiago Ávila, a ativista sueca Greta Thunberg e a eurodeputada francesa Rima Hasan, dentre outros. Enquanto isso, Israel persiste na política de extermínio por via bélica e fome induzida em Gaza – ou até uma torpe mistura de ambos. E nada de freios pelo Ocidente.
Se Trump vai e volta com seu tarifaço, até agora ele teve um espaço de manobra por vias tortas: se a sua política de tarifação derrubou a perspectiva de crescimento, pelo menos, isso teve como efeito colateral derrubar também o preço do barril de petróleo – coisa que sua administração, possivelmente, esperava fazer por outras vias. O ataque israelense, contudo, coloca fim a essa tranquilidade e cria pressão inflacionária e ameaça de juros maiores.
Mas Trump tende a obedecer Netanyahu e será arrastado para um conflito sem sentido, caro, arriscado e mortífero em um país com quase 90 milhões de habitantes. Sem unidade interna, Trump buscará seu inimigo externo e, assim, tentará reverter uma baixa popularidade – que parou de se recuperar, seja segundo o agregado do Economist ou o de Nate Silver. Lembremos que Biden pensou em algo parecido na Ucrânia, mas não funcionou.
Com as tensões aumentando nos Estados Unidos, e mísseis voando do Irã para Israel em resposta – além de novos ataques israelenses –, temos um cenário talvez pior do que o da própria pandemia. Em ambos os casos, o presidente era Donald Trump, alguém cuja capacidade de negociador foi duramente abalada, reforçando a opinião daqueles que preferem não dialogar com ele, um sujeito cuja palavra não vale muito.