O México é a segunda economia mais importante da América Latina. O seu futuro, se as previsões se confirmarem, “tem a forma de uma mulher” e constitui uma mensagem transcendental para a região.
Uma mulher no poder
No dia 2 de junho, quase 98 milhões de cidadãos mexicanos elegerão quem substituirá Andrés Manuel López Obrador (AMLO), atual presidente, 128 senadores e 500 deputados federais. Na sua 66ª versão, será o maior processo eleitoral da história daquele país, no qual serão eleitos mais de 20 mil cidadãos para ocupar cargos públicos.
Os candidatos presidenciais são:
- Claudia Sheinbaum, acadêmica e cientista, mulher de esquerda e fundadora do MORENA. Foi chefe do governo da Cidade do México, cujo desempenho foi amplamente aprovado pelos cidadãos. A sua candidatura resulta de eleições internas, fato que lhe dá uma legitimidade na qual outros candidatos não conseguem ostentar. Com o lema “vamos continuar fazendo história”, procura dar continuidade e aprofundar as políticas públicas do governo liderado por AMLO. De acordo com pesquisas recentes, ela tem uma vantagem de mais de 22 pontos percentuais em relação à sua adversária mais próxima.
- Xochitl Gálvez, empresária e política de direita, foi senadora da República entre 2018 e 2023, representando o Partido da Ação Nacional (PAN), de orientação conservadora. Nesta ocasião, é candidata presidencial pela coligação de direita “Força e Coração por México”, composta pelo PAN, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Partido da Revolução Democrática (PRD). A sua principal promessa, como oposição política, é promover “mudanças”. Segundo as pesquisas, está em segundo lugar nas preferências com uma diferença visível.
- Jorge Álvarez, internacionalista e político que representa o Partido do Movimento Cidadão. Anteriormente, foi membro do PRI, um crítico severo da Rússia e um amigo ativo do governo ucraniano. Sem muito apoio popular, o respaldo dos cidadãos não ultrapassa um dígito.
Se nada de extraordinário acontecer, as tendências registradas nas preferências dos cidadãos revelam a iminência da vitória eleitoral de C. Sheinbaum. Esta possibilidade ocorre após 42 anos em que Rosario Ibarra de la Piedra, após sem sucesso procurar o seu filho “desaparecido” pelas forças policiais mexicanas (1974), tornou-se a primeira mulher candidata à presidência do México (1982). Embora tenha obtido apenas 2% dos votos, conseguiu colocar as mulheres no limiar da política reservada, até então, apenas aos homens.
A eleição de uma mulher como presidenta do México é uma mudança de paradigma, de visão e de esperança num país que ainda não encontrou o caminho para uma paz duradoura e uma justiça sem condições. Esta possibilidade faz parte do clube minoritário de países (6% segundo a ONU, 2021) que têm uma mulher como presidenta ou chefa de Estado.
Embora não deva surpreender num país onde o machismo faz parte da “cultura nacional”, as mulheres que disputam a presidência não se têm destacado pelo seu “perfil feminista”, mas pelo seu posicionamento político e ideológico cuja agenda programática inclui, entre outros, a questão do género. Enquanto C. Sheinbaum promete reformas legais para considerar “as mortes violentas de mulheres como feminicídio”, X. Gálvez promete criar um “fundo nacional para cuidar das vítimas de violência de género”.
Ambas reconhecem que as mães trabalhadoras e chefes de família devem ser apoiadas financeiramente, assim como reconhecer o trabalho doméstico como um trabalho “não remunerado” que é passível de pensão após os 60 anos (Sheinbaum). O direito ao aborto, o que é surpreendente, está ausente nas promessas de ambas as candidatas, para o desgosto do feminismo.
Os grandes problemas do México
Pobreza e desigualdade. Embora as políticas públicas no período AMLO tenham reduzido os índices de pobreza e desigualdade, não se pode dizer que este problema esteja resolvido, especialmente quando tudo indica que a sua origem está na forma como o modelo neoliberal, que vigora no México, distribui e redistribui a riqueza. 7,5% da sua população se encontra em extrema pobreza, o que é um sinal claro de que ainda há muito a se fazer.
Segurança e violência ocupam grande parte dos discursos de campanha que vão desde o enfrentamento das causas da violência até o fortalecimento da polícia. Entre julho de 2023 e maio de 2024, foram registrados 34 assassinatos de candidatos a cargos eleitos pelo voto popular, superando em muito os assassinatos registrados no processo eleitoral de 2018. O crime organizado aguarda os processos eleitorais para “persuadir” os candidatos com doações consideráveis de recursos econômicos ou com uma brutal ameaça de morte, com o objetivo de “controlar” quem for eleito e transformá-lo em seu “protetor”. Diante desta avalanche criminosa, alguns candidatos preferem renunciar às suas candidaturas.
Migração. Cada vez mais pessoas chegam ao México tomando-o como país de trânsito ou de destino. Em 2023, foram registrados quase 800.000 migrantes irregulares, mais que o dobro do número registrado em 2022. Os especialistas explicam este aumento explosivo com a presença crescente de pessoas de origem africana e asiática que se juntam às da América Central e do Sul, agravando a crise migratória da fronteira México-EUA.
Corrupção. É um dos maiores desafios que a gestão enfrentará. Não é que AMLO não o tenha feito, mas sim que a ação governamental não é suficiente para combater este flagelo. É necessária uma política de Estado que transcenda os governos. A corrupção é o principal obstáculo para o crescimento e o desenvolvimento, uma vez que, segundo estimativas recentes, drena mais de 10% do PIB. Em termos políticos, retira credibilidade da política e dos políticos, desacredita as instituições democráticas e transforma os processos eleitorais num mercado. Na sociedade, a ética e a moral cidadã são relativizadas.
Meio ambiente. A poluição do ar e da água é uma questão de importância crucial no México. Os danos causados pelo aquecimento global, pelas chuvas ácidas, pela desflorestação e pelos incêndios florestais são alguns dos problemas que demandam abordagem com diferentes horizontes temporais.
EUA, um tio na expectativa
Um dos países mais interessados nos resultados eleitorais do México são os EUA, não só porque a provável vencedora é uma mulher de esquerda, mas pelo impacto que esse resultado terá nas eleições de 5 de novembro em que Biden e Trump, candidatos da “alternância histórica” cada vez menos democráticas, disputam a presidência.
Qualquer que seja o resultado eleitoral em ambos os países, não mudará o fato de que México se consolidou como o principal parceiro comercial dos Estados Unidos, incentivado por estes (nearshoring) em resposta a questões geopolíticas, especialmente derivadas da guerra comercial com a China e da que detém na Ucrânia.