Quinta-feira, 10 de julho de 2025
APOIE
Menu

Desde que assumiu o poder em 1 de janeiro de 2023, Lula não teve “paz” em seu governo. Apenas oito dias após tomar posse, enfrentou a tentativa criminosa de golpe de Estado liderada por Bolsonaro. A partir daí, tudo seria difícil, com uma extrema direita que não aceitava sua derrota eleitoral.

Apesar disso, Lula decidiu reconstruir a política externa do Brasil, consciente da crescente complexidade do cenário internacional, alimentada pelos EUA e pela China em sua luta pela hegemonia, cada vez mais acirrada, que, entre outras coisas, colocou na agenda a “urgência” de alinhamentos em relação a um ou outro polo de poder.

06.06.2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita à exposição “Nosso Barco Tambor Terra”, de Ernesto Neto, na companhia do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, no Grand Palais. Paris - França. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

06.06.2025 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita à exposição “Nosso Barco Tambor Terra”, de Ernesto Neto, na companhia do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, no Grand Palais. Paris – França.
(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

A guerra na Ucrânia e o genocídio em Gaza exibem um banho de sangue e uma violação dos direitos humanos sem precedentes. A ONU, a OMS, a OMC e outros organismos multilaterais caíram em desuso ou foram inutilizados pela ação de Estados poderosos com direito a veto. Nesse cenário turbulento, Lula decidiu adotar o “multilateralismo” e o “não alinhamento” como pilares de sua Política Externa “soberana”, assumida com entusiasmo em boa parte do sul global.

O “profeta”

A frase “ninguém é profeta em sua terra”, incluída no Novo Testamento, foi uma advertência aos seus discípulos sobre a probabilidade de que o trabalho que realizassem não fosse reconhecido em sua própria terra, mas sim longe dela. A frase ganha atualidade quando o reconhecimento e a valorização de um líder político ocorrem, com frequência, muito mais no exterior do que em seu próprio país. São os casos de Pérez de Cuellar, do Peru, e Dilma Rousseff, do Brasil.

É esse o caso de Lula? Pesquisas recentes registram a maior queda de popularidade de seus três mandatos: 24% (Datafolha). Se somarmos a isso a campanha virulenta da extrema direita e o descontentamento de um setor do PT, estaríamos cumprindo a primeira condição da frase bíblica. A segunda condição é que Lula esteja sendo reconhecido como líder global no exterior como poucos chefes de Estado, fato que o perfila como um profeta do século XXI.

Paris, momento “genial” para Lula

Entre várias coisas que Lula disse em Paris, destaco as seguintes:

1 – A geopolítica, em seu mais alto nível, foi comovente e magistralmente associada à sua “reivindicação perante Deus para viver 120 anos” porque “ainda tem muito a fazer pelo Brasil e pelo planeta”. Embora a mesquinhez esteja à espreita, esse ato revela o homem que busca transcender além do possível. Aqueles que odeiam Lula dirão que isso é complexo de messianismo. Para aqueles que o amam, seria justo.

2 – Em favor do MERCOSUL, ele criticou Emmanuel Macron pela oposição injustificada da França à assinatura do Acordo Comercial MERCOSUL-UE, alegando que “a produção agropecuária brasileira não oferecia garantias sanitárias”. Isso era, segundo Lula, uma negação grosseira do mais alto nível sanitário que o Brasil exibe nesse setor. Continuar adiando o acordo “priva os povos de ambos os blocos” de uma ferramenta poderosa que, em tempos de “loucura protecionista”, adquire a mais alta urgência.

3 – Ele exortou os empresários brasileiros e europeus a fazerem negócios quando suas autoridades “abrirem as portas” de um mercado de mais de 700 milhões de habitantes. Com base nisso, o Brasil conseguiu ter o maior rebanho bovino e ser o quarto produtor de alimentos do mundo, utilizando apenas 8% de seu território. Para superar o caráter primário-exportador de sua economia, foram implementadas políticas que priorizam a industrialização, especialmente a indústria da saúde, que terá importante apoio chinês. “É hora de trabalhar”, afirmou aos empresários.

4 – Reiterou sua convicção de que o multilateralismo é a melhor forma de organizar e transformar o mundo, em vez da polarização gerada pela disputa pela hegemonia mundial. O multilateralismo não obriga a alinhamentos forçados, nem gera um clima de submissão e, ao mesmo tempo, constitui a melhor resposta às propostas protecionistas. Ele afirmou que a proposta do “não alinhamento” exige uma dose de audácia, quando é cada vez mais difícil manter esse delicado equilíbrio, de caráter simbólico, entre as potências em disputa.

5 – A luta contra a pobreza no mundo exige, segundo Lula, abraçar a convicção de que “muito dinheiro em poucas mãos gera fome”, enquanto “pouco dinheiro em muitas mãos combate a pobreza”. Era uma clara alusão à monstruosa concentração de riqueza no mundo. Ele admitiu que o Brasil tem sua parte, mas luta contra esse mal estrutural, próprio do neoliberalismo, com uma política tributária que permite oferecer serviços básicos de alta qualidade de forma gratuita e universal.

6 – Em relação à ONU, ele afirmou que é hora de “começarmos a reconstruir uma verdadeira governança global”. Disse que é frustrante ver a ONU, órgão multilateral por excelência, transformada em caixa de ressonância dos Estados mais poderosos do planeta. Atualmente, ela não é garantia de paz nem de desenvolvimento. “Não podemos continuar sem governança mundial”. O “genocídio em Gaza”, a guerra na Ucrânia, entre outros, são expressões irrefutáveis de que carecemos de uma organização multilateral com capacidade suficiente para pôr fim a esses fatos. “Não compreendo por que em 1947 a ONU pôde criar o Estado de Israel e, após sete décadas, não pode criar o Estado Palestino”.

7– Ele criticou aqueles que, em nome do meio ambiente, continuam a destruir a natureza com projetos produtivos que geram o aquecimento global. “Estamos destruindo o planeta”, afirmou. A exploração dos recursos naturais continua sem qualquer consideração pelo meio ambiente, especialmente nos países mais pobres. Ele reivindicou para o Brasil o reconhecimento como potência em matéria de transição energética.

É difícil negar o prestígio e o protagonismo conquistados por Lula no exterior. Sua visita a Paris se tornou uma vitrine global que mostrou seu perfil de líder mundial. Com a realização bem-sucedida do G20 em 2024, a assinatura iminente do acordo comercial MERCOSUL-UE, bem como a realização das cúpulas BRICS e COP30 em 2025, configura-se um cenário mundial para que Lula continue demonstrando seu carisma e liderança mundial.

Seria sensato concluir de tudo o que foi dito que Lula não goza do reconhecimento de seu povo? Não. Não bastam “indicadores” estatísticos para dar certidão aos que criticam seu terceiro mandato. De diversas maneiras, Lula e o PT estão fazendo pelo Brasil o que muitos ex-presidentes e governos deixaram de fazer. Hoje podemos ver que a luta contra a pobreza, a concentração da riqueza e a desigualdade são eficazes. Isso merece reconhecimento.