A linha de aproveitar a rede nacional de TV e rádio para pronunciamentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como na noite da última segunda-feira (24), é bastante positiva. Lula é a maior liderança política do país e precisa manter contato permanente com a população para fazer a disputa de ideias e defender o governo frente a sensação de mal-estar.
Os programas Pé de Meia, que garante uma bolsa a estudantes do ensino médio público, e Farmácia Popular, que oferece medicamentos gratuitos e com descontos para quem tiver necessidade, representam melhorias para os trabalhadores mais pobres. É difícil mensurar o impacto político dessas medidas na avaliação do governo. Mesmo assim, Lula apareceu na TV sorridente, com linguagem despojada, cheio de entusiasmo em relação aos programas e otimismo ao prometer prosperidade.

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O tom do discurso, no entanto, destoa do espírito geral na sociedade e, sobretudo, de quem sua o dia inteiro no trabalho para pagar as contas. Existe um certo descolamento do sentimento da classe trabalhadora com a linha do governo e de segmentos da esquerda.
É perceptível, inclusive, em algumas postagens descoladas de ministros e parlamentares, do tipo “primeiro a gente começa… depois a gente melhora”. Nas duas últimas semanas, essas redes sociais foram tomadas por trends (conteúdos digitais que são reproduzidos por diversos perfis com grande destaque) que contrastam com o sentimento geral.
A pesquisa da Genial/Quaest, que consultou 4.500 pessoas entre os dias 23 e 26 de janeiro, demonstra um mal-estar geral. Não é propriamente uma novidade. Resignação com a política, frustração com os governos e insatisfação com as condições de vida marcam os tempos atuais.
A avaliação sobre a economia é majoritariamente negativa. Quase 40% dos brasileiros avaliam que a economia piorou. Pouco mais de 30% acreditam que ficou na mesma. Somente 25% consideram que houve uma melhora. Embora os dados macroeconômicos sejam relativamente positivos, as pessoas sentem que a economia vai mal e que está mais difícil pagar as contas do final do mês.
O preço dos alimentos subiu para 83% dos pesquisados. Houve um crescimento dessa percepção de quase 20% de outubro para cá. O que estava ruim, piorou.
Em relação aos combustíveis, 57% acusam o aumento do preço nos postos de gasolina. Sobre as contas de consumo de luz e água, 62% dizem que os boletos estão mais caros.
Esses números se expressam no crescimento da rejeição do governo, identificado por diversas pesquisas realizadas no último mês. É preocupante.
O sentimento crescente da população em relação ao governo Lula é de frustração. A atual administração não consegue cumprir com as promessas de campanha para 65% dos pesquisados pela Genial/Quaest.
Nesse clima, Lula volta à TV em rede nacional e dobra a aposta de que a vida da população vai melhorar, mesmo com o crescimento da taxa Selic, da relação conturbada com o Congresso Nacional e os limites impostos pelo arcabouço fiscal.
Enquanto a população sente uma deterioração das suas condições de vida, o governo tenta convencê-la do contrário: a economia está nos trilhos, os indicadores são positivos e as políticas públicas farão a diferença.
Precede à disputa da sociedade, sobretudo do povo, compreender o espírito geral, fortalecer um processo de identificação, construir uma avaliação comum e propostas para enfrentar a situação.
Não basta fazer a pura e simples defesa do governo e anunciar políticas pontuais. Em um quadro de crise política, social e econômica, as perspectivas são sombrias e as margens estreitas. É justamente nessa contradição que a extrema direita se sustenta e tem conquistado segmentos da população.
Na ausência de uma alternativa na economia, o que resta é fazer política. Não tem outro caminho: o governo deve se converter em agente político e apresentar bandeiras que evidenciem os diferentes interesses e expor quem impede essas mudanças, apontando as suas responsabilidades.
No México, por exemplo, o Morena (Movimento Regeneração Nacional) da presidente Claudia Sheinbaum, que tem conseguido mobilizar a sociedade, apresentou a proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução salarial.
Apresentar bandeiras de luta que representam uma conquista substantiva e colocam em choque interesses determina a agenda pública, cria uma tensão mobilizadora, coloca a sociedade em movimento e estimula o engajamento e participação.
A luta pela redução da jornada de trabalho com o fim da escala 6×1, por exemplo, mexeu com a sociedade, contrastou interesses e jogou o mal-estar da sociedade contra aqueles que defendem a superexploração do trabalho.
A defesa da taxação dos bilionários para fazer a isenção do imposto de renda de quem ganha até 5 mil reais tem potencial de deslocar a indignação popular contra aqueles que controlam a economia brasileira e seus representantes no Congresso Nacional.
Até agora, o governo tem demonstrado dificuldade de entender ou admitir o mal-estar que tomou a sociedade. Assim, abre mão de atuar para incidir sobre esse sentimento para enfraquecer aqueles que combatem o governo. Brigar com a percepção popular não é um bom caminho e agrava ainda mais a situação.