Apesar da tentativa do guia espiritual supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, de encaminhar apenas no plano da justiça eleitoral a queixa da oposição sobre a vitória eleitoral do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o candidato reformista derrotado, Hussein Mir Moussavi, não deixou a bola cair. Convocou novas concentrações e manifestações de luto hoje (18) nas mesquitas e ruas, restaurando uma tradição de luta contra o xá.
Na época, antes da Revolução Islâmica de 1979, havia manifestações de luto de 40 em 40 dias. A repressão fazia cada vez mais vítimas e provocava novos protestos. O movimento liderado pelo aiatolá Khomeini se firmou nas ruas antes de dar a estocada final no regime do xá Reza Pahlevi.
A novidade desta vez é que o perdedor da eleição presidencial continua atuando – antes dele, outros perderam com muitos votos mas nunca lideraram uma oposição. Isso significa que a luta já não é mais simplesmente pelo resultado da eleição. A reivindicação de fazer um novo pleito se junta agora à da libertação das pessoas presas duante os últimos acontecimentos.
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Os alvos da repressão do governo são dois grupos reformistas islâmicos organizados e o objetivo é neutralizar quadros de oposição – geralmente, estudantes islâmicos dos anos 70 e 80, ou soldados da guerra contra o Iraque que fizeram seu “agiornamento” democrático antes de se transformar nos políticos, economistas, clérigos ou jornalistas reformistas de hoje.
Excessos
O verdadeiro problema é que do lado do poder – mais particularmente desde a implantação do sistema “populista” de Ahmadinejad –, as únicas mediações organizadas são os órgãos de controle social (Bassij e Guardiães da Revolução), mais preparados para vigiar e reprimir do que dialogar. São sintomáticos os apelos dos reformistas aos policiais e soldados por proteção contra os “excessos dos outros”, durante as manifestações (abaixo, vídeo da manifestação mostra uma cena dessa).
À medida que a crise se prolonga, as divisões se aprofundam dentro do establishment da república islâmica, tanto no âmbito político quanto religioso. No alto, médio e baixo clero, há diferenças substanciais sobre o que é melhor. Khamenei, promovido a aiatolá às pressas para ocupar o lugar de Khomeini, veste uma abaya (túnica) muito grande pra ele e não tem autoridade teológica convincente. Durante as duas últimas décadas, ele compensou essa lacuna com uma grande habilidade para tecer uma rede majoritária no establishment, apadrinhando o presidente e se opondo a ele ao mesmo tempo.
Os acontecimentos da última semana minam seu papel de referência principal. O establishment está dividido e majoritariamente reticente a uma radicalização do sistema. Ahmadinejad conseguiu autonomia de sua tutela e a oposição não responde mais a seus apelos.
A situação explosiva exigiria um acordo que envolvesse o resultado eleitoral, uma organização democrática do jogo político e a liberalização da vida cotidiana. Na atual polarização, e dentro das estruturas vigentes, sua elaboração é difícil. O banho de sangue continua na ordem do dia.
* Paul Achcar é jornalista líbano-brasileiro que faz a cobertura da América Latina para o jornal libanês “alAkhbar” e para as rádios árabes da BBC e de Monte Carlo alDuwaliya (a estação árabe da Radio France Internacionale – RFI)
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