Milei, o Carlinhos Maia das criptomoedas
Em mais um episódio patético, presidente argentino promove uma criptomoeda fraudulenta e se porta como o influenciador que divulgava o “Jogo do Tigrinho”
O presidente da Argentina, Javier Milei, se envolveu na maior polêmica de seu mandato na última sexta-feira (14). Garoto-propaganda da criptomoeda $Libra, ele postou em sua conta no X (antigo Twitter) postagens defendendo o investimento no que seria um “projeto privado destinado a incentivar o crescimento da economia argentina”, além de fornecer o nome e o link para a página da criptomoeda.
A recomendação de compra feita pelo chefe de Estado fez com que o valor da moeda digital disparasse, chegando a quase 5 dólares cada. Contudo, poucas horas depois, a criptomoeda despencou para menos de 1 dólar. Essa desvalorização ocorreu devido a um movimento chamado “rug pull” ou “puxada de tapete”.

(Foto: Casa Rosada)
O termo descreve um golpe no qual os criadores de uma criptomoeda incentivam investidores a comprarem o ativo, prometendo retornos e benefícios, muitas vezes usando celebridades. Após atrair um grande volume de compradores e valorizar drasticamente o ativo, os próprios desenvolvedores vendem suas participações e abandonam o projeto, resultando em uma severa queda no preço e graves prejuízos financeiros para os demais investidores.
Após a crise gerada e o medo dos processos que deverá enfrentar, o chefe do governo argentino apagou a postagem em que promovia a compra da moeda e fez uma nova publicação, no melhor estilo Carlinhos Maia quando era garoto-propaganda do famoso “jogo do tigrinho”. Para quem não conhece, trata-se do mais popular jogo das BETs que atuam no Brasil, prometendo ganhos astronômicos; Maia é um dos maiores influenciadores digitais do País.
Tanto Milei quanto o influenciador brasileiro prometeram enriquecimento aos seus seguidores, mas entregaram volumosos prejuízos. Ao serem questionados, responsabilizaram sumariamente seus próprios fiéis. Cada um ao seu modo, ambos apagaram as postagens anteriores e publicaram novas, alegando não terem nenhuma relação direta com a gravidade da situação.
“Jogou porque quis” ou “comprou a moeda porque quis” — tirando o sotaque e o espanhol arrojado, são farinha do mesmo saco. Parece que estamos na era do “enriquecer vendendo enriquecimento” para quem mais precisa.
No entanto, há diferenças gritantes entre Carlinhos Maia e Javier Milei. Enquanto o primeiro tem seu poder delimitado pelas redes sociais e impacta apenas quem consome seu conteúdo, o segundo é chefe de Estado. Representa um país e um povo, instituições e organizações da sociedade.
A ação do influenciador pode ser questionável do ponto de vista moral e ético – até mesmo legal. Já o presidente, para além do grave desvio de conduta e do escândalo que envergonha os argentinos em escala internacional, cometeu um crime grave. Ele enriqueceu estrangeiros ao praticar o “rug pull” e agora terá de explicar sua participação efetiva no caso. A oposição, inclusive, já trabalha com a possibilidade de um processo de impeachment.
É interessante refletir sobre como governantes e empresários que defendem o liberalismo econômico absoluto e a meritocracia recorrem a artimanhas para alcançar o sucesso financeiro. Defendem um jogo com regras desiguais que os favorecem e, ainda assim, as burlam.
A parte mais dramática dessa história é que haverá discípulos aceitando a narrativa de que a culpa é individual — daquele que apostou na Bet do influenciador milionário ou que comprou a criptomoeda do presidente. Tio João e Tío Juan, desta vez terei de defendê-los: vocês são vítimas dessa celeuma. Um dia, espero que saibam disso.
Que este episódio insólito, no qual um presidente da República se coloca como agente publicitário de um projeto privado fraudulento e, logo em seguida, responsabiliza seu próprio povo por seguir suas recomendações, nos sirva de aprendizado.
Paremos, o quanto antes, de transformar governantes em celebridades, especialmente os da extrema direita. O ultraneoliberalismo dos vizinhos já está levando os hermanos ao fundo do poço, da economia à cultura. Que sirva de contraexemplo para nós.
(*) Tom Altman é economista e empresário. É diretor-geral de Opera Mundi.
