Militarização das escolas é propaganda enganosa
Violência nas escolas é problema real, mas advém de cotidiano violento vivido por estudantes. Militarização não trará mais disciplina; trará mais conflito
Nossas escolas públicas não vão bem, é verdade: a violência faz parte do dia-a-dia, consequência de uma realidade que esmaga alunos e professores dentro e fora das escolas. De fato, as notícias de incidentes em sala de aula são recorrentes, reforçando o sentimento de insegurança e revolta na população. Mas nada disso é novidade e volta e meia aparecem propostas de soluções milagrosas para o problema da escola, como a migração para o ensino privado através de voucher, a privatização das gestões e a implementação do modelo cívico-militar nas escolas.
O milionário Romeu Zema, governador do Estado de Minas Gerais pelo Partido Novo, embarcou nessa cruzada na última semana, anunciando a militarização de mais de 700 escolas estaduais. Com um verniz democrático, a proposta segue o mesmo rito imposto pelos governos de extrema-direita em São Paulo e no Paraná, realizando uma “consulta pública” junto às direções das escolas sobre o interesse de adesão ao programa. Entretanto, como a maioria das medidas antipopulares, o debate sobre o que significa a militarização não é feito com transparência, tampouco é permitida a exposição do ponto de vista das entidades de classe e não envolve a participação dos pais, estudantes e educadores na consulta. É dessa forma que o governo faz um modelo autoritário ganhar aparência democrática e, portanto, ter mais força como alternativa aos problemas da educação. Uma insanidade.

Fachada da Escola Estadual Alberto Giovannini, em Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil.
(Foto: HVL / Wikimedia Commons)
Assim, na volta às aulas do segundo semestre, a comunidade escolar em alguns estados da federação deve se deparar com escolas mais autoritárias, violentas e estranhas aos princípios da educação pública brasileira. E vamos pagar mais caro por isso: os policiais militares que serão contratados na rede paulista podem ganhar cerca de R$ 1 mil a mais do que os professores.
De onde vem a violência
O alarde na grande mídia é ensurdecedor e os programas sensacionalistas plantam a ideia de que a geração dos jovens que estão nas escolas é mais violenta e, portanto, precisa de uma disciplina mais rígida. Fico me perguntando, será que é um problema de geração? Tenho dúvidas. Mas independentemente dessa resposta, a pergunta mais importante é: de onde vem esse comportamento? Será que estamos vendo a raiz do problema? Parece que não.
Um terço das casas brasileiras sofre com algum grau de insegurança alimentar, ou seja, faltam alimentos adequados para suprir as necessidades nutricionais, segundo dados do IBGE. Além disso, um a cada cinco brasileiros vive em moradias sob condições precárias, como casas sem banheiro, construídas com restos de madeira ou em área de risco, sem documentação, com mais de três pessoas dividindo o mesmo quarto ou onde as famílias gastam mais de 30% da renda com aluguel.
São os filhos dessas famílias, vivendo sob essas condições violentas, que estão nas escolas. Quem vai dormir com fome, sofre com o medo de morar na rua e com as violações de direitos básicos todos os dias, conhece e reage a essa linguagem da vida.
Militarizar não vai melhorar as escolas
Há ainda quem reivindique a qualidade das escolas militares para defender a implementação do programa: de fato, o Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ) conta até com aulas de robótica e atletismo. Mas é claro! O investimento por estudante nesses colégios chega a três vezes mais que a média das escolas públicas. Ou seja, com orçamento, é possível ter até aula de esgrima nas escolas. A questão mais importante é que a cívico-militarização não é a mesma coisa que os colégios militares! Essas escolas não vão receber mais investimento, nem mais computadores ou novas disciplinas de tecnologia, esportes ou artes em geral. É propaganda enganosa!
Organizar a comunidade escolar
Nessa batalha de ideias, falta ouvir e construir saídas coletivas para o problema das escolas. Além de organizar estudantes e professores contra essa fascistização do ensino, é preciso dialogar com as famílias, de porta em porta, se for necessário, nos bairros das escolas-alvo, pois essas estão sendo ludibriadas com a falsa promessa de melhorias. A tomada de consciência das famílias, professores e estudantes como uma força só é a saída para construir a educação do futuro, com uma relação comunitária e viva dentro de cada escola, a exemplo do levante que fez o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, recuar das intervenções autoritárias nas escolas municipais.
(*) Isis Mustafa é dirigente do partido Unidade Popular pelo Socialismo.